====== Teoria narrativa da identidade pessoal ====== //Corsi, 2008// No amplo espectro das teorias sobre a identidade pessoal, podemos reconhecer, em primeiro lugar, teorias narrativas e teorias não narrativas. Aqui, trataremos apenas das primeiras. Por uma questão de simplicidade e da forma mais inclusiva possível, agrupamos essas teorias em uma abordagem que definiremos como “narrativismo”. Com este termo, nos referimos à linha de pesquisa sobre identidade pessoal que atribui importância metodológica e epistemológica a um critério baseado na narrativa. Em termos muito gerais, uma teoria narrativa da identidade pessoal defende a existência de uma certa relação: (a) entre os caracteres da nossa experiência e os próprios de um relato; (b) entre a narração e a constituição do eu. (a) De acordo com o tipo de conexão entre experiência e relato, distinguimos pelo menos duas concepções. (i) Quando a ligação é considerada necessária, temos teorias que podemos chamar de “perceptualistas”, cujos defensores acreditam que o mundo chega ao sujeito já dotado das características do relato e que, portanto, os relatos são inseparáveis da experiência individual. Isso significa que, “seja o que for a ‘vida’, ela dificilmente é uma sequência de eventos isolados sem estrutura” e essa estrutura, já presente na percepção, não pode deixar de ser narrativa. (ii) Se, por outro lado, a ligação entre a vida e a narrativa é considerada contingente, temos teorias que podemos chamar de “construtivistas”, segundo as quais a forma narrativa surgiria após a experiência e constituiria um dos possíveis modelos de interpretação, ou instrumentos cognitivos, à nossa disposição para refletir sobre nossas vidas. Portanto, se a vida possui alguma estrutura narrativa, é aquela que impusemos a posteriori a uma existência que, de outra forma, seria desprovida dessa organização. (b) Em geral, toda teoria narrativa coloca a história de vida em uma relação mais ou menos direta com o eu. De acordo com a versão forte do narrativismo, a história de vida e o eu estão necessariamente ligados: uma pessoa cria sua identidade formando a história de sua vida. De acordo com a versão fraca, porém, não há relação exclusiva: a identidade de uma pessoa também surge de sua história de vida. De ambos os casos, no entanto, deriva a tese de que o eu é um eu “narrativo” (pelo menos em parte), ou seja, um eu equivalente a, ou produto de, uma história de vida (pelo menos em parte). Nesse sentido, portanto, as teorias narrativas são teorias antirrealistas em relação ao eu. Isso significa que o eu não é algum tipo de “substância” espiritual ou material, mas uma criação, pelo menos em alguns de seus aspectos. Um exemplo de teoria narrativa nessa direção, talvez a mais radicalmente antirrealista sobre o eu, foi oferecido recentemente por Daniel Dennett. Segundo o filósofo, assim como uma aranha tece sua teia e o castor constrói sua represa, o cérebro de todo Homo sapiens normal fabrica uma rede de palavras e atos, especialmente narrativos. As histórias que contamos sobre nós mesmos são tecidas, mas na maioria das vezes não somos nós que as tecemos: “Nossa consciência humana — e nossa individualidade narrativa — é um produto delas, não sua fonte”. Esses fluxos narrativos levam os interlocutores a postular um agente unitário ao qual pertencem e ao qual se referem as palavras, um centro de gravidade narrativa, nada mais do que uma abstração. Esse personagem fictício é o nosso eu, e tentar saber o que realmente é o eu, independentemente do que é arquitetado na linguagem verbal, significa cometer um erro categórico. As perspectivas teóricas antirrealistas tornaram-se rivais sérias das concepções realistas do eu, segundo as quais o eu existe independentemente de nossas teorias, descrições ou histórias, possuindo uma natureza própria que pode ser descrita, mas não criada, em nossas interlocuções. Isso, naturalmente, não implica que o antirrealismo das teorias narrativas deva ser tão monolítico quanto o de Dennett: a ideia de que o eu é (em certa medida) uma narrativa pode ser sustentada em múltiplas versões, que variam no grau de antirrealismo. Existem, portanto, teorias narrativas que são compatíveis com o realismo e outras que não são; mas também existem teorias medianas que rejeitam um realismo forte do eu, embora aceitem alguns pressupostos realistas. Em conclusão, as teorias não narrativas da identidade pessoal devem ser incluídas na nossa classificação, pelo menos no que diz respeito às franjas em contraste direto com o narrativismo. De facto, pertencem às teorias não narrativas concepções explicitamente antinarrativas, que negam qualquer relação entre a narrativa e a constituição do eu.