Cândido de Voltaire
(Chaui1981)
O Cândido é um livro metafísico. O que o faz assim nào é o seu alvo explícito — a demolição do castelo da Westfália, malgrado sua porta e suas janelas — mas o compromisso da atividade demolidora com a metafísica passada. Voltaire contesta a perfeição e a bondade da Natureza: “Que é o otimismo? perguntou Cacambo. Ai de nós, respondeu Cândido, é a fúria de sustentar que tudo vai bem quando tudo vai mal”. Entretanto, o filósofo não objeta contra a existência da ordem e da racionalidade naturais. “É ideia de um fanático olhar o universo como uma prisão e todos os homens como criminosos a serem executados. É sonho de um sibarita acreditar que o mundo é um lugar de delícias, onde só temos prazeres. Ê ser um homem sábio pensar que a terra, os homens e os animais são o que devem ser na ordem da Providência.”] Abandonemos a especulação fanática e a alucinação sibarita. Não percamos a medida humana. Sejamos sábios, isto é, pensemos naquilo em que podemos pensar: na terra, nos animais e nos homens que vemos. Aceitemos a finidade e sua imersão no visível. O Cândido é uma objeção ao otimismo e, como é de praxe na disputa metafísica, há uma resposta à objeção: as Considerações sobre o Otimismo de Immanuel Kant.] Em 1759 o círculo metafísico não foi rompido ainda.
Pangloss e Martin são faces antinômicas de uma dialética insolúvel nela mesma. A solução é outorgada de fora, pelo recurso ao trabalho redentor. A desavença teórica encontra seu esgotamento apenas no instante em que a tagarelice dos doutos é interrompida à força pelos braços calados e operosos de Cândido, e quando a esperança se volta para a prática.
