====== Schopenhauer (MVR1) – vida e fenômeno ====== Tampouco a explanação fisiológica da **vida** vegetativa (functiones naturales, vitales), por mais longe que vá, pode suprimir a verdade de que toda **vida** animal a se desenvolver nesses moldes é ela mesma **fenômeno** da vontade. MVR1: Livro II §20 Os motivos não determinam o caráter do homem, mas tão-somente o **fenômeno** desse caráter, logo as ações e atitudes, a feição exterior de seu decurso de **vida**, não sua significação íntima e conteúdo: estes últimos procedem do caráter, que é **fenômeno** imediato da Vontade, portanto sem-fundamento. MVR1: Livro II §26 Ora, como os motivos podem ser bastante diversos, a figura externa do **fenômeno** do caráter empírico, portanto a precisa figura fática ou histórica do decurso de **vida**, tem de se guiar segundo o influxo desses motivos. MVR1: Livro II §28 Algo análogo àquele influxo das circunstâncias externas sobre o decurso de **vida**, determinado no essencial pelo caráter, temos agora de reconhecer, se quisermos pensar como a Vontade, nos atos originários de sua objetivação, determina as diversas Ideias nas quais se objetiva, ou seja, as diversas figuras de seres naturais de cada espécie nas quais distribui sua objetivação e que, necessariamente, têm de ter uma relação entre si no **fenômeno**. MVR1: Livro II §28 Da mesma forma é o decurso de **vida** do animal: a procriação é o seu ápice, após cujo alcançamento a **vida** do primeiro indivíduo decai rápida ou lentamente, enquanto um novo indivíduo garante à natureza a conservação da espécie, repetindo o mesmo **fenômeno**. MVR1: Livro II §29 Por conseguinte, a história do gênero humano, a profusão dos eventos, a mudança das eras, as formas multifacetadas da **vida** humana em diferentes países e séculos: tudo isso é tão-somente a forma casual do **fenômeno** da Ideia, não pertence a ela (unicamente na qual reside a objetidade adequada da Vontade) mas só ao **fenômeno** que se dá ao conhecimento do indivíduo, sendo tão alheio, inessencial e indiferente à Ideia mesma como as figuras formadas para as nuvens, ou as figuras de redemoinho e formações espumosas para o regato, ou as árvores e flores para o gelo cristalizado. MVR1: Livro III §35 Assim como o homem é ímpeto tempestuoso e obscuro do querer (indicado pelo pólo dos órgãos genitais, como seu foco), e simultaneamente sujeito eterno, livre, sereno, do puro conhecer (indicado pelo pólo do cérebro), assim também, em conformidade com essa oposição, o sol é fonte de luz, é condição do modo mais perfeito de conhecimento e, justamente por isso, do que há mais aprazível nas coisas, e simultaneamente é fonte de calor, da primeira condição de qualquer **vida**, isto é, de todo **fenômeno** da Vontade em graus mais elevados. MVR1: Livro III §39 Daí se compreende que a música realça de imediato em cada pintura, sim, em cada cena da **vida** real e do mundo O aparecimento de uma significação mais elevada, e tanto mais quanto mais análoga é sua melodia ao espírito íntimo do **fenômeno** dado. MVR1: Livro III §52 Como a Vontade é a coisa-em-si, o conteúdo íntimo, o essencial do mundo, e a **vida**, o mundo visível, o **fenômeno**, é seu espelho; segue-se daí que este mundo acompanhará a Vontade tão inseparavelmente quanto a sombra acompanha o corpo. MVR1: Livro IV §54 Nascimento e morte pertencem exclusivamente ao **fenômeno** da Vontade, logo, à **vida**, à qual é essencial expor-se em indivíduos, os quais nascem e perecem. MVR1: Livro IV §54 Portanto, nascimento e morte pertencem igualmente à **vida** e se equilibram como condições recíprocas, ou, caso se prefira a expressão, como pólos de todo o **fenômeno** da **vida**. MVR1: Livro IV §54 O objetivo, manifestamente, era, por ocasião da morte do indivíduo chorado, apontar com grande ênfase para a **vida** imortal da natureza e, assim, embora sem conhecimento