O título que dei a esta série de palestras, A vida do espírito, soa pretensioso; e falar sobre “O Pensar” parece-me tão presunçoso que sinto que devo começar não com uma apologia, mas com uma justificativa. ArendtVE I O Pensar Introdução
Foi essa ausência de pensamento — uma experiência tão comum em nossa vida cotidiana, em que dificilmente temos tempo e muito menos desejo de parar e pensar — que despertou meu interesse. ArendtVE I O Pensar Introdução
Mas, além disso, também essas questões morais que têm origem na experiência real e se chocam com a sabedoria de todas as épocas — não só com as várias respostas tradicionais que a “ética”, um ramo da filosofia, ofereceu para o problema do mal, mas também com as respostas muito mais amplas que a filosofia tem, prontas, para a questão menos urgente “O que é o pensar?” — renovaram em mim certas dúvidas. ArendtVE I O Pensar Introdução
Supondo que Catão esteja certo, as questões que se apresentam são óbvias: o que estamos “fazendo” quando nada fazemos a não ser pensar? Onde estamos quando, sempre rodeados por outros homens, não estamos com ninguém, mas apenas em nossa própria companhia? É evidente que propor tais questões apresenta certas dificuldades. ArendtVE I O Pensar Introdução
Em nosso contexto, talvez seja melhor mesmo deixar o tema, que na verdade é de competência política, fora de nossas considerações, e insistir, pelo contrário, no simples fato de que, por mais seriamente que nossos modos de pensar estejam envolvidos nessa crise, nossa habilidade para pensar não está em questão; somos o que os homens sempre foram — seres pensantes. ArendtVE I O Pensar Introdução
Com isso quero dizer apenas que os homens têm uma inclinação, talvez uma necessidade, de pensar para além dos limites do conhecimento, de fazer dessa habilidade algo mais do que um instrumento para conhecer e agir. ArendtVE I O Pensar Introdução
Se, como sugeri antes, a habilidade de distinguir o certo do errado estiver relacionada com a habilidade de pensar, então deveríamos “exigir” de toda pessoa sã o exercício do pensamento, não importando quão erudita ou ignorante, inteligente ou estúpida essa pessoa seja. ArendtVE I O Pensar Introdução
Kant traçou essa distinção entre as duas faculdades espirituais após haver descoberto o “escândalo da razão”, ou seja, o fato de que nosso espírito não é capaz de um conhecimento certo e verificável em relação a assuntos e questões sobre os quais, no entanto, ele mesmo não se pode impedir de pensar. ArendtVE I O Pensar Introdução
Mas independentemente do interesse existencial que os homens tomaram por essas questões, e embora Kant ainda acreditasse que “nunca houve uma alma honesta que tenha suportado pensar que tudo termina com a morte”, ele também estava bastante consciente de que a “necessidade urgente” da razão não só é diferente, mas é “mais do que a mera busca e o desejo de conhecimento”. ArendtVE I O Pensar Introdução
Assim, a distinção entre as duas faculdades, razão e intelecto, coincide com a distinção entre duas atividades espirituais completamente diferentes: pensar e conhecer; e dois interesses inteiramente distintos: o significado, no primeiro caso, e a cognição, no segundo. ArendtVE I O Pensar Introdução
Embora houvesse insistido nessa distinção, Kant estava ainda tão fortemente tolhido pelo enorme peso da tradição metafísica que não pôde afastar-se de seu tema tradicional, ou seja, daqueles tópicos que se podiam provar incognoscíveis; e embora justificasse a necessidade de a razão pensar além dos limites do que pode ser conhecido, permaneceu inconsciente ao fato de a necessidade humana de reflexão acompanhar quase tudo o que acontece ao homem, tanto as coisas que conhece como as que nunca poderá conhecer. ArendtVE I O Pensar Introdução
Por tê-la justificado unicamente em termos dessas questões últimas, Kant não se deu conta inteiramente da medida em que havia liberado a razão, a habilidade de pensar. ArendtVE I O Pensar Introdução
As tentações para resolver a equação — que se reduzem à recusa de aceitar e pensar por meio da distinção que Kant faz entre razão e intelecto, entre a “necessidade urgente” de pensar e o “desejo de conhecer” — são muito fortes e não podem de modo algum ser unicamente tributadas ao peso da tradição. ArendtVE I O Pensar Introdução
Kant identifica explicitamente o fenômeno que forneceu a base real para sua crença numa “coisa-em-si” por sob as “meras” aparências: o fato de que, “na consciência que tenho de mim na pura atividade do pensar , sou a própria coisa , sem que, por isso, nada de mim seja dado ao pensamento”. ArendtVE I O Pensar 6
Se reflito sobre a relação que estabeleço de mim para comigo na atividade de pensar, pode parecer que meus pensamentos seriam “meras representações” ou manifestações de um ego que se mantém, ele próprio, para sempre oculto, pois naturalmente os pensamentos nunca se parecem com propriedades atribuíveis a um eu ou a uma pessoa. ArendtVE I O Pensar 6
O sentido interno, que nos poderia propiciar a apreensão da atividade de pensar em alguma forma de intuição interior, não tem em que se prender, segundo Kant, porque suas manifestações são inteiramente diferentes das “manifestações com que se confronta o sentido externo, algo imóvel e permanente, ao passo que o tempo, a única forma de intuição interna, nada tem de permanente”. ArendtVE I O Pensar 6
Assim, em nosso contexto, a única questão relevante é se tais semblâncias são autênticas ou não autênticas, se são causadas por crenças dogmáticas e pressupostos arbitrários, simples miragens que desaparecem diante de uma inspeção mais cuidadosa, ou se são inerentes à condição paradoxal de um ser vivo que, ainda que parta do mundo das aparências, tem uma faculdade — a habilidade de pensar, que permite ao espírito retirar-se do mundo, sem jamais poder deixá-lo ou transcendê-lo. ArendtVE I O Pensar 6
E o problema desse ser fictício é que ele nem é o produto de um cérebro doentio, nem um desses “erros do passado” facilmente solucionáveis, mas a semblância inteiramente autêntica da própria atividade de pensar. ArendtVE I O Pensar 7
É tentador equiparar esse “sentido interno”, que não pode ser fisicamente localizado, com a faculdade do pensar; porque entre as principais características do pensamento, que se dá em um mundo de aparências e é realizado por um ser que aparece, está a de que ele próprio é invisível. ArendtVE I O Pensar 7
Partindo do fato de que essa invisibilidade é compartilhada pela faculdade de pensar e pelo senso comum, Peirce conclui que “a realidade tem uma relação com o pensamento humano”, ignorando que o pensamento não só é ele próprio invisível, mas também lida com invisíveis, com coisas que não estão presentes aos sentidos, embora possam ser — e frequentemente são — também objetos sensíveis, relembrados e reunidos no depósito da memória e, assim, preparados para reflexão posterior. ArendtVE I O Pensar 7
E se a linguagem, além de seu tesouro de palavras destinadas às coisas dadas aos sentidos, não nos oferecesse essas palavras-pensamento, tecnicamente chamadas “conceitos”, como justiça, verdade, coragem, divindade, e assim por diante — palavras indispensáveis mesmo na linguagem comum —, nós certamente perderíamos toda evidência tangível da atividade de pensar e poderíamos encontrar justificativa para concordar com o jovem Wittgenstein: “Die Sprache ist ein Teil unseres Organismus” (“A linguagem é uma parte de nosso organismo”). ArendtVE I O Pensar 7
