Antonio Machado, Machado2002
Pois o poeta cantaria sem a angústia do tempo, sem a inevitabilidade de as coisas não serem todas simultâneas para nós, como o são para Deus, mas dispostas em série e embaladas como balas a disparar umas a seguir às outras? O fato de termos de esperar que um ovo ferva, que uma porta se abra ou que um pepino amadureça é digno de reflexão. À medida que a nossa vida coincide com a nossa consciência, o tempo torna-se a nossa realidade última, rebelando-se contra a conjuração da lógica, irredutível, inevitável, fatal. Viver é devorar o tempo: esperar; e por mais transcendente que se pretenda ser, a nossa espera será sempre uma espera para continuar a esperar. Porque se a própria vida contemplativa, na glória do justo, é vida, estará ela fora do tempo e para além da espera? Evito expressamente o termo “esperança”, que é um desses superlativos que designam uma expetativa de bens supremos, atrás dos quais não haveria mais nada a esperar. É uma palavra que contém um conceito teológico, inadequado para um curso de retórica e poética. Também não quero falar-vos do Inferno, para não chocar demasiado as vossas sensibilidades. Só tenho de vos avisar que aí se perde a esperança, no sentido teológico do termo, mas não o tempo e a expectativa de uma série infinita de desgraças. O inferno é a assustadora casa do tempo, onde Satanás, no mais profundo dos círculos, dá corda a um gigantesco relógio com a sua própria mão.