abstrato, aludir ao fato de toda a natureza ser o **fenômeno** e também o preenchimento da Vontade de **vida**. MVR1: Livro IV §54 A forma desse **fenômeno** é tempo, espaço e causalidade, e por intermédio deles a individuação, que acarreta consigo o nascer e o perecer individuais, sem contudo atingir a Vontade de **vida** – de cujo **fenômeno** o indivíduo é, por assim dizer, só um exemplo particular ou espécime –, tampouco quanto o todo da natureza é injuriado pela morte do indivíduo. MVR1: Livro IV §54 Que geração e morte devam ser consideradas como algo pertencente à **vida** e essencial ao **fenômeno** da Vontade, advêm do fato de ambas se apresentarem apenas como expressão altamente potenciada Daquilo a partir do que consiste todo o restante da **vida**, que nada mais é, em toda parte, senão uma alteração contínua da matéria sob a permanência invariável da forma. MVR1: Livro IV §54 Antes de tudo temos de reconhecer distintamente que a forma do **fenômeno** da Vontade, portanto a forma da **vida** ou da realidade, é, propriamente dizendo, apenas o presente, não o futuro, nem o passado. MVR1: Livro IV §54 E, assim como à Vontade é certa a **vida**, seu **fenômeno** próprio, também é certo o presente, única forma da **vida** real. MVR1: Livro IV §54 Entretanto, trouxemos agora à consciência distinta que, embora o **fenômeno** particular da Vontade principie e finde temporalmente, a Vontade mesma, como coisa-em-si, em nada é afetada, muito menos o correlato de todo objeto, o sujeito que conhece e nunca é conhecido; e que à Vontade de **vida** a **vida** é certa. MVR1: Livro IV §54 Todavia, nada impede que, quando a morte entre em cena para o indivíduo no particular e na efetividade, ou apenas na fantasia, ele tenha então de encará-la nos olhos, sendo assim assaltado pelo medo da morte, tentando de todas as maneiras escapar dela, pois, pelo tempo em que seu conhecimento dirigia-se à **vida** enquanto tal, era apto a reconhecer a imortalidade; contudo, quando a morte lhe aparece diante dos olhos, conhece-a como aquilo que é, ou seja, o fim, no tempo, do **fenômeno** temporal particular. MVR1: Livro IV §54 Armado com o conhecimento que lhe conferimos, veria com indiferença a morte voando em sua direção nas asas do tempo, considerando-a como uma falsa aparência, um fantasma impotente, amedrontador para os fracos, mas sem poder algum sobre si, que sabe: ele mesmo é a Vontade, da qual o mundo inteiro é objetivação ou cópia; ele, assim, tem não só uma **vida** certa mas também o presente por todo o tempo, presente que é propriamente a forma única do **fenômeno** da Vontade; portanto, nenhum passado ou futuro infinitos, no qual não existiria, pode lhe amedrontar, pois considera a estes como uma miragem vazia e um Véu de Maya. MVR1: Livro IV §54 A fim de tornar mais clara a relação entre ambos, a melhor expressão a ser empregada é aquela presente no meu ensaio introdutório sobre o princípio de razão, ou seja, que o caráter inteligível de cada homem deve ser considerado como um ato extratemporal, indivisível e imutável da Vontade, cujo **fenômeno**, desenvolvido e espraiado em tempo, espaço e em todas as formas do princípio de razão, é o caráter empírico como este se expõe conforme a experiência, vale dizer, no modo de ação e no decurso de **vida** do homem. MVR1: Livro IV §55 A Vontade, cujo **fenômeno** é toda a existência e **vida** do homem, não pode mentir no caso particular. MVR1: Livro IV §55 Como os motivos que determinam o **fenômeno** do caráter, ou o agir, fazem efeito sobre ele mediante o médium do conhecimento, e o conhecimento, por seu turno, é variável, oscilando constantemente entre erro e verdade, porém via de regra retificando-se cada vez mais no curso da **vida**, embora em graus muito diferentes, vem daí que a conduta de um homem pode variar notavelmente sem que com isso se deva concluir sobre