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Aprender a viver (Derrida)

Derrida1993

Alguém, vocês ou eu, se adianta e diz: eu queria aprender a viver enfim.

Mas, por que enfim?

Aprender a viver. Estranha palavra de ordem: Quem pode dar lição? A quem? Que isto sirva de lição, mas a quem? Servirá, alguma vez? Saber-se-á alguma vez viver, e, primeiramente, o que quer dizer “aprender a viver”? E por que “enfim”?

Isoladamente, fora do contexto — mas, um contexto sempre permanece aberto, portanto, falível e insuficiente —, esta palavra de ordem sem frase forma um sintagma quase ininteligível. Até que ponto, aliás, essa locução idiomática se deixa traduzir?]

Locução magistral, contudo —ou por isso mesmo. Pois, na boca de um mestre, este fragmento de palavra de ordem sempre dirá alguma coisa sobre a violência. Vibra como uma flecha, na destreza de uma aptidão irreversível e dissimétrica, a que passa, o mais das vezes, de pai a filho, do mestre ao discípulo ou do senhor ao escravo (“vou te dar uma boa lição, eu mesmo”). Tal aptidão vacila, então: entre a aptidão como experiência (aprender a viver não é precisamente a experiência?), a aptidão como educação e a aptidão como treinamento.

Mas aprender a viver, aprender por si mesmo, sozinho, ensinar a si mesmo a viver (“eu queria aprender a viver enfim”) não é, para quem vive, o impossível? Não vem a ser isto mesmo que a lógica não permite? Viver, por definição, isto não se aprende. Não por si mesmo, da vida pela vida. Somente do outro e pela morte. Em todo caso, do outro no limite da vida. Tanto no limite interno quanto no (limite) externo, trata-se de uma heterodidática entre vida e morte.

Nada mais necessário, no entanto, do que esta sabedoria. Trata-se da ética mesma: aprender a viver — por si só, por si mesmo. A vida não sabe viver de outro modo. E faz-se outra coisa, em tempo algum, senão aprender a viver? Estranho compromisso para quem está vivo, supostamente vivo, uma vez que tal compromisso é, ao mesmo tempo, impossível e necessário: “Gostaria de aprender a viver.” Não tem sentido e não pode ser justo se não se explicar com a morte. Com a minha e com a do outro. Entre vida e morte, portanto, eis, na realidade, o lugar de uma injunção sentenciosa que sempre finge falar como o justo.

O que se segue avança como um ensaio na noite — no desconhecido do que deve ficar por vir —, uma simples tentativa, pois, para analisar com alguma consequência tal exórdio: “Eu queria aprender a viver. Enfim.” Enfim, ora.

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