====== Síntese da filosofia de Hamann ====== (Flaherty1979) Em //Poesia e Verdade//, Goethe caracteriza o pensamento de Johann Georg Hamann da seguinte forma: //"Tudo o que o homem se propõe a realizar — seja por ação, palavra ou outro meio — deve emanar da união de todas as suas faculdades. Tudo o que é fragmentário carece de valor!"// Essa conhecida síntese da filosofia hamanniana pode ser considerada feliz, desde que se reconheçam suas limitações. Seria um grave erro concluir, a partir dessa formulação, que a ideia de //"homem integral"// em Hamann possa ser compreendida à parte de seus pressupostos teológicos. É verdade que a noção de //"das Ganze"// (a totalidade) ocupa o centro de seu pensamento, mas tal completude só pode ser alcançada em resposta ao //Logos// — a revelação divina. De modo algum o homem é capaz de harmonizar, por seus próprios recursos, os elementos frequentemente díspares e contraditórios de sua natureza. A fala de Deus ao homem nunca se dirige apenas ao intelecto (como queriam os deístas da época) ou exclusivamente ao sentimento (como pregavam os pietistas contemporâneos), mas **a ambos simultaneamente**. Ao atingir a plenitude pela resposta à iniciativa divina, o homem pode agir — dentro do humanamente possível — //"com todas as suas faculdades unidas"//. Sob essa ótica, Goethe inverteu o princípio de Hamann, pois o **teocentrismo** deste exige que Deus, não o homem, seja entendido como fonte da harmonia. Isso não significa que Hamann fosse determinista ou que negasse ao homem o poder real de agir. Significa, sim, que sua resposta à iniciativa divina em todas as esferas da vida é decisiva. É a **imagem de Deus no homem** — não totalmente obliterada pela Queda — que lhe permite escolher como responderá ao //Logos// divino. Uma vez compreendido que a ideia hamanniana de totalidade deriva da **condição criatural do homem** (e não de qualquer ideal humanista, que pressupõe a autonomia humana), pode-se tratar o conceito como central em seu pensamento. Só então se entenderá sua concepção particular de //"das Ganze"//, à qual ele frequentemente atesta com afirmações como: * //"Minha mente parece não compreender nada tão bem quanto o todo"// (3, 103); * //"Antes nada do que pela metade"//; * //"Fazer nada ou tudo; o medíocre é minha antipatia"// (1, 202); * //"O caráter de cada parte depende, em última instância, do todo"//. Embora tais declarações positivas sobre a totalidade apareçam com relativa frequência nos escritos do //Magus//, são suas críticas negativas que melhor ilustram sua concepção do ser humano integrado. Nelas, ele ataca **o efeito desintegrador da razão** sobre a mente humana com veemência: * //"Os filósofos sempre concederam à verdade uma carta de divórcio, separando o que a natureza uniu — e vice-versa"// (//Ideias e Dúvidas Filológicas//, 1772; III, 40). Com linguagem ainda mais contundente, descreve tal separação como uma //"cisão violenta, injustificada e arbitrária do que a natureza ligou"//. Nessas críticas, Hamann não apenas condena os efeitos fragmentadores do raciocínio excessivo no indivíduo, mas também seus impactos na sociedade. Chega a comparar essa propensão da razão ao //"ácido nítrico da mais alta potência"// (IV, 414).