====== Arendt (VE) – senso comum ====== Pois, embora nunca tenha havido muito consenso sobre o tema da metafísica, pelo menos um ponto sempre foi tomado como certo: o de que essa disciplina — seja ela chamada de metafísica, seja de filosofia — lidava com objetos que não eram dados à percepção sensorial, e que sua compreensão transcendia o pensamento do **senso comum**, que deriva da experiência sensível e que pode ser validado por meios e testes empíricos. ArendtVE I O Pensar Introdução Assim as ‘estranhas’ noções da nova física (…) (surpreendem) o **senso comum** (…) sem mudar nada em suas categorias”. ArendtVE I O Pensar 2 Contra essa inabalável convicção do **senso comum** há a antiga supremacia teorética do Ser e da Verdade sobre a mera aparência, ou seja, a supremacia do fundamento que não aparece sob a superfície que aparece. ArendtVE I O Pensar 2 O mundo cotidiano do **senso comum**, do qual não se podem furtar nem o filósofo nem o cientista, conhece tanto o erro quanto a ilusão. ArendtVE I O Pensar 3 Para dizer o mínimo, é altamente duvidoso que a ciência moderna, em sua incansável busca de uma verdade por trás das meras aparências, venha a ser capaz de resolver esse impasse; quanto mais não seja porque o próprio cientista pertence ao mundo das aparências, embora sua perspectiva com relação a esse mundo possa diferir da perspectiva do **senso comum**. ArendtVE I O Pensar 3 O que, desde Tomás de Aquino, chamamos de **senso comum**, sensus communis, é uma espécie de sexto sentido necessário para manter juntos meus cinco sentidos e para garantir que é o mesmo objeto que eu vejo, toco, provo, cheiro e ouço; é a “mesma faculdade se estende a todos os objetos dos cinco sentidos”. ArendtVE I O Pensar 7 Eis por que Tomás de Aquino definia o **senso comum**, seu sensus communis, como um “sentido interno” — sensus interior — que funcionava como a “raiz comum e o princípio dos sentidos exteriores” (“Sensus interior non dicitur communis sicut genus; sed sicut communis radix et principium exteriorum sensuum”). ArendtVE I O Pensar 7 Partindo do fato de que essa invisibilidade é compartilhada pela faculdade de pensar e pelo **senso comum**, Peirce conclui que “a realidade tem uma relação com o pensamento humano”, ignorando que o pensamento não só é ele próprio invisível, mas também lida com invisíveis, com coisas que não estão presentes aos sentidos, embora possam ser — e frequentemente são — também objetos sensíveis, relembrados e reunidos no depósito da memória e, assim, preparados para reflexão posterior. ArendtVE I O Pensar 7 Essas observações e sugestões estão baseadas no pressuposto tácito de que os processos do pensamento não são, sob qualquer aspecto, distintos do raciocínio do **senso comum**; o resultado é a velha ilusão cartesiana sob disfarce moderno. ArendtVE I O Pensar 7 O que quer que o pensamento possa atingir e conquistar, é precisamente a realidade, tal como é dada ao **senso comum**, em seu mero estar-aí, que permanece para sempre além de seu alcance, indissolúvel em séries de pensamentos — o obstáculo que os alerta e diante do qual eles cedem em afirmação ou negação. ArendtVE I O Pensar 7 Os processos do pensamento, diferentemente dos processos do **senso comum**, podem ser fisicamente localizados no cérebro e, não obstante, transcendem quaisquer dados biológicos, sejam eles funcionais, sejam morfológicos no sentido de Portmann. ArendtVE I O Pensar 7 O **senso comum** e o sentido de realidade , ao contrário, fazem parte de nosso aparato biológico; e o raciocínio do **senso comum** (que a escola filosófica de Oxford confunde com o pensamento) poderia certamente manter com a realidade a mesma relação que há entre evolução biológica e ambiente. ArendtVE I O Pensar 7 Thorson está certo com referência ao raciocínio do **senso comum**: “Podemos estar falando em mais do que uma analogia; podemos estar descrevendo dois aspectos do mesmo processo”. ArendtVE I O Pensar 7 Foi o pensamento — a reflexão de Descartes acerca do significado de certas descobertas científicas — que destruiu sua confiança de **senso comum** na realidade; seu erro foi esperar que pudesse superar a dúvida insistindo em retirar-se completamente do mundo, ao eliminar cada realidade mundana de seus pensamentos e concentrando-se exclusivamente