a mudança em seu caráter. MVR1: Livro IV §55 Noutros termos, já que nosso caráter deve ser visto como o desdobramento temporal de um ato extratemporal, portanto indivisível e imutável da Vontade, ou desdobramento de um caráter inteligível, de modo que todo essencial, isto é, o conteúdo ético de nossa conduta de **vida** é determinado de maneira inalterável e, em conformidade com isso, tem de se exprimir em seu **fenômeno**, justamente o caráter empírico – enquanto somente o inessencial do **fenômeno**, a figura exterior do nosso decurso de **vida**, depende das formas sob as quais se apresentam os motivos –, poder-se-ia disso tudo inferir que seria esforço vão trabalhar numa melhora do próprio caráter ou lutar contra o poder das más inclinações, sendo preferível submeter-se ao fatídico, entregando-se a toda inclinação, mesmo as más. MVR1: Livro IV §55 Ao lado do caráter inteligível e do empírico, deve-se ainda mencionar um terceiro, diferente dos dois anteriores, a saber, o caráter adquirido, o qual se obtém na **vida** pelo comércio com o mundo e ao qual é feita referência quando se elogia uma pessoa por ter caráter, ou se a censura por não o ter, – Talvez se pudesse naturalmente supor que, como o caráter empírico, enquanto **fenômeno** do inteligível, é inalterável, e, tanto quanto qualquer **fenômeno** natural, é em si consequente, o homem também sempre teria de aparecer igual a si mesmo e consequente, com o que não seria necessário adquirir artificialmente, por experiência e reflexão, um caráter. MVR1: Livro IV §55 Ao mesmo tempo, recordemo-nos, a partir do livro segundo, que em todos os lugares as diversas forças naturais e formas orgânicas disputam entre si a matéria, na qual querem entrar em cena, na medida em que cada uma possui tão-somente aquilo que usurpou da outra, e, com isso, perpetua-se uma luta contínua de **vida** e morte, que gera a resistência pela qual o esforço constitutivo da essência mais íntima das coisas é em toda parte travado; ele anseia em vão, sem poder desfazer-se de sua essência, atormentando-se até o perecimento do **fenômeno**, quando então outros avidamente se apossam do lugar e matéria dele. MVR1: Livro IV §56 Tudo o que essa consideração pretendia deixar claro, a saber, a impossibilidade de alcançamento da satisfação duradoura, bem como a negatividade de qualquer estado feliz, encontra sua explanação no que foi mostrado na conclusão do livro segundo, ou seja, que a Vontade, cuja objetivação é tanto a **vida** humana quanto qualquer outro **fenômeno**, é um esforço sem alvo e interminável. MVR1: Livro IV §58 Um poder externo é tão pouco capaz de mudar essa Vontade, ou suprimi-la, quanto um poder estranho é capaz de livrá-lo dos tormentos da **vida**, **fenômeno** da Vontade. MVR1: Livro IV §59 Saniasis, mártires, santos de todas as crenças e nomes, suportaram voluntariamente de bom grado todos os martírios, visto que neles a Vontade de **vida** se suprimia; depois, até mesmo a lenta destruição do **fenômeno** da Vontade de **vida** lhes era bem-vinda. MVR1: Livro IV §59 A procriação, em relação ao procriador, e apenas a expressão, o sintoma de sua decidida afirmação da Vontade de **vida**: em relação ao procriado a procriação não é o fundamento da Vontade que nele aparece, visto que a Vontade em si não conhece fundamento nem consequência, mas, como toda causa, é tão-somente causa ocasional do **fenômeno** da Vontade neste tempo e neste lugar. MVR1: Livro IV §60 Ora, naquela afirmação, que vai além do próprio corpo até a exposição de um novo, também co-afirma-se sofrimento e morte como pertencentes ao **fenômeno** da **vida**, enquanto a possibilidade de redenção, produzida pela mais perfeita capacidade de conhecimento, é nesse caso declarada infrutífera. MVR1: Livro IV §60 Em verdade, o nosso horror em face do homicídio cometido e também o nosso tremor em vir a cometê-lo