====== Reflexão sobre passagem da Fenomenologia do Espírito ====== Reflexão sobre Hegel (Gaboriau1965) 1. O texto pertence à 4ª Seção da Fenomenologia (O Espírito), vindo após Consciência, Autoconsciência e Razão, e antes de Religião e Saber Absoluto. "A razão (Vernunft) é espírito (Geist) quando sua certeza de ser toda realidade (Realität) se eleva à verdade e ela tem consciência de si mesma como de seu mundo, e do mundo como de si mesma" (ibid., p. 9, retocado). Introdução no "mundo ético" (sittliche Welt) no qual são examinadas "a lei humana e a lei divina, o homem e a mulher". 2. Destacar uma passagem característica sobre a morte: "esta universalidade que o singular como tal alcança é o puro ser, a morte; é aí o ser-tornado (Gewordensein) natural imediato, e não a operação de uma consciência. O dever de um membro da família é portanto acrescentar também este aspecto (diese Seite), de modo que seu ser último, este ser universal, não pertença apenas à natureza (der Natur angehöre) e permaneça assim algo de irracional (Unvernünftiges), mas que isso passe nele legitimamente como algo operado (ein getanes) e o próprio direito da consciência" (ibid., p. 20, retocado; grifos de Hegel). 3. A passagem ao universal se realizando a partir do singular, este último se encontra de certa forma negado, já que não há substância onde encontraria sua autêntica realização concreta. //"No lar do reino ético, não se trata deste marido, desta criança, mas de um marido em geral, das crianças em geral. Não é na sensibilidade, mas no universal que se fundam estas relações da mulher."// Entretanto, assim o exigem "os costumes" da época, o quadro deste universal permanece estreitamente formado. Um pouco adiante, J. Hyppolite observa: "o texto é um pouco obscuro; o pensamento no entanto nos parece bastante simples. A vida ética da mulher está no lar" (ibid., p. 25). Hegel: "a feminilidade está ligada a estes penates" (ibid., p. 24). 4. Perigoso apelo ao governo (Regierung) para que "sacuda de tempos em tempos com guerras" o espírito que adormece no particular (durch die Kriege zu erschüttern). 5. Citamos aqui, por sua atualidade e sabedoria, o ponto de vista de R. Aron. R. Aron estima que é "possível dar um sentido ao devir político no interior dos Estados", e é precisamente aquele que demos ao ser político, a saber "fundar o poder no consentimento, assegurar a proteção das liberdades individuais por leis, criar condições tais que todos os membros da coletividade participem ao mesmo tempo dos bens da cultura e da cidade." (Paz e Guerra entre as Nações, Calman-Lévy, 1962, p. 765). Por outro lado, e concedendo que "ao longo dos séculos o homem acede à humanidade, a dignidade de cada um é reconhecida por todos, o império da lei permite a todos viver segundo a razão", ele escreve isto: //"Entre as nações, percebemos o menor sinal de que o devir tenha um sentido? Que os Estados estejam dispostos a renunciar ao direito de fazer justiça ? Que os Grandes estejam mais inclinados no século XX depois, que no século XX antes de Cristo, a respeitar os Pequenos e não abusar de sua força? O que é mais grave, é que a consciência comum me parece, hoje ainda, pronta a subscrever à fórmula (que se pode julgar sublime ou ignóbil) right or wrong my country antes que aos imperativos sem os quais a paz pela lei ou a federação mundial não passa de uma perigosa utopia." (ibid., p. 765).// É claramente e lealmente reconhecer que o devir não tem um sentido assegurado, ou que em todo caso este sentido nos escapa; e é augurar sem dúvida que se um significado existe, é no plano do ser que ele nos é parcimoniosamente dado hic et nunc como perceptível: //"Deixemos a outros, mais dotados para a ilusão, o privilégio de se colocar pelo pensamento no termo da aventura e procuremos não faltar a nenhuma das obrigações impostas a cada um de nós: não se evadir de uma história belicosa, não trair o ideal; pensar e agir com o firme propósito de que a ausência de guerra se prolongue até o dia em que a paz se torne possível — supondo que o seja algum dia" (ibid., p. 770).// Há muita sabedoria nesta modéstia que recusa "se abandonar à utopia e desconhecer as dilacerações de nossa condição" (770). Ela fez, a bem dizer, raciocinar sobretudo como moralista: //"Nada pode impedir que tenhamos dois deveres, que nem sempre são compatíveis, para com nosso povo e para com todos os povos: um de participar dos conflitos que constituem a trama da história e outro de trabalhar pela paz" (770).// E então: //"Como o moralista condenaria o cidadão que se compromete a obedecer às ordens de seu Estado, quaisquer que sejam estas ordens? Se o historiador tem tanta dificuldade, mesmo com o recuo do tempo, para distribuir equitativamente as culpas nos conflitos armados que opõem as coletividades humanas, como um indivíduo, assediado pelas propagandas contraditórias, desprovido de parte das informações, pretenderia julgar? O melhor para ele não é, de uma vez por todas, manter o juramento de fidelidade que fez implicitamente desde o dia em que gozou dos privilégios e da herança que sua pertença a uma coletividade histórica lhe assegurava? Sabemos hoje a que um tal juramento pode nos obrigar. Sabemos também que há circunstâncias em que o moralista como o historiador constata a antinomia, as escolhas contraditórias uns dos outros e se recusa a julgar. O alemão que detestava Hitler mas cumpriu, no exército, seu dever de soldado, o alemão que detestava Hitler e trabalhou pela derrota do III Reich se encontravam em campos opostos embora tivessem, no fundo do coração, as mesmas recusas e as mesmas esperanças. Não há regra geral que permita determinar com certeza onde começa e onde termina o direito individual de rebelião contra um Estado caído nas mãos de um usurpador, contra um regime que trai os valores constitutivos da coletividade" (765-766; convida-se a ler o que segue; e igualmente a página 768).// 5. Ao devir dos Estados, só é possível encontrar um sentido mediante um acoplamento de dialéticas, subtraído a todo controle epistemológico. O mistério de "a sociedade e da história" não se deixa apreender senão na vertical da existência, em Deus, onipresente, como garantia do "poder" em ação (isto é, em ato), mas ignoramos que sentido apresenta e que desfecho comporta, como tal, o próprio devir.