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Kostas Axelos (2023) – Isso, Ser, Nada

AXELOS, Kōstas. The game of the world. Tradução: Justin Clemens; Tradução: Hellmut Monz. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2023.

Ontologia Fundamental: O Isso, o Ser e o Nada

Isso é: o ser de tudo aquilo que é, e o nada, o devir, o movimento, a positividade e a negatividade, o espaço-tempo, a unidade, a multiplicidade e a totalidade, o mundo aberto ou fechado, finito ou infinito ou indefinido; constitui-se como o ser em devir da totalidade fragmentária e fragmentada do mundo multidimensional e aberto, constituindo-se no e através do seu encontro com o ser humano, pois é no interior desse encontro que o Mesmo se diz e se faz, não sendo possível partir do ser do homem para alcançar o ser em devir, nem fazer o inverso, estando-se sempre a caminho do coração do Mesmo, sempre problemático e no interlúdio.

Isso é: o jogo de todos os seus desvelamentos e de todas as suas ocultações, todas as leituras e interpretações que suscita e turva, todas as maquinações que provoca e quebra, sendo este jogo o Uno-Tudo, o Uno-Múltiplo, o Ser-Nada, o Tudo-Nada; é o horizonte dos horizontes que se retrai, podendo ser chamado simplesmente de Mundo, onde o humano não existe sem o mundo e o mundo não é — isto é, não é dito e feito, não é um problema — sem o humano, sem que nenhum deles seja o outro e sem que nenhum funcione sem o outro, instituindo o Mesmo através do jogo.

Isso é: logos como linguagem e pensamento do mundo dito pelo humano, espírito, ideia, começo e fim de tudo o que é, Deus, medida da criação, e physis como totalidade cósmica, universo dos universos, matéria energética em movimento mecânico e/ou dialético, humanidade histórica, produtora e transformadora daquilo que é e daquilo que não é, andaime técnico de razões, ações, redes e paixões que agenciam e combinam entes e coisas.

Cada uma das grandes designações do Isso — ser, nada e devir, espaço-tempo, unidade, totalidade e mundo, Deus, natureza, humano e jogo — não é o que é e é o que não é; Isso foi dito e nomeado, chamado e invocado, permanecendo impensado e inédito em termos de enigma, de segredo, de mistério, para tornar-se como uma questão e um problema, sem escapar ao indizível e ao inominável, nem à finitude do ser do mundo e do ser do humano, finitude do tempo na qual se reúnem as finitudes que não são simplesmente particulares, como a finitude do imaginário, da história e de todos os jogos.

Cada uma das dimensões do Isso é englobante e englobada, está implicada em todas as outras e as implica, sendo ao mesmo tempo momento e totalidade, levantando a questão se todos os aspectos revelam alianças e desalianças, relações de fraqueza e potência, se todos os mundos do mundo são insatisfatórios e se todas as formas de jogo estão viciadas, tornando problemática não apenas a ideia de horizonte, mas o próprio Isso como horizonte.

Isso, que acontece quando algo acontece, mesmo que o que acontece pareça nada, permanece na maioria das vezes vago, só podendo permanecer o Inominado embora exija certos nomes, apanhado nas malhas de uma rede cada vez mais mediatizada de mediações, o que torna tudo mais complicado e impossibilita qualquer atitude imediata, evidente e não problemática, não sendo neutro, embora neutralize tudo, animando-o, matando-o, deixando-o retornar, permanecendo sempre em suspenso.

A busca pelo Isso, tema da filosofia primeira ou metafísica ou ontoteologia, permaneceu uma ciência sem nome, uma ciência procurada e inencontrável, tendo sido também vertida no molde oco do mundo, onde estamos sempre numa relação de compreensão meio cheia e meio vazia com o tudo e o nada antes de pensá-los, precedidos por uma tensão em direção a, uma relação com e uma atração por; a metafísica e a antimetafísica apreenderam o ser do mundo como pleno e presente em sua totalidade, mas as intuições, conceitos, categorias e ideias que o expressaram ou o colocaram cautelosamente em questão já não funcionam.

A Metafísica da Presença, Representação e a Diferença Ontológica

O jogo do Isso permite chamá-lo provisoriamente, considerando todos os termos como equivalentes desde que explicados diferencialmente: ser, nada, devir, totalidade, mundo, jogo; a pergunta sobre o que é o ser não comporta uma resposta positiva, pois assim que se fixa o Ser dizendo que é isto ou aquilo, faz-se dele um ente particular, operando como toda a filosofia posteriormente chamada metafísica, embora o ser não se reduza ao infinitivo verbal nem ao verbo tornado substantivo, nem à cópula e ao juízo, nem mesmo a algo que é, ou ao fundamento ou à totalidade de tudo o que é, mas é no devir, implicando o nada e implicado por ele, sendo o devir da totalidade do mundo e o jogo da errância.