na própria atividade do pensar (Cogito cogitationes ou cogito me cogitare, ergo sum é a forma correta da famosa fórmula). ArendtVE I O Pensar 7 Mas o pensamento não pode provar nem destruir o sentimento de realidade que deriva do sexto sentido e que foi denominado pelos franceses, talvez por essa mesma razão, de le bon sens, o bom senso; quando o pensamento se retira do mundo das aparências, ele se retira do sensorialmente dado e, assim, também do sentimento de realidade dado pelo **senso comum**. ArendtVE I O Pensar 7 Em outras palavras, a perda do **senso comum** não é nem o direito nem a virtude dos “pensadores profissionais” de Kant; ocorre a todo aquele que pensa em algo; ocorre apenas com mais frequência entre os pensadores profissionais. ArendtVE I O Pensar 7 Qualquer pensador, não importa quão importante seja, permanece “um homem como você e eu” (Platão), uma aparência entre aparências, dotada de **senso comum** e dispondo de um raciocínio de **senso comum** suficiente para sobreviver. ArendtVE I O Pensar 7 Foi o pensamento que permitiu ao homem penetrar nas aparências e desmascará-las como semblâncias, ainda que autênticas; o raciocínio do **senso comum** jamais teria ousado contestar de modo tão radical todas as plausibilidades de nosso aparelho sensorial. ArendtVE I O Pensar 8 Nesse sentido, a ciência é apenas um prolongamento muito refinado do raciocínio do **senso comum**, no qual as ilusões dos sentidos são constantemente dissipadas, como são corrigidos os erros na ciência. ArendtVE I O Pensar 8 O próprio conceito de um progresso ilimitado que acompanhou o despertar da ciência moderna e permaneceu como seu princípio inspirador dominante é o melhor testemunho de que toda a ciência ainda se move no âmbito da experiência do **senso comum**, sujeita ao erro e à ilusão corrigíveis. ArendtVE I O Pensar 8 A transformação da verdade em mera veracidade deriva primeiramente do fato de que o cientista permanece ligado ao **senso comum** através do qual nos orientamos em um mundo de aparências. ArendtVE I O Pensar 8 Em outras palavras, nas teorias científicas, é o raciocínio do **senso comum** que, em última análise, se aventura no âmbito da pura especulação; e a principal fraqueza do **senso comum** nessa esfera sempre foi não possuir as salvaguardas inerentes ao mero pensamento, a saber: sua capacidade crítica que, como veremos, guarda em si uma forte tendência autodestrutiva. ArendtVE I O Pensar 8 Não importa quanto suas teorias se distanciem da experiência e do raciocínio do **senso comum**, elas devem no final retornar a eles de alguma forma, ou perder todo sentido de realidade do objeto de sua investigação. ArendtVE I O Pensar 8 A tecnologia, o trabalho de “encanador” — um tanto desprezado pelo cientista, que vê a aplicabilidade prática como um mero subproduto de seus próprios esforços —, introduz descobertas científicas, feitas em um “insulamento das exigências da vida laica e cotidiana sem paralelo”, no mundo cotidiano das aparências, e torna-as acessíveis à experiência do **senso comum**. ArendtVE I O Pensar 8 Visto da perspectiva do mundo “real”, o laboratório é a antecipação de um ambiente alterado, e os processos cognitivos que usam as habilidades humanas de pensar e fabricar como meios para seus fins são os modos mais refinados do raciocínio do **senso comum**. ArendtVE I O Pensar 8 As questões despertadas pelo desejo de conhecer podem, todas, em princípio, ser respondidas pela experiência e raciocínio do **senso comum**; estão expostas ao erro e à ilusão, corrigíveis da mesma forma que percepções e experiências sensoriais. ArendtVE I O Pensar 8 Mesmo a inexorabilidade do Progresso da ciência moderna — que constantemente se corrige a si própria descartando respostas e reformulando questões — não contradiz o objetivo básico da ciência — ver e conhecer o mundo tal como ele é dado aos sentidos —, e seu conceito de verdade é derivado da experiência que o **senso comum** faz da evidência irrefutável, que dissipa o erro e a ilusão. ArendtVE I O Pensar 8 Mas as questões levantadas pelo pensamento, porque é da própria natureza da razão formulá-las — questões de significado —, são, todas elas, irrespondíveis pelo **senso comum** e por sua sofisticada extensão a que chamamos ciência. ArendtVE I O