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Conche (2007) – Montaigne, sabedoria como arte de ser feliz

CONCHE, Marcel. Montaigne ou La conscience heureuse. Paris: Presses universitaires de France, 2007.

  • Reconhecimento da “fortuna” como força determinante nas condições fundamentais da existência humana, abarcando nascimento, educação e os acontecimentos da vida.

Asserção de que a sucessão de acasos felizes, ao consolidar-se pelo hábito, se transforma em uma segunda natureza, constituindo a base individual para uma sabedoria singular.

Ilustração pela experiência pessoal de Michel de Montaigne, que atribui sua própria formação a uma conjunção de dons fortuitos, como uma linhagem honrada, um pai excelente e uma educação branda.

  • Deslocamento do problema filosófico da essência universal do homem para a investigação do eu particular e de seu lugar entre os outros homens.

Utilização das figuras históricas da sabedoria, como Catão, Sócrates e Epicuro, não como modelos a serem imitados, mas como padrões de medida para avaliar os limites e as possibilidades da natureza individual.

Adoção de uma perspectiva estética que admira a vida dos sábios como uma obra de arte total, na qual a morte constitui o acorde final harmonioso.

  • Distinção entre a grandeza dos conquistadores, como César e Alexandre, marcada pelo vício e pela ambição, e a sabedoria superior daqueles que fizeram da própria vida sua principal e mais legítima ocupação.
  • Definição de uma hierarquia de virtude ou potência para viver bem, estabelecendo três graus principais de realização humana.

Identificação do grau supremo com uma virtude soberana e alegre, que supera os maiores obstáculos com serenidade e contentamento, exemplificada por Catão e Sócrates.

  • Caracterização de um grau intermediário como uma virtude tensa e combativa, que domina as dificuldades mediante um combate áspero, representada por filósofos como Posidônio.
  • Admissão de um grau inferior como uma virtude acidental e fortuita, fácil e natural, que deve mais à ausência de impulsos viciosos e de provações severas do que a uma força interior conquistada, conforme a autopercepção de Montaigne.
  • Afirmação de que a verdadeira sabedoria reside em viver de acordo com as possibilidades inscritas na própria natureza singular, renunciando à imitação de modelos que a excedam.

Crítica à presunção de querer igualar-se aos sábios exemplares, atitude que constitui uma forma de soberba e de desconhecimento de si.

  • Conclusão de que a sabedoria não é uniforme, mas deve ser temperada e mesclada com uma dose de loucura para aqueles de natureza mediana, evitando-se assim uma sabedoria desmedida que se tornaria insuportável.
  • Estabelecimento do contentamento e da busca da felicidade como fim último da filosofia, substituindo a inatingível aspiração ao conhecimento da verdade.

Rejeição da curiosidade intelectual como expressão de um orgulho insensato, que pretende alcançar as causas pertencentes apenas ao governante do universo.

  • Condenação da “opinião de saber” como fonte de maldade, intolerância e desrespeito pela diversidade das opiniões alheias.
  • Defesa da aceitação jubilosa do mundo como um dom, sendo a satisfação o ato religioso por excelência que honra o doador universal.

Identificação do descontentamento como uma falta religiosa, uma ingratidão para com a benevolência insondável da qual emanam todas as coisas.

  • Caracterização de um respeito religioso que se estende a todas as criaturas vivas, expressando uma alegria fundamental pela riqueza e diversidade do mundo.
  • Distinção entre as satisfações conformes à natureza e os prazeres viciosos que resultam do artifício e do desregramento da imaginação humana.

Condenação dos prazeres da crueldade e da embriaguez como exemplos de invenções contra a natureza.

  • Crítica ao “artifício” humano, que corrompeu as leis naturais através da intromissão da vaidosa e inconstante razão.
  • Proposição de que a sabedoria não é uma construção humana, mas consiste em uma obediência à sapiência já presente na natureza.

Exaltação da simplicidade do camponês e do animal, como o porco de Pirro, que seguem a “rota da natureza” sem a mediação de um saber reflexivo.

  • Afirmação de que as regras da natureza não precisam ser conhecidas de forma discursiva, pois se fazem sentir imediatamente através das sensações de prazer e dor.
  • Formulação do princípio máximo da sabedoria como a extensão da alegria e a redução da tristeza, princípio este que todos os seres vivos seguem como lei suprema.

Diagnóstico da insensatez humana como uma multiplicação artificial de sofrimentos, através da antecipação de males, da criação de necessidades supérfluas e da incapacidade de fruir os prazeres naturais.

  • Prescrição de uma economia dos desejos, distinguindo os que têm um fim natural daqueles que fogem infinitamente, frutos do delírio da fantasia.
  • Reconhecimento dos limites naturais da condição humana – a morte, a velhice, a doença e a dor – não como males absolutos, mas como componentes necessários da existência, que devem ser aceitos com serenidade.

Crítica ao medo da morte como uma construção artificial e não como um sentimento natural.

  • Defesa de uma atitude de docilidade perante as doenças, confiando no curso natural em detrimento da arte médica.
  • Admissão de que não existe um método único de sabedoria, cabendo a cada indivíduo definir sua própria tática com base no conhecimento experimental de sua natureza.

Apresentação de duas vias terapêuticas principais contra o temor da morte: a premeditação, que familiariza com a ideia da morte, e a insatisfação, que a ignora completamente.

  • Defesa da escolha do método que for mais conforme à disposição natural de cada um, sendo ambos legítimos se conduzirem a uma vida sem medo e a uma morte suave.
  • Reabilitação do corpo e de seus prazeres como partes integrantes e honrosas da existência humana, contra o desprezo filosófico ou religioso.

Condenação do desprezo do ser corporal como a mais selvagem das doenças.

  • Exaltação do prazer amoroso como um dos mais certos que possuímos, desde que expresse a união integral de duas vontades e não seja objeto de vergonha artificial.
  • Intensificação da consciência dos prazeres como meio de amplificá-los e transformá-los em felicidade, culminando no “Cogito” eudemônico de Montaigne.

Asserção de que o bem-estar depende do juízo que cada um faz de si mesmo, e não das condições objetivas: “quem o crê de si é contente”.

  • Conclusão de que a crença na própria felicidade é o que lhe confere essência e verdade.
  • Defesa de uma vida ativa, mas desprendida dos resultados, onde a ação tenha um “desígnio divisível por toda a parte” e encontre seu sentido em si mesma.

Caracterização da vida do sábio como uma contínua produção de felicidade através de um “sim” fundamental à existência, independentemente das circunstâncias.

  • Afirmação de que o “cume da sabedoria humana e de nossa felicidade” reside na “amizade que cada um se deve”.
  • Reconhecimento da vontade de ignorância como um método legítimo de defesa para as almas comuns, permitindo evitar ou atenuar o sofrimento.

Ilustração pela atitude de Montaigne perante a doença e a dor, mantendo seus hábitos e dissociando-se do sofrimento para continuar vivendo.

  • Defesa de que o saber viver inclui o saber morrer, entendendo a morte como o último ato vital.
  • Consagração do presente como a única dimensão temporal real para o sábio, que encontra a felicidade no ato mesmo de viver, sem a dependência do passado ou do futuro.

Crítica à consciência infeliz, que projeta no tempo a causa de sua infelicidade, alienando-se de seu próprio poder de ser feliz.

  • Exemplo da superação do luto pela morte de La Boétie através do amor “por arte”, demonstrando a recusa de um dever de sofrer e a fidelidade à decisão de afirmar a vida.
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