====== Mente (mens) ====== (Groddeck1991) Poucas raízes são tão complacentes e dóceis a um ouvido fantasioso quanto esta raiz //men-//, //man//. Eis aqui, imediatamente, a palavra latina //mens// (grego //menos//, gótico //muns//), tão empregada e em sentidos tão múltiplos (espírito, alma, inteligência, gênio, pensamento, projeto, memória, caráter, sentimento, sentido, significação), com todos os seus derivados, que são tão úteis, especialmente nas ciências — por exemplo, //mental//, //demência// —, ainda que ninguém mais se preocupe em decifrar seus significados. Os ingleses formaram dela sua palavra enigmática — enigmática para um estrangeiro, pelo menos — //mind// (lembrança, memória), tornando assim o segredo das noções //alma-espírito// ainda mais inacessível; os gregos (//mimnesko//) e os latinos (//reminiscere//) derivam dela //lembrança//, //memória//, o que os escandinavos ainda fazem hoje em sua palavra //Minne//. Basta pensar no papel que desempenha, na ciência, a teoria da memória orgânica! Nós, alemães, abandonamos esse significado, mas, em troca, acrescentamos todo o infinito domínio do amor casto entre homem e mulher — //Minne// (amor cortês, cf. //Minnesänger//) —, enquanto os holandeses ainda incluem nela uma parcela de sexualidade. Contra a tentativa de aproximar o alemão //gemein// (comum; inglês //mean//, latim //communis//) da raiz //man-//, //men-//, a etimologia resiste, e com razão, ao que parece. E derivar o alemão //mein// (falso, mentiroso; //Meineid// — perjúrio) dessa raiz //man-//, //men-// seria mesmo um desvario. Mas e o grego //menis// (cólera)? Para a Antiguidade, a cólera não era, evidentemente, sinal de desrazão; o grego //thymos// — que o alemão traduz, felizmente, por //Gemüt// (humor, temperamento) — o prova. Há uma ligação entre //thymos// (humor, traços do caráter) e o latim //fumus// (fumaça). No grego //thymos// ressoa o fogo da paixão; e no alemão //Gemüt//, //Mut// (coragem). Os gregos nos reservam outra surpresa: para significar o furor que possui (alemão //rasen//), eles usavam //mainomai//, e todos os etimologistas parecem concordar em derivar //mainomai// do radical //man-//, //men-//. Ora, com essa palavra, //mainomai//, está também conectado o grego //mantis// (adivinho, vidente). Quem não se lembraria do cego Tirésias? Os latinos têm a palavra //vates// (adivinho, oráculo); o alemão //Wut// (fúria) está ligado a //vates//, enquanto o latim //haruspex// (arúspice) conduz ao alemão //Seher// (vidente). Coisa estranha! O sentimento da Antiguidade exige, para a sabedoria suprema, o furor; os povos nórdicos, a vidência; ambos, o //dizer// (grego //prophetes// — predizer). Será que a ligação entre //furor//, //ver// e //dizer// é mais estreita do que se costuma crer? Vejamos se o artista que, certamente, foi possuído pelo furor, e vidente, e profeta — se Michelangelo, em suas imagens de profetas e sibilas, nos daria uma resposta suficiente. Primeiro, nenhum desses seres tem as pernas cruzadas, nenhum apoia a cabeça, nenhum //pensa/reflete// — todos //sabem//, por si mesmos ou por livros; em Jeremias, cuja posição à parte — como a da sibila persa — é acentuada pelas figuras já púberes que o rodeiam, poder-se-ia pensar que ele apoia a cabeça, mas ele apenas fecha a boca e se impede de falar: é mais um vidente que lamenta do que um profeta. Todos compartilham a paixão — Ezequiel está até mesmo irado —, todos estão em //furor//. Isso se expressa no rosto e no movimento, e algo mais se acrescenta, que indica o furor com ainda mais força: o //vento//, que sopra sobre eles como uma tempestade e faz suas cabeleiras flutuarem. O que significa esse vento? Será a tempestade cujo turbilhão arrebata o Deus criador de Michelangelo, quando ele separa a terra do firmamento, ou quando quer despertar o homem à vida? Ou será o sopro que ele insufla para dar vida? Mas, infelizmente, a arte de Michelangelo não responde à //questão das questões//, que hoje, como há milênios, volta a brincar com os seres humanos em sua busca por um sentimento: a questão da //alma// e do //espírito//. Quem usa essas palavras para construir teorias sobre um e outro espero que saiba o que quer dizer com elas — mas só posso fundar essa esperança na disposição para a benevolência humana a que meu século me acostumou. Pois vejo em ação apenas a mais desesperadora confusão entre as noções que deveriam estar ligadas a essas palavras, e essa confusão só se agrava com a introdução de termos gregos e latinos.