Pensar 8 A busca de significado “não tem significado” para o **senso comum** e para o raciocínio do **senso comum**, pois é função do sexto sentido adequar-nos ao mundo das aparências e deixar-nos em casa no mundo dado por nossos cinco sentidos. ArendtVE I O Pensar 8 A fonte da verdade matemática é o cérebro humano; e o poder cerebral não é menos natural nem está menos equipado para nos guiar em um mundo que aparece do que o estão nossos sentidos vinculados ao **senso comum** e à extensão daquilo que Kant denominou intelecto. ArendtVE I O Pensar 8 A melhor prova disso pode estar no fato bastante misterioso de que o raciocínio matemático — a mais pura atividade de nosso cérebro e, à primeira vista, em função da abstração que faz de todas as qualidades dadas aos nossos sentidos, a mais distanciada do mero raciocínio do **senso comum** — possa assumir um papel tão desmesuradamente liberador na exploração científica do universo. ArendtVE I O Pensar 8 Ele está certo, mas apenas porque a razão, como faculdade do pensamento especulativo, não se move no mundo das aparências; dessa maneira, ela pode gerar absurdos e ausências de significado, mas não erros ou ilusões, que pertencem propriamente ao âmbito da percepção sensorial e do raciocínio do **senso comum**. ArendtVE I O Pensar 8 Não são apenas as coisas transcendentes do outro mundo que elas nunca atingem; a realidade, dada pela ação conjunta dos sentidos coordenados pelo **senso comum** e garantida pela pluralidade, também se encontra além do alcance daquelas ideias. ArendtVE I O Pensar 8 Sobre o mundo das aparências, que afeta os nossos sentidos bem como a nossa alma e o nosso **senso comum**, Heráclito falou verdadeiramente em palavras ainda não limitadas pela terminologia: “O espírito é separado de todas as coisas” (sophon esti pantón kechórismenon). ArendtVE I O Pensar 9 Todas as questões metafísicas que a filosofia escolheu como tópicos especiais vêm das experiências do **senso comum**; a “necessidade da razão” — a busca de significado que faz com que os homens formulem questões — não difere em nada da necessidade que os homens têm de contar a história de algum acontecimento de que foram testemunhas ou de escrever poemas a respeito dele. ArendtVE I O Pensar 9 E uma vez que qualquer coisa que impeça o pensar pertença ao mundo das aparências e às experiências do **senso comum** que partilho com meus semelhantes e que automaticamente asseguram o sentido de realidade que tenho do meu próprio ser, é como se de fato o pensar me paralisasse, do mesmo modo que o excesso de consciência pode paralisar o automatismo de minhas funções corporais, “l’accomplissement d’un acte qui doit être réflexe ou ne peut être”, como sentenciou Valéry. ArendtVE I O Pensar 9 “Tome a cor dos mortos” — deve ser assim que o alheamento do filósofo e o estilo de vida do profissional que devota toda a sua vida ao pensamento, monopolizando e elevando a um nível absoluto o que é apenas uma dentre muitas faculdades humanas, aparecem para o **senso comum** dos homens, já que normalmente nos movemos em um mundo em que a mais radical experiência do desaparecer é a morte e em que se retirar da aparência é morrer. ArendtVE I O Pensar 10 É muito mais o próprio **senso comum** do filósofo — o fato de ser ele “um homem como você e eu” — que o torna consciente de estar “fora de ordem” quando se empenha em pensar. ArendtVE I O Pensar 10 Como o pensamento é impotente contra os argumentos do raciocínio do **senso comum** e contra a insistência na “falta de sentido” de sua busca por significado, o filósofo sente-se inclinado a responder nos termos do **senso comum**, termos que ele simplesmente inverte com esse objetivo. ArendtVE I O Pensar 10 Se o **senso comum** e a opinião comum afirmam que a “morte é o maior dentre todos os males”, o filósofo (da época de Platão, quando a morte era compreendida como a separação entre alma e corpo) é tentado a dizer: pelo contrário, “a morte é uma divindade, uma benfeitora para o filósofo precisamente porque ela dissolve a união entre alma e corpo”. ArendtVE I O Pensar 10 Toda a história da filosofia — que nos diz tanto sobre os objetos do pensamento e tão pouco sobre o processo do pensar e sobre as experiências do ego pensante — encontra-se atravessada por uma luta interna