Foi o pensamento — a reflexão de Descartes acerca do significado de certas descobertas científicas — que destruiu sua confiança de senso comum na realidade; seu erro foi esperar que pudesse superar a dúvida insistindo em retirar-se completamente do mundo, ao eliminar cada realidade mundana de seus pensamentos e concentrando-se exclusivamente na própria atividade do pensar (Cogito cogitationes ou cogito me cogitare, ergo sum é a forma correta da famosa fórmula). ArendtVE I O Pensar 7
A cognição e a sede de conhecimento nunca abandonam completamente o mundo das aparências; se o cientista se retira dele para “pensar”, é apenas com o intuito de encontrar abordagens do mundo melhores e mais promissoras, que se chamam métodos. ArendtVE I O Pensar 8
Visto da perspectiva do mundo “real”, o laboratório é a antecipação de um ambiente alterado, e os processos cognitivos que usam as habilidades humanas de pensar e fabricar como meios para seus fins são os modos mais refinados do raciocínio do senso comum. ArendtVE I O Pensar 8
Entretanto, a faculdade de pensar — que Kant, como vimos, chamou Vernunft (razão), para distinguir de Verstand (intelecto), a faculdade de cognição — é de uma natureza inteiramente diversa. ArendtVE I O Pensar 8
Esperar que a verdade derive do pensamento significa confundir a necessidade de pensar com o impulso de conhecer. ArendtVE I O Pensar 8
A atividade do pensamento, ao contrário, não deixa nada de tangível em seu rastro, e, portanto, a necessidade de pensar não pode nunca ser exaurida pelos insights dos “homens sábios”. ArendtVE I O Pensar 8
Consequentemente, a razão persegue fins específicos e possui intenções específicas quando se serve de suas ideias; é a necessidade da razão humana e seu interesse por Deus, pela liberdade e pela imortalidade que fazem os homens pensar. ArendtVE I O Pensar 8
Pensar, querer e julgar são as três atividades espirituais básicas. ArendtVE I O Pensar 9
Para a pergunta “O que nos faz pensar?” não há, em última instância, outra resposta senão a que Kant chamava de “a necessidade da razão”, o impulso interno dessa faculdade para se realizar na especulação. ArendtVE I O Pensar 9
Pois a “tranquilidade desapaixonada” da alma não é, propriamente falando, uma condição; a mera tranquilidade não apenas jamais produz a atividade espiritual, a premência de pensar, como também a “necessidade da razão”, na maior parte das vezes, silencia as paixões, e não o contrário. ArendtVE I O Pensar 9
É certo que os objetos do meu pensar, querer ou julgar, aquilo de que o espírito se ocupa, são dados pelo mundo ou surgem da minha vida neste mundo; mas eles como atividades não são nem condicionados nem necessitados quer pelo mundo, quer pela minha vida no mundo. ArendtVE I O Pensar 9
Os homens podem julgar afirmativa ou negativamente as realidades em que nascem e pelas quais são também condicionados; podem querer o impossível, como, por exemplo, a vida eterna; e podem pensar, isto é, especular de maneira significativa sobre o desconhecido e o incognoscível. ArendtVE I O Pensar 9
E embora isso jamais possa alterar diretamente a realidade — como de fato não há, em nosso mundo, oposição mais clara e mais radical do que a oposição entre pensar e fazer —, os princípios pelos quais agimos e os critérios pelos quais julgamos e conduzimos nossas vidas dependem, em última instância, da vida do espírito. ArendtVE I O Pensar 9
Nenhum ato do espírito — muito menos o ato de pensar — contenta-se com o seu objeto tal como lhe é dado. ArendtVE I O Pensar 9
As atividades espirituais e, como veremos mais adiante, especialmente o pensar — o diálogo sem som de mim comigo mesmo — podem ser entendidas como a efetivação da dualidade originária ou da cisão entre mim e meu eu, intrínseca a toda consciência. ArendtVE I O Pensar 9
Se o poder da representação e o esforço para dirigir a atenção do espírito para o que escapa da atenção da percepção sensível não se antecipassem e preparassem o espírito para refletir, assim como para querer e para julgar, seria impossível pensar como exerceríamos o querer e o julgar, isto é, como poderíamos lidar com coisas que ainda não são, ou que já não são mais. ArendtVE I O Pensar 9
Em outras palavras, aquilo que geralmente chamamos de “pensar”, embora incapaz de mover a vontade ou de prover o juízo com regras gerais, deve preparar os particulares dados aos sentidos, de tal modo que o espírito seja capaz de lidar com eles na sua ausência; em suma, ele deve de-sensorializá-los. ArendtVE I O Pensar 9
Para pensarmos em alguém, este alguém deve ser afastado da nossa presença; enquanto estivermos com ele, não pensaremos nele ou sobre ele; o pensamento sempre implica lembrança; todo pensar é, estritamente falando, um re-pensar. ArendtVE I O Pensar 9
É claro que acontece de começarmos a pensar em alguém ou em algo ainda presente; nesse caso, teremos nos retirado secretamente do ambiente que nos cerca, passando a nos portar como se já estivéssemos ausentes. ArendtVE I O Pensar 9
Essas observações podem indicar por que o pensar, a busca de significado — oposta à sede de conhecimento, e mesmo ao conhecimento pelo conhecimento — foi tão frequentemente considerada antinatural, como se os homens, sempre que refletissem sem propósito específico, ultrapassando a curiosidade natural despertada pelas múltiplas maravilhas do simples estar-aí do mundo e pela sua própria existência, estivessem engajados em uma atividade contrária à condição humana. ArendtVE I O Pensar 9
O pensar enquanto tal, e não apenas como o levantamento das “questões últimas” irrespondíveis, mas toda reflexão que não serve ao conhecimento e que não é guiada por necessidades e objetivos práticos, está, como observou Heidegger, “fora de ordem”. ArendtVE I O Pensar 9
Todo pensar exige um pare-e-pense. ArendtVE I O Pensar 9
E uma vez que qualquer coisa que impeça o pensar pertença ao mundo das aparências e às experiências do senso comum que partilho com meus semelhantes e que automaticamente asseguram o sentido de realidade que tenho do meu próprio ser, é como se de fato o pensar me paralisasse, do mesmo modo que o excesso de consciência pode paralisar o automatismo de minhas funções corporais, “l’accomplissement d’un acte qui doit être réflexe ou ne peut être”, como sentenciou Valéry. ArendtVE I O Pensar 9
Identificando o estado de consciência com o estado de pensar, ele acrescenta: “on en pourrait tirer toute une philosophie que je résumerais ainsi: tantôt je pense et tantôt je suis” (“ora penso e ora sou”). ArendtVE I O Pensar 9
Essa observação extraordinária, totalmente baseada em experiências igualmente extraordinárias — a saber, que a mera consciência de nossos órgãos corporais é suficiente para impedir o funcionamento adequado desses órgãos —, insiste em um antagonismo entre ser e pensar que podemos fazer remontar à famosa frase de Platão: que somente o corpo do filósofo — isto é, o que o faz aparecer entre as outras aparências — ainda habita a cidade dos homens, como se, pensando, os homens se retirassem do mundo dos vivos. ArendtVE I O Pensar 9
