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Kostas Axelos (2023) – Logos
AXELOS, Kōstas. The game of the world. Tradução: Justin Clemens; Tradução: Hellmut Monz. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2023.
O Logos como Princípio Originário e Abismo Ontológico
- Instituiu-se o logos como o início, o princípio supremo e a potência, a arche que conduz à natureza cósmica e, através dela, à história humana e mundial, desenvolvendo o discurso que apreende o logos e o expressa, de modo que tudo começa e termina com ele, existindo antes do ser e do conhecer, embora encontrado apenas a posteriori, sem que ninguém tenha ousado debruçar-se sobre o abismo deste logos que a tudo preexiste e domina.
- A genealogia do logos deixa vaga a sua própria origem genealógica, impondo a questão brutal sobre onde situar a origem daquilo que, se está presente desde o início do jogo, suscita a indagação sobre como se desenvolve e se torna propriamente logos, mantendo como problema crucial aquilo que precede a linguagem e o pensamento.
- A relação entre humano e mundo, precedendo cada um dos seus dois termos e encontrando a linguagem apenas nessa copresença, constitui um diálogo que confunde os parceiros, não havendo primazia da linguagem ou do pensamento do humano, nem da linguagem e do pensamento do mundo, pois ambos iniciam, por assim dizer, na segunda potência, destacando-se da primeira unidade e do primeiro corte, emitindo signos feitos e desfeitos a partir de um fundo que escapa, o qual pode ser denominado o jogo que provoca todos os jogos.
- Não há pensamento e mundo, mas o pensamento do mundo, surgindo no coração partido do diálogo entre humano e mundo como uma catástrofe sobre uma espécie particular de entes, os seres humanos, que pensam a si mesmos e o ser do mundo, abrindo-se o pensamento — entendido como linguagem que fala, pensa e age — ao silêncio, à obnubilação e àquilo que o ativa e o supera.
- O logos, enquanto fala e pensamento do mundo e do humano num diálogo que ultrapassa qualquer dialética, aparece como o momento e o lugar — crono-lógico e topológico — primordial, onde e a partir de onde se diz e se pensa o que se dá e se retira da linguagem e do pensamento, sendo, contudo, apenas um dos instantes e espaços daquilo que permaneceria mudo sem ele.
A Natureza Multifacetada e as Interpretações do Logos
- Historicamente, o logos foi concebido como a luz divina da physis, a linguagem e a ordem do mundo, unificado como Deus, Ideia e Espírito, vislumbrado como faculdade humana progressivamente adquirida ou produto evoluído da matéria, sendo atualmente reduzido a uma gigantesca rede de informação e comunicação em circuito combinatório, restando a interrogação sobre quem ou o que produz o logos para que ele possa ser assim reduzido.
- O mundo precede o pensamento que o pensa e que pensa as coisas intramundanas, sendo todo pensamento antecedido por uma crença que nunca cessa de acompanhá-lo, num entrelaçamento de crença, pensamento e conhecimento infinitamente mais complexo do que se supõe, mantendo a própria filosofia vinculada aos seus pressupostos teológico-religiosos mesmo quando os nega.
- O logos constitui a violência e a fraqueza do Ocidente, permanecendo, quer tente pensar-se a si mesmo ou o que o contradiz, no coração da suprema tautologia, o Mesmo, respeitando o princípio reitor da não contradição, pois é impossível ao mesmo pertencer e não pertencer, ao mesmo tempo e sob a mesma relação, mantendo uma relação conturbada com o idêntico, o diferente e o outro.
- Desde há dois mil e quinhentos anos, tudo o que é e vem a ser aparece à luz do logos, o qual se bifurcou rapidamente na direção das palavras e da fala, suportadas pela gramática, retórica e lógica, e na direção das figuras e números, tendendo ambos os caminhos a reencontrarem-se em formalizações e axiomatizações, embora sem dialogarem verdadeiramente.
