Libera (AS3a) – Pensar e pensamentos
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Os filósofos fazem todo tipo de pergunta sobre o pensamento. Quem pensa? Sou eu o autor dos meus pensamentos? Qual é o lugar do pensamento? Qual é seu palco ou sua cena? Em que medida os pensamentos que me vêm à mente ou que tenho são realmente meus? Sou proprietário do meu próprio pensamento? Em suma: devemos dizer “eu penso” com Descartes ou “isso pensa” (em mim, por mim) com Plastic Bertrand, Lichtenberg, Schelling e Schlick?
Parece natural acreditarmos que o ato de pensar ocorre dentro de nós. “Ocorrer” diz muito. O que ocorre existe. Ser é ter lugar para existir—ou seja, ter uma razão para ser. Mas o que ocorre também acontece. O que ocorre em nós acontece em nós, se produz, se efetua, se realiza dentro de nós. Aquilo que ocorre em nós está em nós, de alguma maneira. Assim, parece natural acreditar que, se o ato de pensar ocorre dentro de nós, ele começa e termina em nós. Em nós, seja em nossa alma (caso sejamos religiosos), em nossa mente (se compreendemos o termo “Mind” em francês) ou em algum outro lugar (se passamos por 1968).
Nada disso, porém, é verdadeiramente “natural”. Todas essas crenças são construções culturais ao longo da história. São teses filosóficas assimiladas, filosofemas não testados como tais e, muito menos, reconhecidos como construções históricas—filosofemas (teoremas eruditos, injunções técnicas, imperativos teóricos) vividos indevidamente como dados imediatos da consciência, na superfície da experiência.
Foram filósofos que decidiram que aquilo que pensa era sujeito de um ato—o ato de pensar. Filósofos que determinaram que, em razão desse caráter subjetivo, esse “aquilo” ou “isso” poderia reivindicar para si a autoria ou a agência do pensamento. Fizeram isso parcialmente contra Aristóteles e parcialmente em nome de Aristóteles. Se esse duplo gesto é comum na política, é menos frequente na história da filosofia—com uma exceção notável, justamente, a teoria aristotélica da ψυχή (alma) e do νους (intelecto), tendo em seu cerne o enigma persistente da relação entre o νους, substância obstinada e energia duradoura, e τό νοείν, o ato de pensar, efêmero como todo ato, à parte da Criação—o ato irrepetível—e do Pensamento divino, tal como a eternidade não o altera.
A construção filosófica reflete um fato da experiência: sentimos que somos princípio, isto é, começo e ponto de partida. André Chouraqui teria dito “Entête” ] para se referir às nossas ações e, sobretudo, ao nosso pensamento. Mas ao interpretar esse fato, o filósofo o codifica e ao longo da história continua a recodificá-lo, a complicá-lo, a investi-lo e a reinvesti-lo linguística, conceitual e argumentativamente.
A “denominação” é uma das chaves desse código. Encontramo-la sob diversas formas nos volumes anteriores: da denominatio extrinseca escolástica à external denomination de Clarke e Reid. Retomar e seguir essas variações, desde a Idade Média até a modernidade, é um dos propósitos deste volume, como se fosse um motivo oculto emergindo progressivamente da trama para pensar, construir ou reconstruir arqueologicamente uma história filosófica do ato de pensar. Assim, inicia-se um percurso, esboça-se uma intriga complexa, abre-se um caminho que nos leva ou nos chama. Em uma ambiguidade duplamente saborosa, essa jornada nos conduzirá de Viena a Viena, do Ródano do intelecto ao Danúbio do pensamento.
