====== Ser humano e pensar ====== (Groddeck1991) Ora, o alemão //Mann// (homem) provém da raiz //men-//, que, segundo dizem, significa //pensar//. Consequentemente, //Mensch// (ser humano) — pelo menos o ser humano masculino — seria a criatura viva que pensa: o organismo bissexual, portador de ambas as idades, dotado da faculdade de pensar. E eis que subitamente nos deparamos com o fundamento de nossa cultura atual, de toda nossa filosofia, ciência, religião, concepção de vida e conduta de vida: o ser humano pensa, só ele pensa, nenhuma outra criatura o faz; dúvidas como "se os animais, as plantas, ou mesmo os átomos, íons e elétrons também não pensariam", ou ainda "se o pensamento não estaria aí para impedir todo conhecimento", não têm significado em nossa vida; brincamos com essas dúvidas, nada mais. No entanto, essas dúvidas existem e se fortalecem cada vez mais; em todos os domínios da vida, surgem questionamentos sobre essa tirania do pensamento. E isso vem a calhar para nós, místicos, quando os etimologistas afirmam: o alemão //denken// (pensar), originalmente, significa "fazer com que algo pareça", não se ocupando da verdade, mas sim de fazer parecer verdadeiro aquilo que lhe convém. Não se trata, para mim, de criticar a atividade designada pelo alemão //denken// — que o francês //réfléchir// (do latim //flectere//, "curvar, dobrar") traduz com pertinência. Ninguém chegaria ao ponto de ignorar o que o ser humano deve ao pensamento. Mas que sabedoria do inconsciente da língua, ter reconhecido, há milênios, o caráter unilateral, intencional, plenamente subjetivo e dogmático dessa função humana! A língua permaneceu leal: ela deixa claro que o pensamento (//mental//) busca nos //mentir//; e somos nós que nos tornamos desleais no uso da língua quando chamamos o pensamento de "puro". Alegro-me que o alemão //Mensch// (ser humano) não se relacione a //Denken// (pensar), mas a //Meinen// (ter uma opinião/sentimento); ter um sentimento é possível com total lealdade; já no pensamento reflexivo reside o engano, para forçar decisões e vantagens. E isso não deixa dúvidas: nós, europeus, já pensamos/refletimos o suficiente — seria bom voltarmos ao sentimento.   A arte, por vezes, tentou representar o ser humano pensando/refletindo; o que essas representações intencionais têm em comum é a dificuldade que, segundo a arte, custa pensar/refletir. Na maioria das vezes, aquele que pensa/reflete é retratado sentado, curvado e visivelmente ocupado, interrompendo tudo para extrair algo de si mesmo (figura acima). Para que não se confunda com outro processo cotidiano — o parto, por vezes árduo —, mas sim com um labor do crânio, apoia-se a cabeça com o queixo na mão, como se fosse pesada. A mesma certeza de que se trata de uma atividade não abdominal vem do cruzamento das pernas: o orifício em questão está bloqueado. A arte, assim como a língua, vê esse pensar como deliberadamente unilateral; ele não aspira tanto à verdade, mas sim a dar ao refletido a aparência de verdade. Em Florença, vê-se uma escultura de Michelangelo que o povo batizou de //Il Pensiero// (figura acima); é a estátua do túmulo do jovem Lourenço de Médici. Costumamos traduzir o italiano //pensare// para o alemão como //denken//, mas duvido que um alemão chamaria esse monumento de //Der Gedanke// (O Pensamento). Lourenço, de fato, também está sentado, com o queixo apoiado na mão, mas não há traço da tensão que a arte moderna usa para distinguir o homem que reflete; o italiano //pensare// (do latim //pendere//, "pender") exclui a intencionalidade inerente ao ato de reflexão — é antes um "pesar", a cabeça não está tanto apoiada quanto sustentada, para evitar que balance como um pêndulo. A reflexão, hoje, pratica-se em toda parte, não só entre os povos germânicos; ela é inerente a essa autoafirmação que acompanha a palavra e a noção de //eu// — e que, linguisticamente, já se traduz pelo fato de a desinência verbal não bastar para designar a pessoa, exigindo-se o pronome ("eu, tu, ele"). Como se o //eu//, por si só, não fosse suficientemente poderoso, para o bem e para o mal; como se dividir o universo entre "natureza" e "ser humano" engrandecesse o homem — quando ele mesmo permanece um pedaço da natureza. Quanto mais vehementemente desejamos explorar com exatidão um universo fora de nós, mais profundamente nos tornamos escravos do //eu//. Que eu saiba, nem gregos nem romanos conheciam essa reflexão implícita no alemão //Denken//. Um dos termos gregos, por exemplo, é //noeo// (perceber, conhecer), da raiz //sneuo-// (fazer sinal). Os latinos têm //cogitare// = //co-agitare// (agitar, impelir, agir juntos). Nessas línguas, portanto, expressa-se algo diferente do alemão //denken//. E as línguas românicas modernas tiveram de emprestar ao verbo //pensare// ("pensar") a conotação de //denken// (fazer parecer), sem conseguir completamente, ao que parece. O inglês //to think// é uma forma mista, derivada do alemão //denken// e //dünken// (supor). O significado antigo de //denken// (despertar a aparência) sobrevive no alemão //Dünkel// (presunção, arrogância). O alemão //Mensch// indica que o ser humano é tal não porque pensa (//denken//, em alemão), mas porque é sujeito ao sentimento (//meinen//, em alemão), porque seu sentimento, sinceramente, é ser um //eu//, porque, sinceramente, por todas as fibras do seu ser, ele sente que se ergue, autônomo, diante da natureza, como um homem, um verdadeiro homem, com a potência da ereção e da fecundação, com a crença de ser o mestre da natureza. O ser humano é sujeito ao sentimento, e isso é tudo. A raiz do alemão //Mensch// (ser humano) é //men-//, que remete à ideia de sentir (//meinen//, em alemão). “Meu é o universo, minha é a obra, minha é a ação” — não é magnífico que o ser humano sinta assim, e experimente assim, e fale assim? É sobre essa crença no //eu// que repousa o universo humano; e somente quem acredita no próprio //eu// pode ser sujeito ao sentimento, somente quem ousa dizer: este é o meu sentimento. Pois o possessivo alemão //mein// (meu), //mien//, eu também faço remontar à raiz //men-//, embora, de fato, sem ter autorização da etimologia para isso.