O próprio fato de sempre ter havido homens — ao menos desde Parmênides — que escolheram deliberadamente esse modo de vida sem ser candidatos ao suicídio mostra que esse sentido de afinidade com a morte não vem da atividade de pensar e das experiências do próprio ego pensante. ArendtVE I O Pensar 10
É muito mais o próprio senso comum do filósofo — o fato de ser ele “um homem como você e eu” — que o torna consciente de estar “fora de ordem” quando se empenha em pensar. ArendtVE I O Pensar 10
Ele não está imune à opinião comum, pois, afinal, compartilha a “qualidade do ser comum” a todos os homens; e é seu próprio senso de realidade que o faz suspeitar da atividade de pensar. ArendtVE I O Pensar 10
Toda a história da filosofia — que nos diz tanto sobre os objetos do pensamento e tão pouco sobre o processo do pensar e sobre as experiências do ego pensante — encontra-se atravessada por uma luta interna entre o senso comum, esse sexto sentido que “irá adequar nossos cinco sentidos a um mundo comum, e a faculdade humana do pensamento e a necessidade da razão, que obrigam o homem a afastar-se, por períodos consideráveis, deste mundo”. ArendtVE I O Pensar 10
Foi essa experiência que fez Platão atribuir imortalidade à alma quando ela se separa do corpo; e foi isso também que fez Descartes concluir que “a alma pode pensar sem o corpo, com a ressalva de que, enquanto ela estiver ligada ao corpo, pode ser importunada, em suas operações, pela má disposição dos órgãos corporais”. ArendtVE I O Pensar 10
Repetindo, todo pensar é um re-pensar. ArendtVE I O Pensar 10
Somente nessa forma imaterial é que nossa faculdade de pensar pode começar a ocupar-se com esses dados. ArendtVE I O Pensar 10
Pois a necessidade de pensar jamais pode ser satisfeita por insights supostamente precisos de “homens sábios”. ArendtVE I O Pensar 10
Consideramos as principais características da atividade de pensar. ArendtVE I O Pensar 10
Dessa maneira, ele estava convencido de que “pensar é agir” — exatamente o que essa ocupação eminentemente solitária nunca pode fazer, já que só podemos agir “em conjunto”, em companhia de e em concordância com nossos pares e, portanto, em uma situação existencial que efetivamente impede o pensamento. ArendtVE I O Pensar 10
Essa distinção entre pensar e julgar só veio a merecer destaque com a filosofia política de Kant — o que não é de estranhar, já que Kant foi o primeiro e permaneceu sendo o último dos grandes filósofos a lidar com o juízo como uma das atividades espirituais básicas. ArendtVE I O Pensar 11
Mas enquanto o aparecer pressupõe e exige, em si, a presença de espectadores, o pensar, em sua necessidade de discurso, não exige nem pressupõe ouvintes: a linguagem humana, com uma intrincada complexidade gramatical e sintática, não seria necessária na comunicação entre semelhantes. ArendtVE I O Pensar 12
De qualquer forma, uma vez que palavras — portadoras de significados — e pensamentos assemelham-se, seres pensantes têm o ímpeto de falar, seres falantes têm o ímpeto de pensar. ArendtVE I O Pensar 12
Como o pensar, embora sempre proceda por palavras, não necessita de ouvintes, Hegel pôde, de acordo com o testemunho da maioria dos filósofos, dizer que “a filosofia é algo solitário”. ArendtVE I O Pensar 12
E esse pensar com imagens permanece sempre “concreto” e não pode ser discursivo, passando por uma sequência ordenada de pensamento, nem pode dar conta de si mesmo (logon didonai); a resposta para a questão socrática típica, “O que é amizade?”, está visivelmente presente e evidente no emblema das duas mãos unidas; e “o emblema libera toda uma cadeia de representações pictóricas por meio de associações possíveis pelas quais as imagens são reunidas”. ArendtVE I O Pensar 12
A metáfora realiza a “transferência” — metapherein — de uma genuína e aparentemente impossível metabasis eis allo genos, a transição de um estado existencial, aquele do pensar, para outro, aquele do ser uma aparência entre aparências; e isso só pode ser feito através de analogias. ArendtVE I O Pensar 12
Pode-se pensar à vontade acerca da dor e do medo sem que se chegue a descobrir qualquer coisa sobre os ventos e o mar; a comparação tem a intenção clara de contar o que o medo e a dor podem fazer ao coração humano, isto é, tem a intenção de iluminar uma experiência que não aparece. ArendtVE I O Pensar 12
Tentando agora examinar mais de perto as várias formas de que a linguagem dispõe para estabelecer uma ponte sobre o abismo entre o domínio do invisível e o mundo das aparências, podemos oferecer, provisoriamente, a seguinte descrição geral: da sugestiva definição aristotélica da linguagem como “emissão sonora e significativa” de palavras que já em si são “sons com significado” que “se assemelham a pensamentos”, pode-se concluir que pensar é a atividade do espírito que dá realidade àqueles produtos do espírito inerentes ao discurso e para os quais a linguagem, sem qualquer esforço especial, já encontrou uma morada adequada, ainda que provisória, no mundo audível. ArendtVE I O Pensar 12
Se falar e pensar nascem da mesma fonte, então o próprio dom da linguagem poderia ser tomado como uma espécie de prova, ou talvez mais como um sinal de que o homem é naturalmente dotado de um instrumento capaz de transformar o invisível em uma “aparência”. ArendtVE I O Pensar 12
A linguagem, prestando-se ao uso metafórico, torna-nos capazes de pensar, isto é, de ter trânsito em assuntos não sensíveis, pois permite uma transferência, metapherein, de nossas experiências sensíveis. ArendtVE I O Pensar 12
E uma vez que, na busca dessas questões, os filósofos inevitavelmente descobriram um grande número de coisas de fato cognoscíveis, a saber, todas as leis e axiomas do pensar correto e as várias teorias do conhecimento, eles próprios bem cedo acabaram por embaçar a distinção entre pensar e conhecer. ArendtVE I O Pensar 13
Se ele “estivesse com alguém, teria de fato falado aquilo que disse a si mesmo, teria se dirigido a seu companheiro, teria pronunciado de forma audível os mesmos pensamentos enquanto, sozinho, continua a pensar o mesmo consigo próprio”. ArendtVE I O Pensar 13
A verdade aqui é a evidência vista; e falar, bem como pensar, será autêntico se acompanhado pela evidência vista, apropriando-se dela e da verdade, traduzindo-a em palavras; no momento em que essa fala se afasta da evidência vista — como, por exemplo, quando se repetem as opiniões ou os pensamentos de outras pessoas, ela ganha a mesma inautenticidade que era, para Platão, característica da imagem quando comparada ao original. ArendtVE I O Pensar 13
Se o pensar fosse um empreendimento cognitivo, ele teria que seguir um movimento retilíneo que partisse da busca de seu objeto e terminasse com sua cognição. ArendtVE I O Pensar 13
A simples experiência do ego pensante mostrou-se impressionante a ponto de a noção de movimento circular ser repetida por outros pensadores, ainda que ela estivesse em flagrante contradição com suas hipóteses tradicionais de que a verdade é o resultado do pensar, de que existe algo como a “cognição especulativa” de Hegel. ArendtVE I O Pensar 13
Encontramos a mesma noção no final de “O que é a Metafísica?” de Heidegger, onde ele define a “questão básica da metafísica” como: “Por que existe algo, e não o nada?” — de certo modo, a primeira questão do pensar, mas, ao mesmo tempo, o pensamento no qual ela “sempre volta a mergulhar”. ArendtVE I O Pensar 13
