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Derrida (2024) – o nada

(JDPensar)

O nada não está, pois, no ser; ele não é tampouco coisa do ser. Seu modo de ser é o assombramento, presença-ausência; é necessário que o nada assombre o ser para que a negação seja possível. Mas como o nada não é, isto é, não é em si, ele é nadificado, ele era (est été), diz Sartre, pelo para-si. É necessário, então, perguntar-se o que deve ser o para-si para que a nadificação da totalidade do mundo seja possível para ele. Infelizmente, não temos aqui o tempo de continuar com Sartre nessa interrogação. Esse poder de nadificação define o para-si como liberdade, e é na angústia – angústia que Sartre descreve ao seguir e reconciliar Kierkegaard e Heidegger (aqui seria necessário também colocar algumas questões a Sartre) –, é na angústia, “apreensão reflexiva da liberdade por ela mesma”, que eu me apreendo simultaneamente como totalmente livre – já que eu constituo o mundo em totalidade ao ultrapassá-lo por meio de meu poder de nadificação – e como (cito) “não podendo fazer senão com que o sentido do mundo lhe venha por mim”. Angústia a partir da qual a questão “por que há alguma coisa em vez de nada?” pode se colocar; angústia da qual não posso fugir, porque o projeto de fuga supõe que eu esbarre nela no momento em que dela fujo. É o que chamamos de “má-fé”, noção que Sartre examina no capítulo seguinte.

Notemos, para concluir, que Heidegger foi citado de passagem e integrado – depois de certa ajuda e críticas – à proposta sartriana. Ora, é provável que Heidegger, se nos referirmos simplesmente ao seu Que é metafísica? (logo, a uma de suas primeiras posições, e eu convido vocês a ler também esse texto pequeno e bem denso. Tradução de Corbin, 1938 ], teria recusado essa análise, como também a de Husserl, aliás. Isso pela razão seguinte, da qual indico simplesmente o princípio. Apesar de todo o progresso das análises husserlianas e sartrianas sobre as análises anteriores acerca da origem da negação e do “nada”, elas situam, como último recurso, essa origem no projeto ou na intencionalidade de um ente a que chamamos consciência, ego transcendental para Husserl, para-si e liberdade para Sartre. Ora, um ente entre outros, um tipo de ente entre outros – fossem eles sujeitos ou para-si –, não pode ser responsável pela nadificação da totalidade do ente, já que, por hipótese, excluiu-se dela. A mais compreensiva redução fenomenológica, a mais extensa, a angústia mais profunda são sempre, nesses casos, inaptas a nadificar a totalidade do mundo, a totalidade dos entes, a totalidade das regiões do ser, o homem, o para-si, inclusive a consciência ]. É necessário, pois, ultrapassar essa oposição consciência-mundo, para-si/em-si, muito marcada pela oposição tradicional sujeito-objeto, para compreender o nada como nadificação da totalidade dos entes. Nadificação da totalidade dos entes ] a partir da qual o ser do ente pode aparecer e a partir da qual a questão “por que há o ser em vez de nada?” pode surgir. Notemos por que a angústia heideggeriana não pode ser aquela de Sartre e talvez também por que Heidegger acabou por abandonar o tema, pois ele ainda faz muita referência ao homem ou à consciência, guardiã do ser e sentinela do nada (cf. aqui vigilância heideggeriana e vigilância de Alain).

A isso Husserl e Sartre sem dúvida responderiam que o sujeito transcendental e o para-si não são entes porque não estão no mundo como objetos ]. Certamente. É também por isso que Heidegger se recusa a, cada vez mais, partir seja do ser, seja do ente, e prefere partir da “diferença entre o ser e o ente”, que ele chama de diferença ôntico-ontológica. Essa diferença ], pela qual o ser se mostra ao se ocultar no ente: eis o que, ao final de nosso longo, embora bem curto, itinerário, e que era mais uma regressão, nos permite entender verdadeiramente Alain quando ele diz que “pensar é dizer não”.

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