Martin Buber, Le problème de l’homme, Aubier, 1962, p. 12-15.
Foi Kant quem formulou com maior perspicácia a tarefa que uma antropologia filosófica enfrenta. No Manual usado para seus cursos de lógica, que ele mesmo não publicou, mas que ele expressamente reconheceu, ele distingue entre uma filosofia no sentido clássico e uma filosofia no sentido cósmico (in sensu cosmico). Ele chama esta última de “a ciência dos fins últimos da razão humana” ou “a ciência da máxima mais elevada proposta para o uso da nossa razão”.
O campo da filosofia, nesse sentido cósmico do termo, pode ser reduzido, segundo ele, às seguintes questões: 1. O que posso saber? 2. O que devo fazer? 3. O que tenho direito de esperar? 4. O que é o homem? A primeira questão é respondida pela metafísica; a segunda, pela moralidade; a terceira, pela religião; e a quarta, pela antropologia. “Mas basicamente”, acrescenta Kant, “poderíamos trazer tudo isso para a antropologia, já que as três primeiras questões se relacionam com a última”.
Agora, estranhamente, a antropologia que é propriamente de Kant — tanto aquela que ele mesmo publicou quanto a rica substância de suas palestras sobre o conhecimento do homem, publicadas muito depois de sua morte — de forma alguma oferece o que ele exige de uma antropologia filosófica. Segundo a intenção expressa nela, bem como por todo o seu conteúdo, ela traz algo diferente: observações preciosas, em abundância, sobre o conhecimento do homem; sobre egoísmo, por exemplo, sobre sinceridade e mentiras, sobre imaginação, sobre adivinhação, sobre sonhos, sobre doenças mentais, sobre inteligência. A questão, porém, é: o que é o homem? não surge ali de forma alguma. E os problemas que esta questão nos implica, assim que a pomos: a posição singular do homem no cosmos, sua condição em relação ao destino, suas relações com o mundo das coisas, sua compreensão dos outros, sua existência como um ser que sabe que deve morrer, sua atitude em todos os encontros com o mistério… de todos esses problemas, eu digo, nenhum é seriamente abordado.
…Um filósofo contemporâneo, M. Heidegger, que lidou com esta estranha contradição ], busca sua explicação no caráter indeterminado da questão relativa à natureza humana. A própria maneira de perguntar o que é o homem tornou-se, diz ele, problemática. Agora, nas três primeiras questões de Kant, trata-se de fato, segundo ele, de uma questão da finitude do homem: “O que posso saber?” implica uma falta de poder e, portanto, uma limitação; “O que devo fazer?” implica que ainda não se realizou algo… e “o que tenho o direito de esperar?” “ significa que uma esperança é concedida e outra é negada àquele que questiona; então temos aqui, repetidamente, uma limitação. Quanto à quarta questão, é, de acordo com Heidegger, a questão da finitude no homem, mas não se relaciona mais com a antropologia: para ele é a questão da própria natureza da existência. Na base da metafísica, ele coloca a “ontologia fundamental” em vez da antropologia.
…Será que tal disciplina será realmente capaz de fornecer uma base para a filosofia ou, como diz Heidegger, para a metafísica? É verdade que nunca deixo de aprender, pela experiência, o que posso saber, o que devo fazer e o que tenho o direito de esperar; e também é verdade que a filosofia contribui para meu aprendizado. Em resposta à primeira pergunta, ela me diz, de fato, na forma da lógica e da teoria do conhecimento, o que significa ter a possibilidade de conhecer, e na forma da cosmologia, da filosofia da história, etc., o que há para conhecer. Em resposta à segunda pergunta, ela me diz, na forma de psicologia, como o dever de fazer é cumprido psiquicamente e, na forma de moralidade, ciência política, estética, etc., o que há para fazer. E em resposta à terceira pergunta, ela me diz, pelo menos na forma da filosofia das religiões, como o direito à esperança é representado na fé concreta e na história da fé, sem poder, é claro, me dizer o que há para esperar, já que a religião em si e sua explicação conceitual, a teologia, não fazem parte da filosofia.
Considero tudo isso verdade. Mas se a filosofia consegue me prestar tal serviço em suas diversas disciplinas, é precisamente porque cada uma dessas disciplinas não tem em vista o homem em sua totalidade.