Ainda assim, tais metáforas, embora correspondam ao modo especulativo e não-cognitivo de pensar e permaneçam leais às experiências do ego pensante, uma vez que não se relacionam com qualquer capacidade cognitiva, permanecem singularmente vazias; e o próprio Aristóteles não as utilizou em lugar algum — a não ser quando afirma que estar vivo é energein, isto é, estar ativo para o seu próprio bem. ArendtVE I O Pensar 13
Ele pergunta: “Para que o homem pensa? Será que pensa porque descobriu que pensar funciona? — Por que pensa que é vantajoso pensar?” Isso seria perguntar: “Será que ele cria seus filhos porque descobriu que isso funciona?” Ainda assim, temos que admitir que “às vezes pensamos porque descobrimos que funciona”, indicando que esse é o caso somente às vezes. ArendtVE I O Pensar 13
É em um esforço deliberado para suprimir a questão “Por que pensamos?” que eu tratarei da questão “O que nos faz pensar?”. ArendtVE I O Pensar 13
Nossa questão — “O que nos faz pensar?” — não procura nem causas nem objetivos. ArendtVE I O Pensar 14
Sem questionar a necessidade humana de pensar, ela parte da suposição de que a atividade de pensar está incluída entre as energeiai, aqueles atos que (como o de tocar flauta) têm o seu fim em si mesmos e não deixam nenhum produto, externo e tangível, no mundo que habitamos. ArendtVE I O Pensar 14
3] , ele já está dizendo implicitamente o que Platão e Aristóteles, depois dele, disseram explicitamente: existe algo no homem que corresponde exatamente ao divino, porque o capacita para viver, por assim dizer, na vizinhança do divino. ArendtVE I O Pensar 14
É esse caráter divino que faz com que Pensar e Ser sejam a mesma coisa. ArendtVE I O Pensar 14
O que se perdeu não foi apenas o privilégio que o espectador tinha de julgar (como encontramos em Kant), nem o contraste fundamental entre pensar e fazer, mas a percepção ainda mais fundamental de que tudo aquilo que aparece está lá para ser visto, a percepção de que o conceito mesmo de aparência exige um espectador, o que tornava a visão e a contemplação atividades de estatuto o mais elevado. ArendtVE I O Pensar 14
Existe na filosofia grega, contudo, uma resposta à questão sobre “O que nos faz pensar” que nada tem a ver com esses pressupostos pré-filosóficos, tão importantes para a história da metafísica e que provavelmente já há muito tempo perderam a relevância. ArendtVE I O Pensar 15
Em suma, o espanto levou a pensar em palavras, a experiência do espanto diante do invisível manifesto nas aparências foi apropriada pela fala, que, ao mesmo tempo, é forte o suficiente para dissipar os erros e as ilusões a que nossos órgãos para o visível — olhos e ouvidos — estão sujeitos quando o pensamento não vem em seu socorro. ArendtVE I O Pensar 15
E embora possa ter dito que as antinomias da razão fizeram-no pensar, despertando-o do sono dogmático da razão, ele não diz em lugar nenhum que a experiência desse abismo — o outro lado do espanto platônico — produziu o mesmo efeito. ArendtVE I O Pensar 15
Assim, a noção de que pensar significa dizer “sim” e confirmar a factualidade da simples existência encontra-se em muitas variantes através da história da filosofia na Idade Moderna. ArendtVE I O Pensar 15
Ela aparece nos escritos pré-críticos de Kant, quando ele diz ao metafísico que ele deveria em primeiro lugar perguntar: “É possível que o nada exista?” O que então o levaria à conclusão de que “se absolutamente nenhuma existência fosse dada, tampouco haveria sobre o que pensar”, um pensamento que, por sua vez, leva-o a um “conceito de um ser absolutamente necessário” — uma conclusão que Kant dificilmente teria endossado no período crítico. ArendtVE I O Pensar 15
Aqui a necessidade de confirmação não surge da admiração grega pela beleza e pela harmonia invisível que reúne a diversidade infinita de coisas particulares, mas do simples fato de que ninguém pode pensar o Ser sem ao mesmo tempo pensar o nada, ou pensar no significado sem pensar na futilidade, na vaidade e na ausência de significado. ArendtVE I O Pensar 15
A saída para essa perplexidade parece estar indicada no velho argumento de que, sem uma confirmação original do Ser, não haveria nada sobre o que pensar, nem ninguém que pensasse. ArendtVE I O Pensar 15
Em outras palavras, a própria atividade de pensar, não importa que tipo ela tenha, já pressupõe a existência. ArendtVE I O Pensar 15
Uma solução existencial e metalógica da perplexidade pode ser encontrada em Heidegger, que, como vimos, exibiu algo semelhante ao espanto platônico quando reiterou a pergunta: por que, afinal, há alguma coisa, e não antes o nada? Segundo Heidegger, pensar (think) e agradecer (thank) são essencialmente a mesma coisa; até os nomes são derivados da mesma raiz etimológica. ArendtVE I O Pensar 15
Então você não desprezará nenhuma dessas coisas; mas hoje sua juventude ainda o faz considerar o que o mundo vai pensar”. ArendtVE I O Pensar 15
A faculdade de pensar é, para ele, em si estéril (akarpa). ArendtVE I O Pensar 16
Pensar e compreender são uma mera preparação para a ação: “admirar o mero poder da exposição” — o logos, o argumento racional e o próprio curso do pensamento — pode acabar por fazer do homem “um gramático, em vez de um filósofo”. ArendtVE I O Pensar 16
Isso irá nos interessar quando lidarmos com o fenômeno da vontade, uma faculdade espiritual totalmente distinta, cuja característica principal, comparada com a habilidade de pensar, é que não fala na voz reflexiva nem usa de argumentos, mas apenas de imperativos, mesmo quando não comanda nada além do pensamento, ou melhor, da imaginação. ArendtVE I O Pensar 16
Os homens que ensinavam esse modo de pensar eram altamente estimados nos círculos literários romanos. ArendtVE I O Pensar 16
Aqui, pensar significa seguir uma sequência de raciocínio que eleva aquele que pensa a um ponto de vista exterior ao mundo das aparências e à sua própria vida. ArendtVE I O Pensar 16
Tudo em que você acredita impensadamente desaparece assim que você começa a pensar — isso é o que a Filosofia, a deusa da consolação, diz a ele. ArendtVE I O Pensar 16
Pensar assim significa agir sobre si mesmo — a única ação que resta em um mundo onde todo agir tornou-se fútil. ArendtVE I O Pensar 16
O que mais impressiona nesse modo de pensar da Antiguidade tardia é que ele é centrado exclusivamente no eu. ArendtVE I O Pensar 16
E acrescentou: “De qualquer modo, o sentimento de infortúnio pode ser distraído pelo labor do pensamento”, e ao menos indica o que de fato ocorre, isto é, o temor pelo corpo desaparece enquanto dura o “labor do pensamento”, não porque os conteúdos do pensamento possam vencer o medo, mas porque a atividade de pensar torna-nos inconscientes do corpo, e pode até superar as sensações de pequenos desconfortos. ArendtVE I O Pensar 16
Não é maravilhoso que os homens possam executar atos corajosos ou justos mesmo que não conheçam e não possam explicar o que são coragem e justiça? À pergunta “o que nos faz pensar?”, apresentei respostas historicamente representativas, oferecidas por filósofos profissionais (exceto por Sólon). ArendtVE I O Pensar 17
