Rosen (1993) – onta e physika

ROSEN, Stanley. The Question of Being: A Reversal of Heidegger. New Haven: Yale University Press, 1993.

A decisão socrática de abandonar a investigação direta dos entes naturais (ta onta ou ta phusika) e empreender a “segunda navegação” não constitui uma renúncia à verdade, mas uma medida de precaução epistemológica análoga à proteção dos olhos durante um eclipse: assim como observar o sol diretamente pode arruinar a visão física a menos que se olhe seu reflexo, a tentativa de contemplar diretamente os pragmata (feitos e coisas) com os sentidos e a alma desprotegida acarreta o risco de cegueira noética.

O refúgio nos logoi (argumentos, relatos ou razões) não deve ser interpretado, contudo, como uma resignação ao estudo de imagens ou ícones (eikones), pois Sócrates nega explicitamente que investigar nos logoi seja examinar imagens em maior grau do que investigar nos erga (atos ou feitos); essa distinção é crucial para afastar a leitura moderna que reduziria os logoi a meras proposições linguísticas, conceitos mentais ou artefatos da faculdade discursiva que funcionariam como substitutos artificiais dos entes.

A relação complexa entre o ente (on) e o logos pode ser formulada considerando que o ente possui uma natureza (physis) constituída por uma ordem ou razão (ratio) de elementos de inteligibilidade, a qual é processada em um movimento de dois estágios: primeiramente, o logos é apreendido pela noesis (intuição intelectual pura); subsequentemente, essa apreensão é “copiada” pela dianoia nos ícones da linguagem, um processo descrito no Filebo através da metáfora do demiurgo psíquico que “escreve” na alma (doxa) e do pintor que ilustra o escrito (morphe percebida).

Essa estrutura revela que o logos é ontologicamente distinto do ente — pois, se fossem idênticos, o ser e o intelecto seriam a mesma coisa, resultando em um idealismo absoluto —, mas é formalmente o mesmo, na medida em que ambos exibem o mesmo aspecto eidético (Idea); o logos atua, portanto, como o termo médio e a comunidade entre ser e pensar, permitindo que a verdade ou “abertura” do ente seja discernida ao olhar para o logos.

A metáfora visual utilizada por Sócrates, embora essencial para a orientação inicial na segunda navegação, é em si mesma um ícone e, portanto, insuficiente; a análise da investigação através dos erga (feitos) demonstra que a percepção sensorial capta apenas movimentos corporais (um oleiro moldando barro, um general liderando tropas), mas a compreensão do “feito” enquanto tal depende inteiramente da compreensão das intenções e da alma do agente (aitia).

Esse entendimento das intenções não deriva da física matemática nem da percepção de movimentos, mas de um autoconhecimento pré-teórico e espontâneo onde nos reconhecemos como causas responsáveis; nesse sentido, a praxis revela-se mais fundamental, cronológica e ontologicamente, do que a theoria, pois o ser humano sabe como agir para satisfazer desejos e defender-se antes de compreender a natureza teórica dos entes, emergindo esse saber de nossa imersão no cotidiano e não de uma introspecção psicológica científica.

A análise do conceito de “abertura” permite delinear a diferença crucial entre a ontologia platônica e a aristotélica: para Aristóteles, a abertura do ente é sua própria atualidade enquanto está sendo pensado, implicando que o eidos (forma-espécie) se atualiza no pensamento noético e não possui separação ontológica do processo de pensar, o que paradoxalmente o aproxima de um idealismo onde a existência das formas depende de sua intelecção (sem pensamento, não haveria eidos).

Para Platão, em contraste, o ente está “aberto para ser recebido” independentemente de haver ou não um intelecto para recebê-lo; a separação entre entes e intelectos é mantida, mas a ponte é estabelecida pela comunidade dos logoi, que carregam a mesma inteligibilidade (Ideia) que reside no ente.

O procedimento socrático de “postular” (hypothemenos) o logos que ele julga ser o mais forte (erromenestaton) não se refere à criação de uma hipótese no sentido moderno de uma construção teórica ou padrão conceitual imposto aos fenômenos, mas ao ato crítico de julgar e distinguir (krinein) entre diversos relatos para selecionar aquele que é mais “saudável” e capaz de sustentar a vida racional, evitando a queda na incoerência ou no relativismo.

A “força” dessa hipótese não é formal ou lógica, mas existencial e utilitária (no sentido nobre), enraizada na capacidade dos entes de permitir a existência e na responsabilidade das Ideias por esses entes; o logos mais forte é aquele que revela ou descobre a maior parte do todo, oferecendo a perspectiva mais abrangente que, embora seja “para nós” (perspectivismo), não é relativista, pois a estrutura da perspectiva é, em princípio, a mesma para todo ser humano.