- O logos opera analogicamente, mais do que através de símbolos, signos e metáforas, pensando e falando o ser, os entes e as coisas com todo o seu ser, incluindo forças cósmicas, o corpo, o perceptível, as emoções, as imagens e os esquemas de representação, bem como poderes sociais e históricos, numa amálgama onde o pensamento receptivo, afetivo, imaginativo e especulativo se articulam e desarticulam.
A Problemática da Linguagem, da Palavra e do Silêncio
- A linguagem e o pensamento falham em libertar-se do poder e da fraqueza das imagens, sendo a palavra sucessiva e não simultânea, enquanto o pensamento e os gestos parecem escapar a essa limitação, restando a dúvida se, do tempo hipotético de uma língua comum original, seremos conduzidos aos problemas do tempo futuro de uma linguagem universal.
- As palavras não são as coisas e as coisas não existem sem os seus nomes, ou seja, sem serem enunciadas, chamadas e ditas, congelando a experiência que as implica e que elas explicam, estando todas as palavras do dicionário, fixas e errantes, ancoradas e à deriva, necessitadas de serem explicadas e pensadas.
- A fala mais fértil e o pensamento mais ágil emergem do solo compacto e frágil do não dito, do impensado, do desconhecido e do inconsciente, aspirando o logos em nós a ser dito e escrito de muitas maneiras simultaneamente, tal como numa partitura musical.
- Com a tradução do grego para o latim iniciou-se a grande história do desenraizamento em relação à linguagem, e todo discurso fundado em si mesmo possui os limites da sua própria vontade e poder, tendendo o diálogo, que é um jogo verbal útil e fútil, à sua própria abolição, devendo o pensamento visar talvez menos o diálogo do que o eco.
- É impossível dizer tudo, mas possível dizer o máximo, sendo por vezes necessário dizer o que usualmente se esconde; contudo, a modernidade passa cada vez mais do reino das ideias (idealismo) para o reino das palavras (retórica e formalismos), onde o signo é muito mais indicação do que expressão e a linguagem marcha em direção à sua autodestruição, devendo ser içada para fora dos seus eixos.
- O logos diz silenciando e silencia dizendo, havendo silêncios que falam e falas que calam, devendo-se aprender a respeitar os momentos em que nada mais há a dizer, pois a comunidade de fala e silêncio que habitamos não pode ser claramente dita nem calada, refugiando-se o logos no silêncio do mundo e o mundo no silêncio do logos.
Método, Lógica e a Dinâmica do Pensamento
- Nenhuma metodologia isolada abre a estrada real, devendo os métodos ser cruzados e revertidos, reconhecendo que não há método soberano e que a busca pelo methodos — caminho e roteamento — é tão importante quanto o resultado, sendo o método uma arma de dois gumes que pode voltar-se contra si mesma.
- A lógica formal e a lógica dialética mantêm relações quase inextricáveis, questionando-se se o princípio da não contradição, encarregado de fundar a possibilidade do discurso, pode ser conservado apenas ao ser superado, ou se deve ser aniquilado para respeitar a contradição efetiva, conforme reconhecido por Hegel em relação à lógica ontológica primordial.
- O paradoxo lógico torna-se lógica paradoxal desde que Epimenides, o cretense, enunciou que todos os cretenses são mentirosos, lançando o ato de falar na errância e demonstrando que a lógica instrui e destrói segundo premissas e conclusões que pressupõe e que lhe escapam.
- Todo pensamento procede por cortes, análises e totalizações, sendo fragmentário e global simultaneamente, interrogativo e afirmativo, devendo o pensamento inovador quebrar os velhos quadros e regras aceitas para propor outros, reconhecendo que a metodologia e a epistemologia não são ciências rigorosas e que mesmo a cibernética do pensamento não evita oferecer o flanco à crítica.
- O pensamento funciona com oposições das quais não pode prescindir nem creditar totalmente, onde antagonismo e reconciliação, contrários e mediações não realizam necessariamente uma síntese numa terceira potência, mas juntam-se numa presença unificadora no coração do rasgo que os faz existir, sendo que a superação das contradições é muito mais do que a sua resolução ou síntese.