E nossa questão (“o que nos faz pensar?”) de fato pergunta pela maneira como podemos trazê-lo à luz do dia, como provocá-lo, por assim dizer, a manifestar-se. ArendtVE I O Pensar 17
O melhor, e na verdade o único modo que me ocorre para dar conta da pergunta, é procurar um modelo, um exemplo de pensador não profissional que unifique em sua pessoa duas paixões aparentemente contraditórias, a de pensar e a de agir. ArendtVE I O Pensar 17
Caso ele possa representar para nós a real atividade de pensar, então não terá deixado atrás de si nenhum corpo doutrinário. ArendtVE I O Pensar 17
Não se terá dado ao trabalho de escrever seus pensamentos, mesmo que deles restasse algum resíduo tangível, pronto para ser registrado depois que ele tivesse acabado de pensar. ArendtVE I O Pensar 17
Talvez não soubéssemos nada sobre ele, nem mesmo através de Platão, se ele não tivesse decidido dar a vida não por um credo ou uma doutrina específica — ele não tinha nenhum dos dois —, mas simplesmente pelo direito de examinar as opiniões alheias, pensar sobre elas e pedir a seus interlocutores que fizessem o mesmo. ArendtVE I O Pensar 17
A palavra casa é como um pensamento congelado que o ato de pensar tem que degelar sempre que pretende encontrar o seu significado original. ArendtVE I O Pensar 17
E parece que ele realmente achava que falar e pensar sobre a piedade, a justiça, a coragem e coisas do gênero poderiam tornar os homens mais pios, justos e corajosos, embora nem definições nem “valores” lhes fossem dados para que pudessem orientar sua conduta futura. ArendtVE I O Pensar 17
De fato, ele fazia o que Platão disse sobre os sofistas no Sofista, certamente pensando em Sócrates: ele purgava as pessoas de suas “opiniões”, isto é, daqueles preconceitos não examinados que os impediriam de pensar — ajudando-os, como disse Platão, a livrar-se do que neles há de mau, as opiniões, sem no entanto torná-los bons, mostrando-lhes a verdade. ArendtVE I O Pensar 17
Não obstante, sustenta que o aparecimento da atividade de pensar e investigar em Atenas representa em si mesma o maior bem algum dia concedido à cidade. ArendtVE I O Pensar 17
Sócrates mesmo, consciente de que estava lidando com invisíveis em sua investigação, usou uma metáfora para explicar a atividade de pensar — a metáfora do vento: “Os ventos são eles mesmos invisíveis, mas o que eles fazem mostra-se a nós e, de certa maneira, sentimos quando eles se aproximam”. ArendtVE I O Pensar 17
Assim, a paralisia induzida pelo pensamento é dupla: ela é inerente ao parar para pensar, à interrupção de todas as atividades — psicologicamente, podemos definir um “problema” como uma “situação que, por alguma razão, retém, em grande medida, um organismo em seus esforços para atingir um objetivo” —, e pode ter também um efeito atordoante, depois que a deixamos, nos sentindo inseguros sobre o que parecia acima de qualquer dúvida enquanto estávamos impensadamente engajados em fazer alguma coisa. ArendtVE I O Pensar 17
Não satisfeitos em terem aprendido como pensar sem ter uma doutrina, transformaram os não-resultados da investigação socrática sobre o pensamento em um resultado negativo: se não podemos definir o que é a piedade, sejamos ímpios — o que é quase o contrário do que Sócrates esperava atingir quando falava de piedade. ArendtVE I O Pensar 17
O que nós geralmente chamamos de “niilismo” — que somos tentados a datar historicamente, deplorar politicamente e atribuir a pensadores que, segundo se diz, tiveram “pensamentos perigosos” — é um risco inerente à própria atividade de pensar. ArendtVE I O Pensar 17
Ao contrário, ele surge do desejo de encontrar resultados que dispensariam o pensar. ArendtVE I O Pensar 17
Na prática, pensar significa que temos de tomar novas decisões cada vez que somos confrontados com alguma dificuldade. ArendtVE I O Pensar 17
Ou, em outras palavras: pensar e estar completamente vivo são a mesma coisa, e isso implica que o pensamento tem sempre que começar de novo; é uma atividade que acompanha a vida e tem a ver com os conceitos como justiça, felicidade e virtude, que nos são oferecidos pela própria linguagem, expressando o significado de tudo o que acontece na vida e nos ocorre enquanto estamos vivos. ArendtVE I O Pensar 17
Ao que parece, a única coisa que Sócrates tinha a dizer sobre a conexão entre o mal e a ausência de pensamento é que as pessoas que não amam a beleza, a justiça e a sabedoria são incapazes de pensar, enquanto, reciprocamente, aqueles que amam a investigação e, assim, “fazem filosofia” são incapazes de fazer o mal. ArendtVE I O Pensar 17
Sócrates, que diferentemente de Platão considerava todos os assuntos e conversava com todas as pessoas, não pode ter acreditado que só os poucos são capazes de pensamento, nem que só alguns objetos de pensamento, visíveis aos olhos da mente bem treinada, mas inefáveis no discurso, conferem dignidade e relevância à atividade de pensar. ArendtVE I O Pensar 18
É como se ele dissesse a Cálicles: se você estivesse, como eu, apaixonado pela sabedoria, e se sentisse a necessidade de pensar sobre tudo e examinar tudo, você saberia que é melhor sofrer o mal do que o praticar, caso não haja alternativa, caso o mundo seja como você o descreve, dividido entre fortes e fracos, onde “os fortes fazem o que está em seu poder, e os fracos sofrem o que têm que sofrer” (Tucídides). ArendtVE I O Pensar 18
Chega a parecer que aquilo que somos tentados a compreender como uma proposição puramente moral na verdade tem origem na experiência do pensar enquanto tal. ArendtVE I O Pensar 18
Mas, novamente, não é a atividade de pensar que constitui a unidade, que unifica o dois-em-um; ao contrário, o dois-em-um torna-se novamente Um quando o mundo exterior impõe-se ao pensador e interrompe bruscamente o processo do pensamento. ArendtVE I O Pensar 18
O fato de que o estar-só, enquanto dura a atividade de pensar, transforma a mera consciência de si — que provavelmente compartilhamos com os animais superiores — em uma dualidade é talvez a indicação mais convincente de que os homens existem essencialmente no plural. ArendtVE I O Pensar 18
Só depois que esse caso particular tornou-se o exemplo condutor para todo pensamento é que Kant, que na Antropologia tinha definido pensar como “conversar consigo mesmo e, portanto, também escutar interiormente”, pôde relacionar a prescrição de “pensar sempre consistentemente e de acordo consigo mesmo” (“Jederzeit mit sich selbst einstimmig denken”) entre as máximas que devem ser consideradas “mandamentos imutáveis para a classe dos pensadores”. ArendtVE I O Pensar 18
Nossa moderna crise de identidade só poderia ser resolvida se nunca ficássemos a sós e nunca tentássemos pensar). ArendtVE I O Pensar 18
Para Sócrates, a dualidade do dois-em-um significava apenas que quem quer pensar precisa tomar cuidado para que os parceiros do diálogo estejam em bons termos, para que eles sejam amigos. ArendtVE I O Pensar 18
O parceiro que desperta novamente quando estamos alerta e sós é o único do qual nunca podemos nos livrar — exceto parando de pensar. ArendtVE I O Pensar 18
Isso é fácil de conseguir, pois tudo o que ele tem a fazer é nunca iniciar o diálogo isolado e sem som a que chamamos de “pensar”, nunca voltar para casa e examinar as coisas. ArendtVE I O Pensar 18
