Conche (2007) – Montaigne, ciência e sabedoria
CONCHE, Marcel. Montaigne ou La conscience heureuse. Paris: Presses universitaires de France, 2007.
- Fundamentação da filosofia na busca da sabedoria como modo de vida ideal, o que implica necessariamente a investigação sobre a essência do homem e seu lugar no ser.
Interpretação do imperativo délfico “Conhece-te a ti mesmo” como pedra angular do projeto filosófico, orientando o homem a discernir sua natureza e seu destino.
- Reconhecimento de Michel de Montaigne como figura singular que transita da questão universal “Que é o homem?” para a investigação particularíssima “Que sou eu, Michel de Montaigne?”.
Incorporação da máxima montaigniana que busca “a ciência que trata da conhecimento de mim mesmo, e que me instruise a bem morrer e a bem viver”.
- Conclusão cética sobre a impossibilidade de estabelecer uma verdade objetiva e universal sobre a natureza humana mediante os recursos exclusivos da razão filosófica.
Adoção da postura que aceita pintar a si mesmo, renunciando a pretensão de pintar o homem em sua generalidade.
- Crítica radical à capacidade da razão humana de fundamentar um saber positivo sobre o homem, desenvolvida principalmente na Apologie de Raymond Sebond.
Abstração metodológica do dado revelado para examinar o homem “sem socorro estrangeiro, armado apenas de suas armas”.
- Demonstração da fraqueza constitutiva da razão, evidenciada pela contradição insolúvel entre os sistemas filosóficos e a arbitrariedade na escolha dos princípios.
- Rejeição da ideia greco-cristã de uma hierarquia fixa dos seres, na qual o homem ocupa uma posição privilegiada na junção do corpóreo e do espiritual.
Refutação da pretensão humana de ser um animal excepcional, dotado de razão e liberdade em exclusividade.
- Desconstrução da suposta superioridade humana mediante a comparação minuciosa com os animais.
Aplicação do princípio da analogia, inferindo “de parecidos efeitos parecidas faculdades” para atribuir julgamento, previsão e raciocínio aos animais.
- Apresentação de exemplos de conduta animal que rivalizam ou superam a prudência humana, como a arquitetura do alción ou a previsão meteorológica do ouriço.
- Identificação da presunção como o vício originário e doença natural do homem, que o leva a se considerar como fim e medida da natureza.
- Conclusão de que o homem é um vivente de condição média, sem preexcelência essencial, distinguindo-se apenas por uma liberdade desregrada e doentia.
- Investigação sobre os objetos metafísicos fundamentais – Deus, a natureza e a alma – para concluir pela sua inacessibilidade ao conhecimento humano.
Crítica à teologia natural e à impossibilidade de conceber Deus sem projetar qualidades humanas, por meio de um antropomorfismo inevitável.
Argumentação de que esticar e elevar as qualidades humanas não ultrapassa a esfera do humano, sendo o Deus concebido pela filosofia um ídolo da razão.
- Caracterização da natureza como um livro selado, cuja profundidade misteriosa excede infinitamente os fracos meios do entendimento humano.
Questionamento das leis naturais estabelecidas pelo homem, que mais revelam os limites de sua percepção do que a essência do real.
- Análise da doutrina da alma, mostrando a discórdia dos filósofos sobre sua existência, natureza, origem e destino, reduzindo-a a um “enfantillage” do ponto de vista puramente racional.
Destaque para a ininteligibilidade da união entre uma alma espiritual e um corpo massivo, e para o caráter não humano de uma beatitude puramente espiritual.
- Diagnóstico da causa última do fracasso da filosofia: a natureza da própria razão humana e seus meios de conhecimento.
Identificação dos sentidos como base e princípio de todo o edifício do saber, os quais, no entanto, não desvelam a essência das coisas, mas as transformam segundo a natureza de nossos órgãos.
- Constatação de que a razão, privada de princípios certos não revelados, está condenada a errar, não podendo transmitir às conclusões uma verdade que não possui nos seus fundamentos.
- Adoção da posição cética como a mais sábia, recomendando a suspensão do juízo e o reconhecimento de que “não temos comunicação alguma com o ser”.
Valorização do pirronismo como a arte de opor razões contrárias para destruir a dogmática inerente à linguagem afirmativa.
- Releitura dos grandes filósofos dogmáticos – Platão, Aristóteles, Epicuro – como pyrrhoniens envergonhados, cujos sistemas são antes ficções geniais do que descobertas da verdade.
Interpretação dos sistemas filosóficos como “pirronismo sob uma forma resolutiva”, onde as afirmações dogmáticas têm valor de ensaio e hipótese, não de conclusão firme.
- Caracterização da filosofia em sua essência como uma poesia sofisticada, isto é, uma criação livre do gênio que, ao introduzir a categoria da verdade, se aliena de sua natureza criadora.
- Proposta de uma nova forma de filosofar que supera a oposição entre dogmatismo e ceticismo, encontrando sua realização nos Ensaios de Montaigne.
Assunção da ignorância como princípio da sabedoria, renunciando à fundação de um saber universal sobre o homem para buscar uma sabedoria à medida do indivíduo.
- Transformação do sentido da filosofia: de revelação das coisas tais como são para medium de autoconhecimento, onde o filósofo, ao dizer o mundo, diz a si mesmo.
- Afirmação de que a vida da inteligência, como atividade que encontra seu fim em si mesma, é a verdadeira filosofia, uma vez que é concebida como busca infinita e não como posse de verdades definitivas.