O ser foi apreendido desde o início — isto é, com os gregos que o nomearam — no e através do logos ontológico, analógico e metafórico, e identificado com o pensamento, formulando-se a equação fundamental do pensamento ontológico: ser igual a pensamento; contudo, a unidade-e-a-diferença entre o que é e o que é dito e pensado sobre isso permanece perturbadora, resistindo às diversas abordagens.

Para o pensamento metafísico, o ser é presença ou, de modo derivado, ausência, sendo a presença apreendida na metafísica moderna pela consciência presente a si mesma na autoconsciência, na representação que prolonga sua ação para tornar-se representação da representação; como ausente não significa ausente, a representação golpeia a presença, reina sobre ela e mantém conjuntamente o brilho e a obsessão da presença que assim se perpetua, querendo tornar as coisas presentes na sua ausência, sendo a ausência apenas o reverso da presença, o reinado da presença com sinais apenas invertidos.

Para pensar o Isso, o pensamento filosófico-metafísico apelou ao olhar luminoso e iluminado e à audição clara, escotomizando potências opostas e negligenciando o claro-escuro e o ruído silencioso e frequentemente inaudível do sensível, subordinando o mundo à luz e à palavra do Ser; o Ser posto como pensamento tornou-se o foco da theoria, da visão logicamente discursiva ou logicamente intuitiva, tema central da representação e do espetáculo, fazendo da história da ontoteologia uma história do olho, até que este para de olhar sem ver e perde a si mesmo de vista.

Nem a presença nem a ausência são: há apenas o seu jogo combinado e o jogo do qual elas são signos; é no calor do diálogo, jogando um jogo laborioso, como ele mesmo o chama, que o Parmenides de Platão coloca sua primeira hipótese do Uno que é o Ser; habitualmente, não sabendo para onde nos dirigir entre os entes, não buscamos o ser, e excepcionalmente este, o ser do mundo, começa a brilhar em entes intramundanos particulares, de modo que buscando o ser, encontramos apenas centelhas de ser fragmentado.

A metafísica vê e não vê a diferença entre ser e um ente, fazendo do Ser um ente, fixando-o e subordinando-o, e ao mesmo tempo afunda cada ente numa realidade de segunda ordem, subordinando-o ao Ser por excelência; ao ser pertence o que não é mais e o que ainda não é, estando ser e aparecer mortalmente ligados, cada um vivificando e mortalizando o outro, pois o que é, abalado pelo desequilíbrio e pela instabilidade, só pode alcançar a clareira do aparecer num certo equilíbrio que combina estabilidade e fixidez, ordem particular e conclusão provisória.

O princípio da razão suficiente diz que tudo o que é tem sua razão ou fundamento para ser, exceto o próprio Ser, devendo-se acrescentar que entre o dado e o fundado os laços permanecem enigmáticos; o apelo do fundacional permanece extremamente forte, esperando-se sempre um fundamento que abra e atribua aos diversos signos da vida humana e histórica o seu lugar móvel, embora o primeiro e supremo fundamento seja ele mesmo fundante e sem fundamento, sem fundo, havendo autofundamentação e autossupressão do fundamento concomitantemente.

O Espaço-Tempo, o Devir e a Errância

O Isso desdobra-se no espaço-tempo do mundo, onde tudo aparece, desaparece e reaparece, não sendo o mundo que está no espaço, mas o espaço que está no mundo como espaço do mundo onde se situam as várias localizações e os diferentes lugares; o espaço conhece tanto a expansão quanto a contração, sendo um jogo de relações onde o tempo está em jogo, manifestando a extensão e a duração a unidade da bifurcação escancarada de espaço e tempo onde tudo é engolfado.

O devir é devir do ser, da totalidade, do mundo, é o jogo do tempo cuja temporalidade constitui a positividade e negatividade produtivas, o movimento, a historicidade, sendo no e através da história que tudo se manifesta e se institui; o segredo do movimento parece insondável, e o devir é essa errância orientada e global — itinerância determinante e determinada — fundamental, embora sem fundamento, que persegue uma trajetória sem incluir uma resposta à questão do porquê, significando a errância que não se pode atribuir uma verdade ao devir do ser, pois é na e através da própria errância que todas as verdades e erros aparecem e desaparecem.

O tempo não flui, sendo essencialmente ritmo, nem circular e repetitivo, nem retilíneo e progressivo, mas de uma só vez circular e repetitivo, retilíneo e progressivo, contendo o tempo em sua inteireza a totalidade do tempo e dos tempos, o desenvolvimento temporal total; o que foi, é e será, embora o devir e a negatividade motriz, o tempo do mundo e o jogo do tempo nos governem e nos escapem, desdobrando-se o tempo de forma múltipla, fazendo ser e fazendo desaparecer, colocando o problema da sua irreversibilidade e reversibilidade para nós humanos.