O pensamento, em seu sentido não-cognitivo e não-especializado, como uma necessidade natural da vida humana, como a realização da diferença dada na consciência, não é uma prerrogativa de poucos, mas uma faculdade sempre presente em todo mundo; do mesmo modo, a inabilidade de pensar não é uma imperfeição daqueles muitos a quem falta inteligência, mas uma possibilidade sempre presente para todos — incluindo aí os cientistas, os eruditos e outros especialistas em tarefas do espírito. ArendtVE I O Pensar 18
Seu critério de ação não será o das regras usuais, reconhecidas pelas multidões e acordadas pela sociedade, mas a possibilidade de eu viver ou não em paz comigo mesmo quando chegar a hora de pensar sobre meus atos e palavras. ArendtVE I O Pensar 18
A faculdade de julgar particulares (tal como foi revelada por Kant), a habilidade de dizer “isto é errado”, “isto é belo” e por aí afora não é igual à faculdade de pensar. ArendtVE I O Pensar 18
Se o pensamento — o dois-em-um do diálogo sem som — realiza a diferença inerente à nossa identidade, tal como é dada à consciência, resultando, assim, na consciência moral como seu derivado, então o juízo, o derivado do efeito liberador do pensamento, realiza o próprio pensamento, tornando-o manifesto no mundo das aparências, onde eu nunca estou só e estou sempre muito ocupado para poder pensar. ArendtVE I O Pensar 18
As mesmas experiências refletem-se na dúvida cartesiana sobre a realidade do mundo, no “às vezes sou, às vezes penso” de Valéry (como se ser real e pensar fossem opostos), nas palavras de Merleau-Ponty: “Só estamos realmente sós quando não o sabemos, é essa ignorância mesma que é o nosso estar-só ”. ArendtVE I O Pensar 19
Em terceiro lugar, estas curiosas características ligadas à atividade de pensar surgem da retirada, inerente a todas as atividades do espírito: o pensamento sempre lida com ausências e abandona o que está presente e ao alcance da mão. ArendtVE I O Pensar 19
Durante a atividade de pensar, o que se torna significativo são extratos, produtos da dessensorialização, e tais extratos não são meros conceitos abstratos; eles eram outrora chamados de “essências”. ArendtVE I O Pensar 19
O único grande filósofo, ao que eu saiba, explicitamente cônscio dessa condição de não ter lar como própria à atividade de pensar foi Aristóteles — talvez porque conhecesse e declarasse tão bem a diferença entre ação e pensamento (a distinção decisiva entre o modo de vida filosófico e o político) e, tirando a óbvia conclusão, se recusasse a “compartilhar da sina” de Sócrates e a deixar os atenienses “pecarem duas vezes contra a filosofia”. ArendtVE I O Pensar 19
Os filósofos amam esse “lugar nenhum” como se fosse um país (philochórein) e desejam abandonar todas as atividades em favor do scholazein (o não fazer nada, como nós diríamos), em vista da doçura inerente ao próprio pensar ou filosofar. ArendtVE I O Pensar 19
Obviamente, se não existe absolutamente nada, nada há sobre o que pensar. ArendtVE I O Pensar 19
Mas, para criar uma tal linha de pensamento, precisamos transformar a justaposição na qual as experiências nos são dadas em uma sucessão de palavras proferidas sem som — o único meio que podemos usar para pensar —, o que significa que nós não apenas dessensorializamos, mas também desespacializamos a experiência original. ArendtVE I O Pensar 19
A reflexão traz essas “regiões” ausentes à presença do espírito; dessa perspectiva, a atividade de pensar pode ser entendida como uma luta contra o próprio tempo. ArendtVE I O Pensar 20
Usando uma metáfora diferente, podemos chamá-la a região do espírito, mas talvez ela seja muito mais a trilha aberta pelo pensamento, a pequena e inconspícua trilha de não-tempo traçada pela atividade de pensar no espaço-tempo concedido a homens que nascem e morrem. ArendtVE I O Pensar 20
A dimensão temporal do nunc stans, experimentada na atividade de pensar, reúne na sua própria presença os tempos ausentes, o ainda-não e o não-mais. ArendtVE I O Pensar 20
Mas esta última tentativa de defender a atividade de pensar da acusação que lhe dirigem de não ser prática nem útil não funciona. ArendtVE I O Pensar 21
E uma vez que, segundo ele, a atividade de pensar, “maravilhosa em pureza e certeza”, era a “mais prazerosa” de todas as atividades, fica claro que ele estava falando do Agora imóvel, que viria a ser mais tarde o nunc stans. ArendtVE II O Querer 1
Nosso Testamento, nossa Última Vontade, preparado para o único futuro sobre o qual podemos estar seguros com razão, a saber, nossa própria morte, mostra que a necessidade da Vontade de querer não é menos forte do que a necessidade que a Razão tem de pensar; em ambos os casos, o espírito transcende suas próprias limitações naturais, seja por fazer perguntas irrespondíveis, seja por projetar-se em um futuro que, para o sujeito volitivo, jamais será. ArendtVE II O Querer 1
Isso coincidiu com a última era de autêntico pensamento metafísico; na virada do século XIX, ainda no estilo da metafísica que começou com o equacionamento de Parmênides entre Ser e Pensar (to gar auto esti noein te kai einai), de repente, logo depois de Kant, passou a ser comum equacionar Querer e Ser. ArendtVE II O Querer 2
E Espinosa seguia a mesma linha de pensamento: uma pedra posta em movimento por alguma força externa “acreditaria ser completamente livre e pensaria permanecer em movimento somente por sua própria vontade”, contanto que estivesse “consciente de seu esforço” e fosse “capaz de pensar”. ArendtVE II O Querer 3
A tensão pode ser superada somente pelo fazer, isto é, pela desistência da atividade espiritual como um todo; uma mudança do querer para o pensar produz apenas uma paralisação temporária da vontade, exatamente como uma mudança do pensar para o querer é sentida pelo ego pensante como uma paralisação temporária da atividade do pensamento. ArendtVE II O Querer 5
A primazia do passado, entretanto — como Koyré descobriu —, desaparece inteiramente quando Hegel passa a discutir o Tempo, para ele, acima de tudo, “o tempo humano”, cujo fluxo o homem inicialmente, por assim dizer, experimenta sem pensar, como puro movimento, até que acontece de ele refletir sobre os acontecimentos exteriores. ArendtVE II O Querer 6
O próprio Hegel não menciona a Vontade nesse contexto, nem tampouco Koyré; mas parece óbvio que a faculdade que está por trás do espírito que nega não é o pensar, mas o querer, e que a descrição de Hegel do tempo experimentado humanamente relaciona-se à sequência de tempo adequada ao ego volitivo. ArendtVE II O Querer 6
Nem poderia haver se o espírito humano fosse equipado somente para pensar, para refletir sobre o que é dado, sobre aquilo que é e não poderia ser outro; se fosse assim, o homem viveria espiritualmente em um eterno presente. ArendtVE II O Querer 6
E, em ambos os casos, o verdadeiro preenchimento do tempo é a eternidade, ou, em termos seculares, existencialmente falando, a mudança do espírito do querer para o pensar. ArendtVE II O Querer 6
O fracasso final de Hegel em conciliar as duas atividades do espírito, pensar e querer, com os seus conceitos de tempo opostos, parece-me evidente, mas ele próprio teria discordado: o pensamento especulativo é precisamente “a unidade de pensamento e tempo”; não lida com o Ser, mas com o Devir, e “o objeto do espírito pensante não é o Ser mas um Devir intuído”. ArendtVE II O Querer 6