correspondem ao apego sem limites à **vida**, inerente a todo ser vivo como **fenômeno** da Vontade de **vida** (adiante lançaremos mais luz sobre aquele sentimento que acompanha a prática da injustiça e do mal, noutros termos, o peso de consciência, analisando-o mais detalhadamente e elevando-o à distinção do conceito). MVR1: Livro IV §62 Ora, o sofrer injustiça é uma ocorrência na experiência, e, como dito, aí se manifesta mais distintamente do que em qualquer outro lugar o **fenômeno** do conflito da Vontade de **vida** consigo mesma, advindo da pluralidade de indivíduos e do egoísmo, que são condicionados pelo principium individuationis, esta forma do mundo como representação para o conhecimento do indivíduo. MVR1: Livro IV §62 O **fenômeno**, a objetidade de uma única e mesma Vontade de **vida**, é o mundo em toda a pluralidade de suas partes e figuras. MVR1: Livro IV §63 Vê o padecimento, a maldade no mundo, mas, longe de reconhecer que ambos não passam de aspectos diferentes do **fenômeno** de uma Vontade de **vida**, toma-os como diferentes, sim, completamente opostos, e procura amiúde, através do mal, isto é, causando o sofrimento alheio, escapar do mal, do sofrimento do próprio indivíduo, envolto como está no principio individuationis, enganado pelo Véu de Maya. – MVR1: Livro IV §63 A Vontade de **vida**, embora ainda se afirmando, não adere mais aqui ao **fenômeno** individual, ao indivíduo, mas abarca a Ideia de homem e quer conservar o **fenômeno** desta Ideia purificado dessa iniquidade monstruosa e revoltante. MVR1: Livro IV §64 Por mais que o Véu de Maya envolva espessamente os sentidos da pessoa má, noutros termos, por mais firmemente que ela se enrede no principio individuationis, de acordo com o qual se considera absolutamente diferente dos demais seres e deles separada por um amplo abismo, conhecimento ao qual adere com todo o seu vigor, visto que somente ele se conforma ao seu egoísmo e lhe dá sustento, de maneira que o conhecimento é quase sempre corrompido pela vontade – lateja, entretanto, no mais íntimo de sua consciência o pressentimento de que essa ordem de coisas é simples **fenômeno**; em si mesmo, entretanto, trata-se de algo bem diferente; e não obstante o tempo e o espaço que a separam dos demais indivíduos e dos incontáveis tormentos que padecem, inclusive através dela, e os apresentar como estrangeiros, ainda assim é a Vontade de **vida** una e em si alheia à representação e às suas formas que neles todos aparece, porém aqui, desconhecendo-se, aponta contra si as próprias armas e, ao procurar o aumento do bem-estar em um de seus fenômenos, precisamente por aí impõe o grande sofrimento ao outro. MVR1: Livro IV §65 Porém, este também nasce de um segundo e imediato conhecimento intimamente associado àquele primeiro, a saber, o da força com a qual a Vontade de **vida** se afirma no indivíduo mau e vai muito além de seu **fenômeno** individual até a completa negação da mesma Vontade que aparece em outro indivíduo. MVR1: Livro IV §65 Reconhece a si como **fenômeno** concentrado da Vontade de **vida**, sente até que ponto está entregue à **vida** e com isto aos inumeráveis sofrimentos essenciais a esta, pois possui tempo sem fim e espaço sem fim para suprimir a diferença entre possibilidade e efetividade e, assim, transformar todos os tormentos até agora por ele meramente conhecidos em tormentos sentidos. MVR1: Livro IV §65 Ao contrário, pelo seu modo de ação, o homem justo mostra que reconhece sua essência, a Vontade de **vida** como coisa-em-si, também no **fenômeno** do outro dado como mera representação, portanto reencontra a si mesmo nesse **fenômeno** em um certo grau, ou seja, desiste de praticar a injustiça, isto é, não inflige injúrias. MVR1: Livro IV §66 Está livre da perfídia com a qual a Vontade de **vida**, desconhecendo-se a si, aqui em um indivíduo goza volúpias