entre o **senso comum**, esse sexto sentido que “irá adequar nossos cinco sentidos a um mundo comum, e a faculdade humana do pensamento e a necessidade da razão, que obrigam o homem a afastar-se, por períodos consideráveis, deste mundo”. ArendtVE I O Pensar 10 Mas essa inversão de posições — tornar a luta entre pensamento e **senso comum** o resultado dos poucos voltando-se contra os muitos —, embora ligeiramente mais razoável e mais bem documentada (a saber, na pretensão que o filósofo tem de governar) do que a mania persecutória tradicional do filósofo, não está provavelmente mais próxima da verdade. ArendtVE I O Pensar 10 A explicação mais verossímil para a disputa entre o **senso comum** e o pensamento “profissional” ainda é o ponto já mencionado (o de que estamos aqui lidando com uma luta interna), visto que foram seguramente os próprios filósofos os primeiros a tomar consciência de todas as objeções que o **senso comum** poderia levantar contra a filosofia. ArendtVE I O Pensar 10 Sob o pressuposto de que o filósofo não necessita da “ralé” para informá-lo sobre sua “tolice” — o **senso comum** que ele compartilha com todos os homens deve alertá-lo a tempo de prever o riso de que será objeto —, em resumo, sob o pressuposto de que aquilo com o que estamos lidando é uma luta interna entre o raciocínio do **senso comum** e o pensamento especulativo, luta que se passa no próprio espírito do filósofo, examinemos mais de perto a afinidade entre a morte e a filosofia. ArendtVE I O Pensar 10 Metaforicamente, desaparecemos deste mundo; e isso pode ser compreendido — do ponto de vista do que é natural e do nosso raciocínio de **senso comum** — como a antecipação de nossa partida final, ou seja, de nossa morte. ArendtVE I O Pensar 10 Dito de outra maneira, o que para o **senso comum** é a óbvia retirada do espírito em relação ao mundo, aparece, na perspectiva do próprio espírito, como uma “retirada do Ser” ou um “esquecimento do Ser” — Seinsentzug e Seinsvergessenheit (Heidegger). ArendtVE I O Pensar 10 Sua retirada do mundo das aparências, do mundo do **senso comum**; sua tendência autodestrutiva em relação a seus próprios resultados; sua reflexividade e a consciência da pura atividade que a acompanha. ArendtVE I O Pensar 10 O que há de curioso, entretanto, é que quanto mais “profissionais” os pensadores, mais eles cresciam em nossa tradição filosófica, e mais se inclinavam a encontrar maneiras e meios de reinterpretar esses traços inerentes ao pensamento, de forma a armarem-se contra as objeções do raciocínio do **senso comum** em relação às inutilidades e à irrealidade de todo o empreendimento filosófico. ArendtVE I O Pensar 10 As distâncias por que os filósofos avançam nessas reinterpretações, bem como a qualidade de sua argumentação, seriam inexplicáveis se eles se dirigissem mais à famosa multidão — que nunca se importou com eles e permaneceu alegremente ignorante em relação à argumentação filosófica —, em vez de serem primordialmente estimulados por seu próprio **senso comum** e pela autodesconfiança que inevitavelmente acompanha a suspensão do pensamento. ArendtVE I O Pensar 10 Mencionei Hegel porque grandes partes de sua obra, especialmente o prefácio da Fenomenologia do espírito, podem ser lidas como uma polêmica desenvolvida contra o **senso comum**. ArendtVE I O Pensar 10 Desde muito cedo (1801) ele havia afirmado com humor truculento — obviamente ainda incomodado pela camponesa trácia de Platão e seu riso inocente — que realmente “o mundo da filosofia um mundo virado de cabeça para baixo”. ArendtVE I O Pensar 10 A importância de Hegel em nosso contexto está no fato de que ele, talvez mais do que qualquer outro filósofo, atesta a luta interna entre a filosofia e o **senso comum**; porque ele, por natureza, é igualmente bem-dotado como historiador e pensador. ArendtVE I O Pensar 10 Dessa maneira, foi possível adequá-los a um sistema abrangente em que então teriam a mesma realidade que os resultados das demais ciências; resultados que, por outro lado, ele denunciou como produtos essencialmente desimportantes do raciocínio do **senso comum**, ou “conhecimento defeituoso”. ArendtVE I O Pensar 10 Para ter certeza de que eliminou a noção de **senso comum**, segundo a qual o pensamento lida com abstrações e