====== Fernandes (SFFC:35) – Mahakaruna ou Grande Compaixão ====== //Se a Iluminação do Buda foi sua Grande Sabedoria, o primeiro resultado disso foi sua Mahakaruna, ou Grande Compaixão.// Como aconteceu, séculos mais tarde, entre os cristãos, estamos, aqui, na origem da Filosofia oriental, no século VI A.C., não como "amizade" à Sabedoria, mas como Sabedoria perturbada pela Compaixão. Sendo a Sabedoria, por definição, imperturbável, sua perturbação pela Compaixão — como, no cristianismo, pelo Amor — é um misterium tremendum. Seu ensino, a missão "professoral" do Mestre, origina-se mil "infernos" abaixo das considerações políticas e moralistas: a compaixão (Karuna) é o que floresce na sabedoria (Prajna, Sambodhi). O móvel não é o dever (o Sollen do nosso Kant), nem o "amor" como devoção (bhakti), nem o "ódio" como centelha produzida pelas lâminas de duas espadas, mas algo que está além do "amor" e do "ódio", infinitamente distante do "dever", algo maior mesmo que o próprio Criador do Mundo. A Filosofia só nasce de equívoco, de quid pro quo, no Ocidente, onde o Sol se põe: Philia? Eros? Agape? Charitas? Ora, a Filosofia, apesar de seu nome, não é uma "atitude" humana para com a Sabedoria, mas a flor da compreensão total do sofrimento. Não se pode olhar e ver o que "é" se estamos interessados, por uma "razão prática", no que "deve ser". Enquanto, no Sábio, a Filosofia é compaixão, no discípulo ela é confiança gerada pelo entendimento (saddha), algo tão distante da "fé" religiosa, quanto da desconfiança hipócrita do ceticismo: "Você deve investigar minhas palavras", diz o Sábio, "não por causa de reverência a mim". Do logos greco-cristão, estamos agora em visita ao Dhamma, ontologicamente anterior a todos os Budas e proclamado como verdade por todos eles. Todas as suas inúmeras acepções derivam de dhr, "princípio", "suporte", "esteio", ou seja, todas as coisas que nos sustentam na nossa vida quotidiana.