Qual é a questão?

Olivier Abel, Abel2000

Qual é, então, a questão, se a relacionarmos com o fato de ter nascido e o fato de estar no mundo? Podemos abordá-la pelo lado da singularidade mais viva, a de uma questão a ser resolvida e à qual cada obra, cada ação, cada palavra traz sua resolução singular ]. Mais ainda, com Ricoeur: “dizer a identidade de um indivíduo ou de uma comunidade é responder à pergunta: quem fez tal ação? Quem é seu agente, seu autor? (…) Responder à pergunta 'quem?', como Hannah Arendt havia dito com força, é narrar a história de uma vida”]. Se a relacionarmos com o fato de ter nascido, a pergunta implícita que fazemos uns aos outros é: “quem?”, “Quem dizeis que eu sou?”, “Qual é o meu lugar?” Porque desejamos ser e não sabemos o que desejamos, porque não sabemos quem revelamos, do que somos ou não somos capazes, é essa pergunta própria que buscamos incessantemente interpretar, uns para os outros. E nossos atos, palavras, obras, relações são tantas respostas, esboços, rascunhos, tentativas de interpretação de si e do outro, do outro como a si mesmo, e de si como um outro. Tantos modos de distinguir entre o que nos disseram e o que dizemos, entre o que nos disseram que éramos e o que dizemos que somos. Meyer, por sua vez, descreve o humano como questionador], e escreve: “O divino no homem define a problematicidade da condição humana.”] Se se reprova ritualmente à filosofia não trazer respostas, ao contrário das ciências e das crenças, se surpreende que ela aceite várias respostas possíveis, é porque gostaríamos de esquecer que o próprio papel da filosofia é reabrir incessantemente o questionamento: “Queiramos ou não, o homem é uma questão (…) para si mesmo.”]

Também podemos tomá-la “no mais total esquecimento de si, seguindo o mais ingenuamente possível o movimento dos pensamentos” e das perguntas, sem a menor preocupação de voltar à consciência de si, como diz Gadamer]. A questão é então saber “o que” dizemos, “do que” falamos, o espanto de não saber exatamente do que falamos e ainda assim poder falar disso. Há aí uma abertura da interrogação à verdade que reabre sem cessar o que tomamos por verdadeiro]. Em outras palavras, a questão é então saber se estamos de fato no mesmo mundo, e para isso é preciso ao menos que possamos falar de uma ou duas coisas comuns, a partir das quais nos orientemos. Interpretar uma coisa seria desembaraçá-la, dedicar-lhe esse cuidado até o fim e refazer o mundo a partir desse pequeno fragmento. Wittgenstein, aqui, em sua busca da certeza, seria característico desse total esquecimento de si, onde a linguagem seria de certo modo o único transcendental, um transcendental sem ego]. Bachelard destacara na conclusão da tese de Cavaillès essa expressão: compreender a ciência é “captar seu gesto e poder continuá-lo”]. Como se o sujeito estivesse inteiro nesse gesto. Cavaillès concluía, aliás, seu escrito Sobre a Lógica e a Teoria do Conhecimento com a observação de que “não há uma consciência geradora de seus produtos, ou simplesmente imanente a eles, mas ela está cada vez no imediato da ideia, perdida nela e se perdendo com ela, e só se ligando a outras consciências (o que se seria tentado a chamar de outros momentos da consciência) pelos laços internos das ideias às quais estas pertencem”]. Essa maneira de estar todo na questão entreabre a rigorosa possibilidade de outros mundos, vislumbra sua necessidade. Aquilo de que se fala conduz o diálogo, e é sempre uma pergunta.

Essas duas perguntas, a que se refere a si e a que trata de tudo menos de si, são excludentes? Vê-se o que impede sua simultaneidade, mas não o que impede sua complementaridade ou correlação: todo avanço na maneira de interrogar o mundo não seria uma maneira de reabrir diferentemente a questão de si, e reciprocamente? É sob essa ideia que nos permitimos abrir tão amplamente, desde o início, o campo da interrogação e da interpretação a partir do nó dos assuntos humanos anteriormente descrito.