efêmeras e enganadoras, acolá em outro padece por isso na miséria e, dessa forma, inflige e suporta o tormento sem reconhecer que, como Tiestes, devora faminta a própria carne, e lamenta aqui o sofrimento imerecido, enquanto acolá comete crimes sem o menor pudor diante de Nemesis, sempre porque desconhece a si no **fenômeno** de outrem e, portanto, não percebe a justiça eterna, pois está enredada no principio individuationis, logo, no modo de conhecimento guiado pelo princípio de razão. MVR1: Livro IV §66 Quando às vezes em meio aos nossos duros sofrimentos sentidos, ou devido ao conhecimento vivo do sofrimento alheio e ainda envoltos pelo Véu de Maya o conhecimento da nulidade e amargura da **vida** se aproxima de nós e gostaríamos de renunciar decisivamente para sempre ao espinho de suas cobiças e fechar a entrada a qualquer sofrimento, purificar-nos e santificar-nos, logo a ilusão do **fenômeno** nos encanta de novo e seus motivos colocam mais uma vez a Vontade em movimento. MVR1: Livro IV §68 Por outros termos, não mais adianta amar os outros como a si mesmo, por eles fazer tanto, como se fosse por si, mas nasce uma repulsa pela essência da qual seu **fenômeno** é expressão, vale dizer, uma repulsa pela Vontade de **vida**, núcleo e essência de um mundo reconhecido como povoado de penúrias. MVR1: Livro IV §68 A castidade, assim, nega a afirmação da Vontade que vai além da **vida** individual, e anuncia que, com a **vida** deste corpo, também a Vontade, da qual o corpo é **fenômeno**, se suprime. – MVR1: Livro IV §68 Quem atingiu um tal patamar ainda sempre sente – como corpo animado pela **vida**, **fenômeno** concreto da Vontade – uma tendência natural à volição de todo tipo, porém a refreia intencionalmente, ao compelir a si mesmo a nada fazer do que em realidade gostaria de fazer; ao contrário, faz tudo o que não gostaria de fazer, mesmo se isto não tiver nenhum outro fim senão justamente o de servir à mortificação da Vontade. MVR1: Livro IV §68 A **vida** com suas figuras flutuam diante dele semelhante a um **fenômeno** fugidio, semelhante ao sonho matinal e ligeiro de um semidesperto que já entrevê a realidade e não pode mais ser enganado; igual ao que ocorre neste sonho matinal, a **vida** com suas figuras desaparecem, sem transição violenta. MVR1: Livro IV §68 Pois, visto que o corpo é a Vontade mesma apenas na forma da objetidade ou como **fenômeno** do mundo como representação, segue-se que toda a Vontade de **vida** existe segundo sua possibilidade enquanto o corpo viver, sempre esforçando-se para aparecer na realidade efetiva e de novo arder em sua plena intensidade. MVR1: Livro IV §68 Em verdade, muitas tragédias ao fim levam seus heróis, violentamente desejosos, a este ponto de completa resignação, quando então, via de regra, findam simultaneamente a Vontade de **vida** e o seu **fenômeno**. MVR1: Livro IV §68 Porém, o sofredor se torna por inteiro digno de reverência quando, ao mirar o decurso de sua **vida** como uma cadeia de sofrimentos, ou como uma dor intensa e incurável, não se detém propriamente no encadeamento das circunstâncias que justamente envolveram a sua **vida** no luto, nem na grande desgraça particular que o atingiu – pois até então seu conhecimento ainda seguia o princípio de razão e aderia ao **fenômeno** individual; ele ainda sempre quer a **vida**, apenas não nas condições que lhe foram oferecidas – porém efetivamente só se torna digno de reverência quando seu olhar se eleva do particular ao universal, quando considera o próprio sofrimento apenas como exemplo do todo e, assim, para ele, na medida em que, em sentido ético se tornou genial, um caso vale por mil; por conseguinte, o todo da **vida** apreendido como sofrimento essencial o conduz à resignação. MVR1: Livro IV §68 Pois encontramos acima que à Vontade de **vida** a **vida** é sempre certa, e sua única forma