O devir onitemporal bem compreendido só pode significar: ser em devir do mundo no e como tempo — não na eternidade —, curso errante da totalidade da não-totalidade, jogo do mundo aberto, mundo multidimensional sem origem apreensível e sem conclusão previsível; o fim como tal não pode ser dominado, e a polifonia das origens mascara a afonia da origem, não havendo palavra última da origem se não for o jogo da sua aparição inaparente.

Todo passado é mítico, o presente torna-se tal, o futuro já o é, havendo apenas conclusões provisórias e a constância dos mitos e ritmos do tempo; incapazes de colocar ou resolver a questão da reversibilidade e irreversibilidade do tempo, os humanos desejam um passado modificável, um presente onipresente e um futuro sinônimo de eternidade, inventando várias histórias, mas é no fogo do jogo que o efêmero e o durável aparecem, são iluminados e consomem-se.

O retorno eterno — isto é, temporal — do mesmo implicando o outro poderia indicar o assumir tudo como se tivesse que retornar; contudo, o retorno temporal do mesmo não retorna o idêntico infinitamente, sendo outra a enigma da repetição e rotação, do ciclo de produtividade e reprodução, produzindo-se o novo dentro do ciclo da repetição que avança; o Mesmo não é idêntico a si mesmo, tem vários terrenos de aplicação e transforma-se ao retornar ao mesmo, devendo-se praticar pacientemente a acentuação do mesmo no outro e do outro no mesmo.

A Totalidade, o Fragmento e a Sistemática

A totalidade não é a soma ou síntese de tudo o que é, não é um conjunto fechado, mas contém todas as totalidades, é e permanece aberta ao tempo, constituindo-se como um jogo do tempo; a totalidade é sempre fragmentária, pois lidamos apenas com seus fragmentos, sendo nós mesmos fragmentos dela, e fragmentamo-la mais para apreendê-la, manifestando-se o todo do ser e a totalidade dos entes na atração, na retração e no segredo do aparecer como nem idênticos nem separáveis.

Tudo é estruturado, orgânico ou organizado, compreendendo regras, conhecendo uma gênese, um devir, uma história, estando num processo, possuindo um sistema, uma lógica, uma estrutura; não há gênese, devir ou história sem estrutura, e não há estrutura, lógica ou sistema sem gênese, havendo um círculo onde o desenvolvimento e o devir fenomenológico levam a uma estrutura lógica e sistemática do conjunto, sendo esse desenvolvimento o devir de um tipo de estrutura inicial e total.

Não há seres puros, nem evento puro, pois tudo o que é tece mais elos com o resto do que destrói, sendo cada fragmento parte de um conjunto e cada conjunto parte de um conjunto maior; a totalidade fragmentária (ontologicamente) e fragmentada (por nossas apreensões), e os fragmentos totalitários e totalizados, são sempre apreendidos de maneira angular, sendo impossível confrontar a face total do mundo.

Tudo tende a tornar-se massa e quantidade, mensurável e medido, contabilizado e computado, calculado, ao mesmo tempo que tudo tende a tornar-se número, figura, signo possuindo sua própria realidade cada vez mais simbólica, mediatizada, formalizada e fugaz, constituindo uma conta total em formação, como pensou Mallarmé sobre o lance de dados que jamais abolirá o acaso, rumo a uma conta total em formação sideralmente.

A necessidade de ordem, normas, formas, regras, leis, medida, hierarquia, é sentida por todos, assim como a necessidade de reversão das hierarquias; a maioria das vezes, sistemas e estruturas tentam não excluir, mas incluir, sendo tudo o que é adjacente ou subjacente atravessado por todos os compossíveis, dos quais uma única formação se tornará efetiva, residindo tudo numa mistura de oposições extremas ou atenuadas.

O Mundo (Mundus), a Mundialização e a Técnica

Isso pode também ser chamado de Mundo, cujo modo de ser é ser Mundo e mundializar-se, embora nunca encontremos o Mundo em si mesmo, permanecendo nós e tudo o que lidamos intramundanos; para os gregos é o desdobramento de logos-physis no cosmos, para os romanos mundus é ornamento e fossa, abismo de luz e garganta de sombra, para os cristãos é a criação no tempo em oposição ao espírito divino, e para os modernos é o tudo do que é, o ser em sua totalidade, existindo para e revelando-se à subjetividade humana.

O mundo refere-se ao humano sem ser dependente dele, e a totalidade do pensamento, da natureza e da história não ocorrem sem ele; Heraclito diz que o tempo do mundo é uma criança que brinca com peões e que uma pilha de lixo espalhada ao acaso parece a mais bela ordem no mundo, enquanto Agostinho declara que o mundo é imundo; o conceito de mundo é intramundano, apenas o mundo como horizonte não o é, sendo-o sempre e novamente.

