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Metanoética (Tanabe)

Kyoto2013 Filosofia como Metanoética foi publicado em 1946. Tanabe começa este livro influente confessando que duvidava de sua qualificação como filósofo por sua incapacidade de falar e agir com decisão. Dividido entre o desejo de criticar abertamente os líderes políticos e militares do Japão e o medo de que isso prejudicasse as chances de sucesso do país, ele permaneceu paralisado. Essa paralisia o levou a “se entregar à sua própria incapacidade”. O resultado dessa rendição foi uma percepção transformadora: sua confissão (sua metanóia  ou zange ) o forçou a olhar para sua “interioridade”, confrontando sua honestidade e integridade. Ao aceitar humildemente sua fraqueza, ele foi conduzido a uma “filosofia que não é filosofia”. Assim, uma nova concepção filosófica surgiu dos escombros ineficazes da filosofia tradicional — um estudo que, no final, o deixara paralisado. Era uma “não-filosofia” que funciona como “reflexão do que é último e como autoconhecimento radical”. Crucialmente, essa metanoética (meta, “além” ou “depois”, e noesis, “pensamento” ou “intuição”, do grego) envolve abandonar a expectativa de resolver questões práticas por esforço próprio (jiriki, “poder do eu”):

“Esse poder já foi abandonado no desespero.”

Nessa perspectiva, em vez de confiar em recursos limitados, é necessário invocar humildemente um “Poder do Outro” (tariki) superior para direcionar soluções éticas e existenciais. Zange implica arrependimento pelos erros cometidos, a angústia de saber que não se pode desfazer o passado, a vergonha pelos atos e o reconhecimento franco da própria impotência. Tanabe argumenta que tal realização vem de fora: é o Poder do Outro que age através da humildade do zange, provocando uma “conversão”, um novo começo. Para ele, isso é evidência de que o Poder do Outro opera no ato sincero de confissão e arrependimento. No Ocidente, costuma-se brincar que se nasce platônico ou aristotélico, representando tendências racionalistas ou empíricas. Na Escola de Kyoto, poderíamos dizer que se inclina para o jiriki ou tariki, com Nishida e Tanabe como expoentes dessas duas visões filosóficas distintas. No entanto, ambos os pensadores reconhecem que essas abordagens são complementares. Nishida concluiu que “ambas as perspectivas têm características próprias, mas são idênticas em essência”, e embora o jiriki predomine em sua abordagem zen, ele encerra sua Investigation observando que “conhecer e amar algo é descartar o poder do eu e incorporar o coração fiel que crê no Poder do Outro”. Nishida via a religião como o ápice do conhecimento e do amor, mas acreditava que o jiriki era necessário para alcançá-la. Analogamente, Tanabe usou o jiriki até o desespero final que o levou a abandonar a filosofia e a expectativa de que a razão pudesse responder aos enigmas da vida. Ele descreve o paradoxo do zange“Embora seja meu próprio ato, não pode ser meu próprio ato”. Preparado pelo fracasso do jiriki, mas impulsionado por uma força externa, o terreno interior se abriu para a conversão. A filosofia de Tanabe representou uma nova direção para a Escola de Kyoto, rompendo com o molde da “filosofia de Nishida” e inaugurando uma escola plural. Embora ambos partissem do “nada”, suas concepções divergiam: Tanabe via no Poder do Outro a “negação absoluta” de tudo o que é reflexivo — velhas crenças, métodos filosóficos e esperanças —, permitindo um renascimento em uma nova vida como “nada-quanto-amor”. Essa negação contínua do relativo pelo poder do nada evita a armadilha da arrogância e da autossuficiência. O ciclo de morte e ressurreição é infinito. A metanoética (zangedo) transcende a filosofia tradicional. Tanabe privilegiou a fé em detrimento da razão, que, para ele, só levava a antinomias insolúveis. Enquanto Nishida empregava a razão e a “intuição intelectual” dentro da tradição ocidental, Tanabe se baseou no budismo Shin (Terra Pura), fundado por Shinran (1173–1262). O Shin ensina que qualquer pessoa, do camponês ao erudito, pode alcançar a salvação invocando o nome do Buda Amida (Nembutsu), expressando fé pura. Tanabe, como Shinran (que também chegou à metanoética pelo desespero da razão), inspirou-se em Pascal e Kierkegaard, filósofos da fé. No entanto, ele não se limitou ao Shin: suas reflexões o levaram ao cristianismo e a críticas ao Japão pós-guerra. A abordagem de Shinran o conduziu a uma desconstrução da razão e ao zange, onde o eu morre no arrependimento e renasce pela “graça transformadora do nada absoluto” (Poder do Outro, Buda). Para Tanabe, a razão é finita, mas se finge absoluta; o nada é infinito, e seu poder, mediador. Contra Nishida, que afirmava “intuir intelectualmente” o nada, Tanabe via o nada absoluto como mediado por nossas ações — só o conhecemos através do Poder do Outro. Esse poder nos transforma, elevando-nos de um estado de queda para o perdão e a salvação. O zange mata o eu antigo, e o Poder do Outro o ressuscita como um “verdadeiro eu”.

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