"A Ação" de Blondel
Gaboriau1965
O caso de Blondel é um exemplo ainda mais notável. Mas é uma releitura do projeto blondeliano que deve ser aqui proposta. Apenas sugeriremos aqui a perspectiva. A parte essencial de “L'Action” de 1893 não é apenas notável pelo seu alcance: enquanto a primeira parte se estende por 22 páginas e a segunda por 18, esta vai da página 43 à página 322, e em torno desta peça central, a quarta e quinta partes, com 65 e 55 páginas respectivamente, não serão mais do que as duas naves laterais simétricas da primeira. A questão do vaso é decisiva, e não é culpa de Blondel se não a tomamos em consideração. Das cinco “etapas” que compõem esta seção central, há uma, a primeira, que foi esquecida. É pena: salvo erro, ela contém a infraestrutura do edifício. Aquando da defesa da tese, a 7 de junho de 1893, nenhum dos examinadores (os senhores Boutroux, Janet, Marion, Brochard e Séailles) parece ter reparado. Mesmo aquele que não teve tempo de chegar à ducentésima página, preocupado com uma leitura atenta, porque “é importante ver se o fio não se quebra no caminho”, não fez qualquer referência ao capítulo em questão, apesar de o ter lido com atenção. Blondel sentiu em vão a necessidade de resumir a sua substância, mas ao abordar “a investigação que vai ocupar este longo capítulo”, explicou antecipadamente as razões de uma omissão que iria ocorrer: “o carácter técnico que necessariamente assume esconde-o de algumas mentes”. Sem entrar aqui em demasiados pormenores, que ultrapassariam o âmbito deste breve estudo, digamos apenas que, para Blondel, é a consideração das ciências, físicas e matemáticas, que conduz “por um passo inevitável, do fenómeno exterior ao fenómeno interior, e da ciência dos factos à ciência da ação, estabelecendo a necessidade e a originalidade do estudo subjetivo”, em que consiste a filosofia, definida a partir de então como “a ciência da ação”.
É, pois, a ação, a vida do ego e a da sua vontade que, a partir das ciências, estabelece a originalidade de Blondel na abordagem metafísica e contribui para a sua renovação. A ciência do homem opõe-se assim, doravante sem restrições, à da natureza, e Blondel exprime aqui um ponto de vista no qual se reconhecerá a pretensão fenomenológica comum: O objeto das ciências positivas é a ordem imanente da natureza e, de certo modo, o homem é entendido no seu aspecto objetivo. Mas este ponto de vista nunca consegue e não pode conseguir ser exaustivo e suficiente. Esta insuficiência deve-se ao “postulado dinâmico que não podem sequer tentar dar conta”, que é duplo: A ciência pressupõe uma dupla condição: por um lado, a existência de uma realidade natural cuja equação procura encontrar, sem encontrar senão aproximações…; por outro lado, o testemunho e o ator humano, o instigador da própria ciência, não só para satisfazer curiosidades e necessidades subalternas e utilitárias, mas para se situar, para se possuir, em busca de uma verdade transcendente implicada em qualquer afirmação, em qualquer estudo da ordem imanente das coisas.
É este domínio humano que devemos doravante explorar, já não como um objeto percebido do exterior e que serve de suporte ao simbolismo prestigioso das ciências positivas, mas como uma realidade que só pode ser apreendida a partir do interior, como uma unidade impercetível ao empirismo dos sentidos e às abstracções discursivas do entendimento.
… A consciência é e a ação é o elo íntimo sem o qual o dinamismo implícito em todas as ciências positivas seria uma palavra desprovida de sentido e de realidade. Estas fórmulas tornaram-se hoje “doutrina comum”, e é fácil ver porquê: não são falsas. O seu único defeito é o fato de serem postulados. No entanto, o ponto de partida de Blondel tem o grande mérito — uma vez mais, demasiado pouco sublinhado — de se basear nas ciências. Tal como o que defendemos, baseia-se no “que” a ciência “supõe”. Mas, em nossa opinião, a ciência não pressupõe nada, para começar, a não ser uma coisa: é a não-necessidade daquilo que examina as ligações entre si, é o algo que funda a sua certeza. Não se preocupa com nada, não tem a certeza de nada, supõe, portanto, no mínimo, o Yens, o ser, ponto final, e tudo está por fazer para o estudar. Μ. Blondel diz que a ciência “supõe duas coisas”: a existência de uma realidade natural onde, além disso (mas que direito temos nós de depreciar a ciência desta maneira? ) não encontra senão “aproximações que deixam de fora toda a unidade íntima e toda a causa intrínseca do movimento”; e ainda, “o testemunho e o Fator humano instigador da ciência” a um nível tal (aqui então exaltamos a ciência) que, como resultado, nos encontramos empenhados por ela na “procura de uma verdade transcendente implicada por toda a afirmação”, implicada portanto por “todo o estudo da ordem imanente das coisas” feito pelas ciências positivas.
