====== Michel Henry (Marx) – o humanismo propriamente dito ====== Henry, Michel. Marx. vol. I. Una filosofía de la realidad. - 1a ed. - Buenos Aires : Ediciones La Cebra, 2011. * A crítica do naturalismo em Marx não se esgota numa negação formal da teologia, mas pretende enunciar positivamente o ser como sendo precisamente o gênero humano (//Gattung//); contudo, dada a vacuidade empírica do conceito feuerbachiano de gênero e a incapacidade do materialismo naturalista em fundamentar a idealidade pura, Marx recorre implicitamente à ontologia hegeliana para definir o gênero, transformando o humanismo dos //Manuscritos de 1844// num subproduto do idealismo especulativo onde a relação entre homem e natureza, mediada pela relação entre homem e homem, revela-se como a estrutura fundamental da realidade. * A interpretação da relação natural imediata entre homem e mulher como a relação genérica por excelência, tomada de Ludwig Feuerbach, estabelece a identidade originária entre humanismo e naturalismo, onde a natureza humanizada aparece como a essência do homem e vice-versa; todavia, essa relação sensível só adquire dignidade filosófica na medida em que o Tu figura como o deputado do gênero e o Eu como o representante do universal, demonstrando que a intersubjetividade concreta é, na verdade, a abertura para o universal que habita o indivíduo e define sua vida interior como um diálogo consigo mesmo à luz da espécie. * A redução da relação intersubjetiva à relação com o gênero e com o processo de autoafirmação do universal reproduz a lógica da dialética hegeliana do reconhecimento, onde a luta de vida ou morte não ocorre entre indivíduos empíricos, mas no interior do indivíduo como um conflito entre a vida e a consciência, visando provar que o ser é espírito e não simples vida biológica; essa negação da vida como devir-para-si do universal constitui a fundação transcendental da objetividade, sobredeterminando o conceito feuerbachiano de gênero com a ontologia da negatividade e fazendo da relação homem-natureza um momento da manifestação da razão. * O fundamento ontológico da identidade entre naturalismo e humanismo reside na tese de que a objetividade descansa sobre a intersubjetividade, a qual, por sua vez, é constituída pela objetivação da consciência de si; remontando à teosofia de Jacob Boehme e à sua apropriação por Feuerbach, a autodiferenciação de Deus ou da consciência, que se põe a si mesma como objeto (o Filho ou o Outro), revela que o primeiro objeto do homem é o homem e que a natureza só é percebida como mundo através da separação original do homem de si mesmo, confirmando que o princípio criador da realidade é o ato do pensamento objetivo. * A apropriação marxiana da ontologia hegeliana em 1844 manifesta-se na concepção do trabalho como a essência revelada do homem, entendido não como atividade econômica empírica, mas como o processo metafísico de objetivação (//Vergegenständlichung//) e negatividade, através do qual a consciência se exterioriza e se reencontra no produto como sua própria obra; assim, o homem é o resultado do seu próprio trabalho na medida em que a natureza produzida é a exibição das forças genéricas essenciais, e a relação ativa do homem consigo mesmo como ser genérico só é possível através dessa criação de um mundo objetivo que espelha sua essência. * A distinção ontológica entre o homem e o animal fundamenta-se na estrutura da consciência como oposição e distanciamento: enquanto o animal se identifica imediatamente com sua atividade vital, o homem faz da sua atividade vital o objeto de sua vontade e consciência, o que define o seu caráter genérico como atividade livre e consciente; consequentemente, o primeiro conceito de alienação nos //Manuscritos// é definido como a inversão dessa hierarquia ontológica, onde a vida genérica e consciente é degradada a um simples meio para a manutenção da existência física, animalizando o humano. * O trabalho genérico, em oposição à produção unilateral do animal sob o império da necessidade física imediata, caracteriza-se pela universalidade e pela liberdade, pois o homem produz segundo as leis de qualquer espécie e aplica ao objeto a sua medida inerente, inclusive as leis da beleza; ao criar um mundo objetivo, o homem duplica-se não apenas intelectualmente, mas ativa e realmente, contemplando-se a si mesmo num mundo por ele criado, o que faz do objeto do trabalho a objetivação da vida genérica e a confirmação da essência humana como relação com o universal. * O segundo conceito de alienação decorre da perda do objeto do trabalho: ao ser despojado do produto de sua criação, o homem é privado não apenas de um meio de subsistência, mas da sua própria objetividade genérica, da sua essência realizada e da natureza como seu corpo inorgânico; essa privação é ontologicamente catastrófica porque, no horizonte hegeliano assumido por Marx, o ser do homem reside na sua exteriorização objetiva, e a perda do objeto equivale à perda do Si mesmo (//Selbstverlust//), embora a distinção entre objetivação (positiva) e alienação (negativa) — introduzida posteriormente por Georg Lukács — permaneça prisioneira do quadro metafísico que define a realização humana como externalização. * Na hipótese da abolição positiva da propriedade privada, a produção não alienada revela-se como o ato em que o homem produz o homem, a si mesmo e ao outro, num sentido rigorosamente ontológico: ao criar um objeto que expressa a sua essência genérica e satisfaz a necessidade do outro, o indivíduo objetiva a sua existência para o outro e a existência do outro para si, tornando-se o mediador entre a espécie e o indivíduo; o objeto torna-se assim social e humano, não apenas por sua utilidade, mas por ser o veículo da essência universal, permitindo a emancipação total dos sentidos, onde o olho se torna um olho humano e o objeto um objeto social. * A sociedade é compreendida não como uma coleção empírica de indivíduos, mas como a realização plena da unidade essencial do homem com a natureza, o lugar onde a essência humana da natureza existe para o homem social e onde o naturalismo e o humanismo se realizam mutuamente; o indivíduo é definido como um ser social (//Gemeinwesen//) e uma totalidade ideal, cuja vida individual é apenas uma manifestação particular da vida genérica, de modo que a sua própria existência, mesmo na atividade solitária do pensamento, é uma atividade social; em última análise, o conceito de "social" em Marx e no marxismo subsequente não designa uma realidade sociológica empírica, mas a metafísica do universal hegeliano, o Espírito Objetivo que chegou à sua plena autoconsciência e transparência.