A Vontade, que não se subjuga à Razão e à sua necessidade de pensar, nega o presente (e o passado), mesmo quando o presente a confronta com a realização de seus próprios projetos. ArendtVE II O Querer 6
Só o que podemos pensar é em “um Nada do qual Algo está para se originar; de modo que o Ser já esteja contido no Começo”. ArendtVE II O Querer 6
Mas a razão em si, à medida que leva à verdade, é persuasiva, e não imperativa, no diálogo sem som do pensamento de mim comigo mesmo; somente aqueles que não são capazes de pensar precisam ser constrangidos. ArendtVE II O Querer 7
Ninguém escolhe felicidade ou saúde como seu objetivo, embora possamos pensar sobre essas duas coisas; os fins são inerentes à natureza humana e são os mesmos para todos. ArendtVE II O Querer 7
A princípio, parece que temos aí a antiga doutrina estoica, só que sem qualquer dos suportes filosóficos do estoicismo antigo; não ouvimos de Epiteto nada sobre a bondade intrínseca da natureza, de acordo com a qual (kata physin) o homem deve viver e pensar — isto é, tirar do pensamento todo o mal aparente, entendendo-o como um componente necessário de um bem completo. ArendtVE II O Querer 9
Afinal, não sabemos todos como é relativamente fácil perder pelo menos o hábito, se não a faculdade de pensar? Basta viver em constante estado de distração e jamais deixar a companhia de outros. ArendtVE II O Querer 9
Pode-se argumentar que é mais difícil quebrar o hábito que os homens têm de querer o que está fora de seu poder do que quebrar o hábito de pensar; mas para um homem suficientemente “treinado”, não deve ser necessário ficar repetindo mil vezes o não querer — já que o mé thele, o “não querer”, em que não se pode evitar, é no mínimo tão importante para esse aprendizado quanto o simples apelo à força de vontade. ArendtVE II O Querer 9
Todos os homens temem a morte, e esse sentimento é mais verdadeiro do que qualquer opinião que nos leve a “pensar que deveríamos querer não existir”, pois o fato é que “começar a existir é o mesmo que caminhar para a não-existência”. ArendtVE II O Querer 10
Em suma, “todas as coisas, pelo simples fato de que são, são boas”, inclusive o mal e o pecado; e isso não só por causa de sua origem divina e de uma crença no Deus-Criador, mas também porque a sua própria existência nos impede de pensar ou de querer a não-existência absoluta. ArendtVE II O Querer 10
De acordo com Mill, o “eu que perdura”, e que se manifesta somente quando uma volição chega a seu fim, deveria assemelhar-se a qualquer coisa que tenha impedido o asno de Buridan de morrer de fome na dúvida entre dois montes de feno com o mesmo cheiro bom: “Por simples cansaço misturado à sensação de fome”, o animal acabaria por deixar “completamente de pensar nos objetos rivais”. ArendtVE II O Querer 10
Todo o espírito “está nas coisas sobre as quais pensa com amor”, e são essas as coisas “sem as quais ele não pode pensar em si mesmo”. ArendtVE II O Querer 10
A ênfase aqui recai sobre o pensar do espírito em si mesmo; e o amor que acalma o tumulto e a inquietação da vontade não é o amor das coisas tangíveis, mas as “pegadas” deixadas pelas “coisas sensíveis” no interior do espírito (Ao longo de todo o tratado, Agostinho é cuidadoso em estabelecer a distinção entre pensar e conhecer, ou entre sabedoria e conhecimento. “ ArendtVE II O Querer 10
Uma coisa é não se ter conhecimento de si, outra é não se pensar em si”.) ArendtVE II O Querer 10
Mas] não é do nosso modo que Ele olha à frente para o que é futuro, nem para o que é presente ou, para trás, para o que é passado; é de uma maneira completa e profundamente diferente do nosso modo de pensar. ArendtVE II O Querer 10
Já Tomás, em óbvia resposta a Agostinho e aos agostinianos (embora sem mencioná-los), diz que embora se possa pensar que a felicidade e o fim último do homem consistam “não em conhecer Deus, mas em amá-Lo, ou em algum outro ato de vontade em direção a Ele”, ele, Tomás, sustenta que “uma coisa é possuir o bem que é o nosso fim, e outra é amá-lo; pois o amor era imperfeito antes de possuirmos o fim, e perfeito depois de dele termos tomado posse”. ArendtVE II O Querer 11
É difícil pensar em qualquer grande filósofo, qualquer um dos grandes pensadores — e não há muitos deles — que ainda “precise ser descoberto e auxiliado por nossa atenção e entendimento”. ArendtVE II O Querer 12
Nada poderia entrar em maior contradição com toda a tradição filosófica do que essa insistência no caráter contingente dos processos (Basta pensar nas bibliotecas inteiras que foram erguidas para explicar a necessidade da eclosão das últimas duas guerras, cada teoria identificando uma única causa diferente — quando, na verdade, nada parece mais plausível do que uma coincidência de causas, talvez postas em movimento, finalmente, por mais uma causa adicional, que “contingentemente causou” as duas conflagrações). ArendtVE II O Querer 12
Mas, no seu modo de pensar, não era preciso haver tal conciliação, pois a liberdade e a necessidade eram dimensões completamente diferentes do espírito; se é que havia conflito, ele corresponderia a um conflito intramuros, entre os egos pensante e volitivo, um conflito em que a vontade dirige o intelecto e faz com que o homem pergunte: “Por quê?” A razão para isso é simples: a Vontade, como Nietzsche descobriria mais tarde, é incapaz de “querer retroativamente”; logo, deixe-se para o intelecto a tarefa de descobrir o que deu errado. ArendtVE II O Querer 12
As atividades do espírito, tais como pensar ou querer, são atividades da primeira espécie, e estas, pensava Scotus, embora não tenham qualquer resultado no mundo real, são de uma “perfeição” maior, porque essencialmente não são transitórias. ArendtVE II O Querer 12
Por outro lado, tomando o conceito de uma coisa, não importa qual, descubro que a existência desta coisa nunca pode ser representada por mim como absolutamente necessária, e que, sobre o que quer que possa existir, nada me impede de pensar em sua não-existência. ArendtVE II O Querer 12
Assim, se tenho que admitir algo necessário como uma condição para o que existe em geral, não posso pensar em qualquer coisa particular como necessária em si. ArendtVE II O Querer 12
As atividades dos homens, seja de pensar seja de agir, foram transformadas em atividades de conceitos personificados — que tornavam a filosofia tanto infinitamente mais difícil (a dificuldade principal em Hegel é seu teor de abstração, suas pistas somente ocasionais sobre os dados e fenômenos reais que ele tinha em mente) quanto incrivelmente mais viva. ArendtVE II O Querer 13
O necessário, claramente, não é mudar o mundo ou os homens, mas sim o modo que estes têm de “avaliá-lo”, seu modo, em outras palavras, de pensar e refletir sobre ele. ArendtVE II O Querer 14
Mas quando, lançado de volta a si mesmo, ele levanta a questão “Quem é o homem?”, é o Ser, ao contrário, que avança para o primeiro plano; é o Ser, agora emergindo, que convida o homem a pensar (Heidegger foi forçado a abandonar sua abordagem original de Ser e Tempo; em vez de procurar abordar o Ser através da abertura e da transcendência inerentes ao homem, ele passa a tentar definir o homem em termos de Ser). ArendtVE II O Querer 15
