Onfray (2012) – Camus, um gramscismo mediterrâneo

ONFRAY, Michel. L’ordre libertaire: la vie philosophique d’Albert Camus. Paris: Flammarion, 2012.

A esquerda dionisíaca caracteriza-se por uma afirmação radical da vida, dizendo um “sim” convicto que vira as costas à esquerda do ressentimento, a qual, alimentada pela pulsão de morte e pela negação, rejeita a existência em favor de uma destrutividade vingativa. Nietzsche analisa com precisão o mecanismo negativo que frequentemente motiva os defensores do socialismo, do comunismo e do anarquismo, os quais, sob o pretexto de acelerar o progresso, realizar a humanidade ou celebrar a fraternidade, são movidos por um desejo profundo de destruir, incendiar e massacrar, erigindo guilhotinas e ativando tribunais revolucionários que resultam no aniquilamento dos indivíduos em prol de uma comunidade totalitária.

Albert Camus oferece o antídoto à esquerda do ressentimento através de uma postura de fidelidade às origens e de recusa às paixões tristes, uma vez que em sua obra não se encontra ódio pelas figuras de poder ou pelas instituições que marcaram a pobreza de sua infância, mas sim uma ausência de rancor contra o Estado que enviou seu pai à morte ou contra os patrões de sua mãe, o que o diferencia radicalmente dos revolucionários movidos pela vingança. O socialismo dionisíaco de Camus é solar e afirmativo, fundamentado numa promessa de não esquecimento de sua proveniência proletária, contrastando com o ambiente intelectual parisiense, como ilustrado pela postura de Camus em uma fotografia no ateliê de Picasso, onde ele prefere a companhia de um cão à das elites filosóficas como Sartre e Beauvoir.

A oposição fundamental entre socialismo de ressentimento e socialismo de afirmação desdobra-se em diversos pares conceituais, tais como socialismo apolíneo versus dionisíaco, europeu versus mediterrâneo, cesarista versus libertário, e marxista versus proudhoniano, revelando uma luta histórica onde a primeira modalidade tende a destruir e desqualificar a segunda através de um maquiavelismo cínico. Marx exemplifica essa dinâmica ao utilizar ataques ad hominem e distinções ideológicas arbitrárias entre socialismo científico e utópico para marginalizar adversários como Proudhon e Bakunin, consolidando a hegemonia do socialismo autoritário na Europa dos séculos XIX e XX.

O socialismo libertário de Camus é indissociável de uma geografia afetiva que privilegia a Argélia não como nação no sentido político estrito, mas como uma terra de poética dos elementos e de miscigenação cultural, onde a missão civilizadora inverte-se: é o calor ontológico e a vitalidade do Sul que devem reaquecer o corpo frigorificado e niilista da velha Europa. A amizade, nesse contexto mediterrâneo, resgata a virtude sublime dos antigos epicuristas e estoicos, contrapondo-se ao amor abstrato e diluído do cristianismo ou à superficialidade das relações intelectuais parisienses.

A vertente espanhola da identidade de Camus, herdada de seus ancestrais de Minorca, introduz a dimensão da sombra, da tradição libertária e do anarquismo positivo, admirando na Espanha a capacidade de federalismo e a concretização de um governo anarquista que concilia ideal e realidade, ao contrário da esquerda de ressentimento que se limita à crítica estéril. A Espanha representa a união paradoxal entre o amor e o desespero de viver, a fusão entre a ditadura militar e a poesia, oferecendo lições de bravura, honra e determinação que complementam a vitalidade argelina.

A preferência de Camus pela Grécia em detrimento de Roma fundamenta-se na oposição entre o equilíbrio e a medida helênicos e a desmesura imperialista latina, associando Roma à invenção do cesarismo, do direito constrangedor e da filosofia da história que culmina no idealismo hegeliano e no marxismo. Enquanto a Grécia platônica aponta para o céu e para a beleza, a Europa aristotélica e romana foca na terra, na guerra e na eficiência administrativa, gerando uma civilização técnica e jurídica que perdeu o contato com a natureza e o sagrado imanente.

O hedonismo solar defendido não é um refúgio narcísico, mas a base ética para uma política dionisíaca que aspira a uma comunidade feliz, rejeitando a separação weberiana entre ética da convicção e ética da responsabilidade em favor de uma união indissolúvel entre a moral e a ação política. A esquerda dionisíaca, vacinada pela vida contra o instinto de morte, evitou os erros colossais do século XX, como o totalitarismo e o colaboracionismo, mantendo-se fiel a uma exigência de lucidez e humanidade.

O teatro constitui para Camus uma metáfora da sociedade ideal, onde a interdependência fraterna entre os membros da equipe coexiste com a liberdade individual e a responsabilidade coletiva, oferecendo um antídoto ao isolamento egoísta do intelectual de gabinete e impondo um contato rigoroso com a realidade física e material. Longe de ser o lugar da ilusão, o palco é o local da verdade onde a impostura é impossível e onde a autenticidade é testada sob a luz crua dos projetores, servindo também como uma ascese corporal e espiritual que disciplina o indivíduo.

A ruptura de Camus com a ortodoxia do Partido Comunista, exacerbada pela sua abordagem cultural independente e pelas intrigas internas, não diminuiu sua convicção na necessidade de uma esquerda renovada pelo contato com o Mediterrâneo, a qual ele promoveu na inauguração da Casa da Cultura em 1937. O objetivo era disputar o conceito de Mediterrâneo com a direita nacionalista, redefinindo-o não como um passado de glória racial ou imperial, mas como um futuro de vitalidade internacionalista e de união entre Oriente e Ocidente.