verdadeira é o presente, ao qual nunca escapa, por mais que nascimento e morte governem no **fenômeno**. MVR1: Livro IV §68 A grande diferença ética dos caracteres tem a seguinte significação: a pessoa má se encontra infinitamente distante de atingir o conhecimento a partir do qual provém a negação da Vontade e, por conseguinte, é em verdade efetivamente presa de todos os tormentos que aparecem na **vida** como possíveis, pois até mesmo o estado atual e feliz de sua pessoa nada é senão um **fenômeno** intermediado pelo principium individuationis, ilusão de Maya, sonho feliz de um mendigo. MVR1: Livro IV §68 Nada mais difere tão amplamente da negação da Vontade de **vida** exposta suficientemente nos limites do nosso modo de consideração, e que constitui o único ato de liberdade da Vontade a entrar em cena no **fenômeno**, portanto é, como Asmus a define, a mudança transcendental, do que a efetiva supressão de seu **fenômeno** individual, na efetividade, pelo suicídio. MVR1: Livro IV §69 Quando destrói o **fenômeno** individual, ele de maneira alguma renuncia à Vontade de **vida**, mas tão-somente à **vida**. MVR1: Livro IV §69 A Vontade de **vida** mesma é encontrada nesse **fenômeno** particular tão fortemente travada, que não pode desdobrar o seu esforço. MVR1: Livro IV §69 Como à Vontade de **vida** a **vida** é sempre certa e a esta o sofrimento é essencial, o suicídio, a destruição arbitrária de um **fenômeno** particular é uma ação inútil e tola, pois a coisa-em-si permanece intacta como o arco-íris imóvel em meio à rápida mudança das gotas, que por instantes são o seu sustentáculo. MVR1: Livro IV §69 Entretanto, se um homem, a partir de puros motivos morais, devesse guardar-se do suicídio, o sentido mais íntimo deste auto-ultrapassamento (não importa os conceitos com os quais sua razão o vista) seria o seguinte: “Eu não quero evitar o sofrimento, pois este pode contribuir para a supressão da Vontade de **vida**, cujo **fenômeno** é tão cheio de penúria; o conhecimento agora em mim já despertado da essência verdadeira do mundo é fortalecido e se torna o quietivo final da minha vontade e, assim, me redime para sempre”. MVR1: Livro IV §69 A vontade do indivíduo se reconhece imediatamente nas crianças, todavia, enredada na ilusão que envolve o **fenômeno** como se fosse a essência em si e, ademais, profundamente abalado pelo conhecimento da miséria de toda **vida**, acredita que, ao suprimir o **fenômeno**, também suprime a essência mesma; portanto, deseja resgatar-se e aos seus filhos, nos quais vê imediatamente a si viver, da existência e de suas penúrias. – MVR1: Livro IV §69 Pois, se a Vontade de **vida** existe como o exclusivo metafísico ou a coisa-em-si, violência alguma pode quebrá-la, mas tão-somente destruir seu **fenômeno**, neste lugar, neste tempo. MVR1: Livro IV §69 Ora, como o mero **fenômeno**, na medida em que é um membro na cadeia das causas, ou seja um corpo dotado de **vida**, continua a existir no tempo, que contém apenas fenômenos, a Vontade, que se manifesta através desse **fenômeno**, entra desse modo em contradição consigo mesma, pois nega o que o **fenômeno** expressa. MVR1: Livro IV §70 Contudo, ao mesmo tempo, cada um não se reconhece, com crítica filosófica e clareza de consciência, como **fenômeno** determinado desta Vontade já surgido no tempo, ou seja, poder-se-ia assim dizer, como um distinto ato volitivo daquela Vontade de **vida** mesma e, por isso, em vez de reconhecer toda sua existência como ato de sua liberdade, ao contrário, antes procura a esta em suas ações particulares. MVR1: Apêndice §71 Só este seria o caminho direto para o conhecimento daquilo que não é **fenômeno**, consequentemente também não é encontrado segundo as leis do **fenômeno**, mas é aquilo que se manifesta pelo **fenômeno**, torna-se cognoscível, objetiva-se, a Vontade de **vida**. MVR1: Apêndice §71