O homem é ser dogmático
ECBD
Podemos até descobrir o erro de um ser, desvelar a inanidade de seus desígnios e de suas empresas; mas, como arrancá-lo de seu encarniçado apego ao tempo, quando esconde um fanatismo tão inveterado quanto seus instintos, tão antigo quanto seus preconceitos? Trazemos conosco, como um tesouro irrecusável, um monte de crenças e de certezas indignas. Mesmo quem consegue desembaraçar-se delas e vencê-las, permanece – no deserto de sua lucidez – ainda fanático: de si mesmo, de sua própria existência; humilhou todas as suas obsessões, salvo o terreno em que afloram; perdeu todos os seus pontos fixos, salvo a fixidez da qual provém. A vida tem dogmas mais imutáveis que a teologia, pois cada existência está ancorada em infalibilidades que fazem empalidecer as elucubrações da demência ou da fé. O cético mesmo, apaixonado por suas dúvidas, mostra-se fanático pelo ceticismo. O homem é o ser dogmático por excelência; e seus dogmas são tanto mais profundos quando não os formula, quando os ignora e os segue.
