Bouveresse (1976:11-13) – "pensamento" não designa experiência ou processo psicológico
Para Wittgenstein, acreditar que uma frase não poderia “dizer” nada se sua enunciação não fosse acompanhada, naquele que fala e naquele que ouve, por processos psicológicos característicos, é um pouco — guardadas as proporções — como acreditar que uma frase não poderia dizer o que deve dizer se não fosse impressa em tinta vermelha em vez de tinta azul. No manejo da linguagem, não são as “nuances” psicológicas que devem captar a atenção do filósofo. O signo, pensamos nós, não fala se não for interpretado, e a interpretação deve ser uma espécie de experiência mental privada. Podemos ficar impressionados, em certas situações relativamente anormais, pela “desajeitação com que o signo, como um mudo, tenta se tornar compreensível por meio de todos os tipos de gestos sugestivos” (LWZ, § 228); mas isso “desaparece quando reconhecemos que tudo depende aqui do sistema ao qual o signo pertence”. Quando se tenta, a todo custo, fazer o signo isolado falar por si mesmo, em sua materialidade, ele de repente se torna mudo; e é então que “gostaríamos de dizer: só o pensamento pode dizê-lo, o signo não pode”. Os processos mentais constituem o suplemento indispensável que dá vida ao signo inerte: “Estou inclinado a falar do que é sem vida como de uma coisa à qual falta algo. Vejo a vida absolutamente como um acréscimo, como algo que é adicionado à coisa desprovida de vida. (Atmosfera psicológica.)” (LWZ, § 128). Mas, no uso linguístico normal, não somos tentados a esquecer que é a linguagem em si que fala, e não algo que está por trás da linguagem. Estamos totalmente dispostos a admitir que é o poste indicador ou o gesto da mão, e não sua interpretação, que mostram o caminho. “A linguagem”, diz Wittgenstein, “deve falar por si mesma” (LWPG, p. 40).
O autor das Investigações Filosóficas obviamente nunca pensou em negar que existam processos internos, experiências mentais, etc. (Quem poderia, aliás, negar isso?) Ele simplesmente contesta que a palavra “pensamento”, por exemplo, seja usada para designar uma experiência ou um processo e, mais particularmente, uma experiência ou processo psicológicos. Certamente, há uma quantidade considerável de processos corporais ou psicológicos (imagens, sensações, etc.) extremamente diversos, que ocorrem durante o exercício normal do pensamento. Mas, quaisquer que sejam aqueles que possamos mencionar, não é isso que chamamos de pensamento. Se tentarmos descrever uma experiência específica cuja presença distingue por si mesma a fala ou o ato “pensados” daqueles que não o são (e que não chamaríamos assim), na maioria dos casos produziremos apenas coisas triviais ou acessórias. Na realidade, “a experiência do pensamento pode ser simplesmente a experiência do dizer, ou pode consistir nessa experiência mais outras que a acompanham” (LWBB, p. 43). (Há nesse “pode” toda a diferença que separa uma observação gramatical de uma observação psicológica, e Wittgenstein do behaviorismo.)
É certamente indiferente, até certo ponto, dizer que o pensamento se forma na mente ou dizer, conforme a famosa frase de Tzara, que ele “se faz na boca”. (Poder-se-ia dizer também, dependendo do caso, na laringe, na mão, etc.) Pois o melhor seria certamente, do ponto de vista filosófico, convencer-se de que o pensamento não é da ordem do que se faz, acontece, experimenta, etc., em algum lugar. Mas “se se fala de uma experiência do pensamento, então a experiência do discurso é tão boa quanto qualquer outra. No entanto, o conceito 'pensar' não é um conceito de experiência. Pois não se comparam pensamentos como se comparam experiências” (LWZ, § 96).
(JBMI)