Conhecimento, Interpretação e a Condição Humana
- Todo conhecimento é um reconhecimento, num círculo infernal e vicioso que liga pensamento e experiência, dado e projetado, a priori e a posteriori, sendo que a cognição não está isenta de moral e os sistemas de referência contêm sempre uma equação pessoal dentro da tabela de orientação histórica e global.
- A racionalidade constrói-se sobre o não racional, que não é irracional, e a maior parte das decodificações de antigas mensagens apresenta-se como mensagens originais, enquanto a metáfora joga o jogo da metafísica, mantendo ambas um poder inexpugnável no coração da linguagem.
- O imaginário, cuja apreensão teórica permanece a pedra de tropeço de qualquer teoria e crítica da razão, pode ser nutritivo, perturbando e sendo perturbado pelo sensível e pelo abstrato, enquanto o pensamento engenhoso procede também através de enormes simplificações.
- As mutações do pensamento são muito mais raras do que se supõe, procedendo todos os pensamentos através do deslizamento de sentido, e o que menos se compreende é o próprio significado de compreender, podendo a lógica de cada ontologia regional constituir-se numa panlógica específica.
- A consciência morre a sua morte, morta pelo pensamento e pelo mundo, e aquilo que carrega o nome de consciência arrisca a sua vida para ser reconhecido pela outra consciência, não encontrando apaziguamento em nenhuma satisfação particular nem na negação de si mesma.
A Escrita, o Livro e a Técnica
- A civilização vive há dois mil e quinhentos anos sob a obsessão do Livro, sagrado e profano, onde tudo se encontra escrito e continua a sê-lo, confundindo-se mundos livrescos e mundos da vida, embora as duas palavras e vidas que mais profundamente marcaram a história, Sócrates e Cristo, não tenham escrito, tendo vivido e morrido as suas palavras que foram transformadas em livros pelos discípulos.
- O livro total que assombra cada autor não existe, e, por meio de rasuras e adições, o livro tornar-se-ia como a reminiscência da pintura da Obra-prima Ignorada balzaquiana, um amontoado informe resultante da tentativa de pintar o quadro absoluto, desaparecendo todo texto sob a luz e o peso das interpretações que suscita.
- O logos torna-se tecnologia e a lógica torna-se logística, onde máquinas de computar e cérebros eletrônicos funcionam segundo automatismos programados, cessando tudo de ser significação para tornar-se mensagem a codificar e decodificar, visando a dominação global num horizonte onde a vontade de poder do antigo logos gera a vontade de vontade da logística combinatória.
- O jogo da escrita, preparado pelo jogo da gramática e da lógica tornando-se linguagem, inscreve-se imediatamente no mundo do jogo da técnica, e a civilização do livro e da impressão generaliza-se preparando a superação do livro, onde máquinas combinatórias abrirão outras possibilidades de jogos com a escrita, sugerindo um deslivramento.
O Pensamento Planetário e o Futuro
- O pensamento do futuro deverá sacudir de cima a baixo toda a estrutura gramatical, sintática, lógica e dialética da linguagem para melhor apreender o jogo do mundo, destinando-se o verbo ser a ser superado enquanto cópula, julgamento ou substantivo, reencontrando o devir no tempo.
- O mundo torna-se planetário — plano e aplainado, planificado e errante — numa rotação incessante sem centro nem circunferência, exigindo um logos poético e práxico que se assuma na errância, onde o pensamento deve ser de extrema flexibilidade, estocástico, metódico e visionário, assumindo a banalidade geral e problematizando-a.
- É necessário elaborar um pensamento e uma linguagem articulados e abertos, liquefazentes e problematizantes, capazes de apreender as atividades poéticas, políticas, científicas e técnicas, o estilo e o passo da época planetária, superando os sistemas fechados e o aforismo literário complacente em favor de um conjunto sintético e polivalente.
- Na ausência de princípio, que é precisamente a novidade, o pensamento deve pensar o que se oferece ao pensamento retirando-se dele, mantendo a suspeita no projeto e a tensão na construção, visando uma certa harmonia de tensões opostas, num jogo onde o logos pensa e diz, sem demasiada tagarelice sobre a errância e o silêncio, o jogo Daquilo.
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