O mundo, que sempre se mundializa, torna-se agora mundial, é mondado e podado, como devir-pensamento do mundo e devir-mundo do pensamento; o que se mundializa inclui o platonismo-aristotelismo, o judaico-cristianismo, o cartesianismo, o hegeliano-marxismo, juntamente com o processo surgente e dominante da técnica que Marx começou a prever, realizando-se de modo tecno-científico e tecno-burocrático, governando ciberneticamente a lógica, a logística, a metafísica, a física e a matemática.

O mundo técnico e o humano como sujeito e objeto da técnica encontram-se lançados no curso planetário — a errância — onde múltiplas maquinações se consolidam e desintegram; o pensamento planetário tenta pensar Isso em sua itinerância, ou seja, o jogo do mundo, onde mundo e humano, parceiros e adversários, juízes e partes, devolvem a bola um ao outro no curso do mesmo jogo, sendo o que não são e não sendo o que são.

A obsessão ocidental, tornando-se atualmente mundial, a busca indefinida pela felicidade e pelo bem-estar organizado, está em pleno andamento, sucumbindo à atração e ao medo do vazio; o pensamento que tenta pensar o jogo jogado permanece inaudito, parecendo em contradição com tudo, devendo confrontar concretamente e meditativamente o mundo como problema e os problemas do mundo, apreendendo as diferenças e oposições que se excluem mergulhando-as numa indiferença neutralizante, numa unidade englobante que não desconhece a complementaridade dos irreconciliáveis.

Lógica, Ciência e a Classificação do Saber

A filosofia primeira, metafísica ou ontoteologia, deixa desdobrar-se através dela um esquema onde, desde a origem, há a arche, o poder e princípio dominante: o logos ou o espírito ou a ideia ou deus, que atravessa a natureza, a criação ou a matéria-energia, para terminar no humano que, através da sua história, os elabora, reconhece e expressa; o ciclo fecha-se, sendo possível operar partindo do logos, de deus, da natureza ou do humano para chegar ao mesmo resultado.

Logicamente e ontologicamente, a cada princípio ou modo de ser corresponde uma apreensão ou modo de saber: ao Logos-deus ou Deus-logos correspondem a lógica como saber especulativo e a matemática; à natureza cósmica correspondem as ciências naturais, física matemática, astronomia, geologia, química e biologia; ao humano e sua história correspondem a antropologia polimórfica, a psicologia, a sociologia e as ciências humanas, que abordam magia, mitos, religião, política, arte, filosofia, ciência e técnica.

Isso é consequentemente assumido de forma unitária, dual e trinitária, e o logos um tanto misterioso do começo relampeja no fim como logos humano; a filosofia, a ciência e a técnica querem expressar e moldar tematicamente o logos, a natureza e a história, sendo que a técnica também se apodera de tudo o que compõe o Mundo através de técnicas lógicas, logísticas, linguísticas, matemáticas, físicas, psicológicas, históricas e sociais.

A filosofia, que era no seu devir histórico-sistemático o sistema ontoteocosmoantropohistoricológico, deixa-se substituir pela atividade tecno-científica, devendo abrir campo ao pensamento que experimenta, fala e pensa Isso como jogo, estruturante e estruturado; a forte tentação de uma interpretação global do mundo, comportando interpretações específicas de seus diversos modos de ser, levaria a um mapa que, embora não seja o território, ofereceria uma configuração não figurativa, séria e decisiva do jogo do mundo.

Tudo pode ser reduzido a um dos grandes focos ou forças elementares do mundo, do qual tudo flui e com cuja ajuda tudo pode ser explorado; o esquema lógico-ontológico global — pensamento, natureza, história — corresponde, desde a Academia platônica, à tripartição da filosofia em lógica, física e ética; alternada e conjuntamente o mundo foi dito como logos, como deus, como natureza, como humanidade histórica, sendo todas as combinações possíveis: logos-deus, deus-logos, logos-natureza, natureza-logos, logos-humano, humano-logos, e assim por diante.

A verdade é o jogo de desvelamento e velamento de tudo o que é (aleteia), e é também, como veritas, a adequação entre o intelecto e a coisa; contudo, declarando tudo verdadeiro ou tudo não-verdadeiro, a verdade torna-se problemática, restando ver na verdade e nas verdades as figuras de proa da errância, triunfais constelações do errar; uma compreensão ativa do conjunto das verdades coordenadas no jogo da errância poderia levar a um saber absoluto que não é total, mas aberto às perspectivas de saberes e ações parciais, pertencendo ao círculo aberto do jogo do mundo, que contém todos os esquemas e toda a jornada do pensamento histórico-mundial.