Contida de forma resumida na Brief über den Humanismus (Sobre o humanismo), que interpreta Ser e Tempo como uma antecipação necessária e uma preparação para a “reviravolta”, ela centra-se na noção de que pensar, a saber, “dizer a palavra não dita do Ser”, é o único autêntico “fazer” (Tun) do homem; é aí que a “História do Ser” (Seinsgeschichte), que transcende todos os atos meramente humanos e é superior a eles, se passa na verdade. ArendtVE II O Querer 15
Este pensar é recordação, já que ouve a voz do Ser nas expressões dos grandes filósofos do passado; mas o passado vem a ele da direção oposta, de modo que a “descida” (Abstieg) ao passado coincida com a “expectativa paciente e pensativa pela chegada do futuro, o avenant”. ArendtVE II O Querer 15
O insight segundo o qual pensar e querer não são somente duas faculdades do ser enigmático chamado “homem”, mas são também opostos, ocorreu tanto a Nietzsche quanto a Heidegger. ArendtVE II O Querer 15
A diferença entre a posição de Heidegger e a de seus predecessores reside no seguinte: o espírito do homem, chamado pelo Ser para transpor para a linguagem a verdade do Ser, está sujeito a uma História do Ser (Seinsgeschichte), e essa História determina se os homens respondem ao Ser em termos de querer ou em termos de pensar. ArendtVE II O Querer 15
Quando Hegel viu “o Espírito do Mundo a cavalo” em Napoleão em Jena, sabia que Napoleão não tinha ele próprio consciência de ser a encarnação do Espírito, sabia que ele estava agindo segundo aquela mistura humana comum de objetivos de curto prazo, desejos e paixões; para Heidegger, contudo, é o próprio Ser que, sempre mudando, se manifesta no pensamento do agente, de modo que agir e pensar coincidem. “ ArendtVE II O Querer 15
Se agir significa dar auxílio à essência do Ser, então pensar é, na verdade, agir. ArendtVE II O Querer 15
Comecemos com as consequências mais impressionantes, que se encontram no próprio trabalho posterior, a saber, primeiro a noção de que o pensamento solitário em si constitui a única ação relevante no registro factual da história; e, segundo, a ideia de que pensar é o mesmo que agradecer (e não só por razões etimológicas). ArendtVE II O Querer 15
Por mais estranha e, em última análise, inexplicável que a análise da consciência em Heidegger possa se mostrar pela evidência fenomenológica, a ligação com os simples fatos da existência humana, implícitos no conceito de uma dívida primordial, certamente contém a primeira pista para a identificação que posteriormente ele faz entre pensar e agradecer. ArendtVE II O Querer 15
Lidamos com aquele espanto admirativo; e encontrá-lo em um contexto moderno não impressiona nem surpreende; basta pensar na exaltação “daqueles que dizem Sim” de Nietzsche ou desviar a atenção das especulações acadêmicas para alguns dos grandes poetas deste século. ArendtVE II O Querer 15
Mas se isso se aplica à coincidência entre pensar e agradecer, dificilmente aplica-se à fusão entre pensar e agir. ArendtVE II O Querer 15
O que origina essa mudança é uma radicalização decisiva tanto da antiga tensão entre pensar e querer (a ser resolvida pelo “querer-não-querer”) quanto do conceito personificado, que apareceu em sua forma mais articulada no “Espírito do Mundo” de Hegel, aquele Ninguém fantasmagórico que confere significado àquilo que é factualmente, ainda que de um modo sem sentido e contingente. ArendtVE II O Querer 15
Heidegger nunca menciona, nesse contexto, uma ligação entre pensar e agradecer; e está bem a par das possíveis conclusões pessimistas, “para não dizer niilistas”, que se podem retirar de uma interpretação que se adequaria perfeitamente à compreensão de Burckhardt e de Nietzsche da experiência grega em seu aspecto mais profundo. ArendtVE II O Querer 15
Em vez disso, conclui o ensaio com algo que não disse em qualquer outro lugar: “Se a essência do homem consiste em pensar na verdade do Ser, então o pensar deve poetizar o enigma do Ser” (“am Rätsel des Seins dichten”). ArendtVE II O Querer 15
Há entretanto a diferença de que aqui o ausente (o Ser em sua permanente retirada) não tem história no reino da errância, e de que pensar e agir não coincidem. ArendtVE II O Querer 15
Coloca-se “fora de ordem” com a atividade habitual dos cientistas, repercutindo sobre si mesmo, meditando sobre a ininteligibilidade fundamental daquilo que está fazendo — ininteligibilidade que permanece um enigma sobre o qual vale a pena pensar, embora não possa ser resolvido. ArendtVE II O Querer 16
Falei da orgia de pensamento especulativo que se seguiu à liberação kantiana da necessidade da razão de pensar além da capacidade cognitiva do intelecto, os jogos que os idealistas alemães fizeram com os conceitos personificados e as alegações feitas para a validade científica — algo que muito se distancia da “crítica” de Kant. ArendtVE II O Querer 16
O único traço em comum entre todos esses modos e formas de pluralidade humana é simplesmente sua gênese, isto é, o fato de que, em algum momento no tempo e por alguma razão, um grupo de pessoas tenha vindo a pensar sobre si como um “Nós”. ArendtVE II O Querer 16
O pensamento de um começo absoluto — creatio ex nihilo — elimina a sequência de temporalidade tanto quanto o pensamento de um fim absoluto, que agora se designa corretamente como “pensar o impensável”. ArendtVE II O Querer 16
Pensar com a mentalidade alargada — isso significa treinar nossa imaginação a visitar… Devo alertá-los aqui sobre um equívoco muito comum e fácil de acontecer. ArendtVE Apêndice O Julgar
Pensar, segundo o entendimento de Kant a respeito do esclarecimento, significa Selbstdenken, pensar por si mesmo, “que é a máxima de uma razão nunca passiva. ArendtVE Apêndice O Julgar
Trata-se simplesmente do modo de pensar dos espectadores que se revela publicamente no grande jogo das transformações. ArendtVE Apêndice O Julgar
Somos inclinados a pensar que, para julgar um espetáculo, deve-se ter, em primeiro lugar, o espetáculo; que o espectador é secundário em relação ao ator — sem levar em conta que ninguém em seu juízo perfeito poria em cartaz um espetáculo sem estar seguro de haver espectadores para assistir a ele. ArendtVE Apêndice O Julgar
Em outras palavras, o elemento não subjetivo nos sentidos não objetivos é a intersubjetividade (Deve-se estar só para poder pensar; é preciso companhia para desfrutar uma refeição). ArendtVE Apêndice O Julgar
Depois disso, seguem-se as máximas deste sensus communis: pensar por si mesmo (a máxima do esclarecimento); colocarmo-nos no lugar de todos os outros em pensamento (a máxima da mentalidade alargada); e a máxima da consistência (estar de acordo consigo mesmo, mit sich selbst einstimmig denken). ArendtVE Apêndice O Julgar
Concluindo, tentarei esclarecer algumas das dificuldades: a dificuldade principal no juízo é ser “a faculdade de julgar o particular”; mas pensar significa generalizar; portanto, trata-se da faculdade que misteriosamente combina o particular e o geral. ArendtVE Apêndice O Julgar
Resta-nos ainda uma possibilidade, que entra em juízos e que não são cognições: podemos encontrar ou pensar em alguma mesa que julgamos ser a melhor possível e tomar esta mesa como o exemplo de como as mesas deveriam realmente ser — a mesa exemplar (Exemplo vem de eximere, escolher um particular). ArendtVE Apêndice O Julgar