irrelevâncias — o que de fato ele não faz —, Hegel afirmou, sempre no mesmo tom polêmico, “que o Ser é Pensamento” (dass das Sein Denken ist), que “apenas o espiritual é real” e que apenas aquelas generalidades com as quais lidamos no pensamento realmente são. ArendtVE I O Pensar 10 Isso é relativamente fácil desde que nosso pensamento simplesmente responda aos apelos de nossa necessidade de conhecer e compreender o que é dado no mundo de aparências, isto é, desde que permaneçamos dentro das limitações do raciocínio do **senso comum**; o que precisamos para o pensamento do **senso comum** é de exemplos que ilustrem nossos conceitos; tais exemplos são adequados porque nossos conceitos são extraídos das aparências — são meras abstrações. ArendtVE I O Pensar 12 Dentre as peculiaridades mais destacadas de nossos sentidos está o fato de que não podem ser traduzidos entre si — nenhum som pode ser visto, nenhuma imagem pode ser ouvida, e assim por diante —, embora estejam interligados pelo **senso comum**, que, por essa simples razão, é o maior de todos os sentidos. ArendtVE I O Pensar 13 A linguagem, correspondendo ou acompanhando o **senso comum**, dá a um objeto seu nome comum; esse aspecto comum não só é fator decisivo para a comunicação intersubjetiva — o mesmo objeto sendo percebido por diferentes pessoas e comum a elas —, como também serve para identificar um dado que aparece de forma totalmente diferente para cada um dos cinco sentidos: áspero ou macio ao tato, amargo ou doce ao paladar, brilhante ou escuro à visão, soando em tons diferentes para a audição. ArendtVE I O Pensar 13 Ela é formulada de fora — seja esse lado de fora constituído pelos seus interesses profissionais como pensador, seja o seu próprio **senso comum** questionando uma atividade fora de ordem na vida normal. ArendtVE I O Pensar 17 Seu aspecto mais perigoso do ponto de vista do **senso comum** é que o que era significativo durante a atividade do pensamento dissolve-se no momento em que se tenta aplicá-lo à vida de todos os dias. ArendtVE I O Pensar 17 Se desejarmos aplacar o nosso **senso comum**, tão inevitavelmente ofendido pela necessidade que a razão tem de sempre avançar em sua busca sem fim de significado, é tentador justificar essa necessidade unicamente com base no fato de o pensamento ser uma preparação indispensável na decisão do que será e na avaliação do que não é mais. ArendtVE I O Pensar 21 Embora essa noção de contingência corresponda à experiência do ego volitivo — que no ato de volição sabe-se livre, não coagido por suas metas a agir ou não agir em sua busca —, ela parece ao mesmo tempo opor-se de modo insolúvel a uma outra experiência do espírito igualmente válida e ao **senso comum**, que nos diz que na verdade vivemos em um mundo factual de necessidade. ArendtVE II O Querer 12 A ideia da Vida como o mais alto valor não pode, é claro, ser demonstrada; é uma simples hipótese, o pressuposto do **senso comum** de que a vontade é livre, porque, sem esse pressuposto — como se tem dito repetidas vezes —, nenhum preceito de natureza moral, religiosa ou jurídica poderia chegar a fazer sentido. ArendtVE II O Querer 14 Para Nietzsche, o decisivo é que a hipótese do **senso comum** constitui um “sentimento dominante do qual não podemos nos livrar mesmo se as hipóteses científicas fossem demonstradas”. ArendtVE II O Querer 14 Kant, bem nesse estilo, observa em sua Antropologia que a insanidade consiste em haver perdido este **senso comum** que nos capacita a julgar como espectadores; e o oposto disso é um sensus privatus, um senso privado que ele também chama de “Eingensinn lógico”, dando a entender que nossa faculdade lógica, a faculdade que nos capacita a tirar conclusões a partir de premissas, poderia de fato funcionar sem a comunicação — só que, nesse caso, isto é, no caso de a insanidade ter causado a perda deste **senso comum**, ela levaria a resultados insanos precisamente por ter se separado da experiência que só pode ser válida e validada na presença de outros. ArendtVE Apêndice O Julgar O aspecto mais surpreendente desta questão é que o **senso comum**, a faculdade de julgar e discriminar entre o certo e o errado, deva basear-se no sentido do gosto. ArendtVE Apêndice O Julgar A solução para esses enigmas pode ser indicada pelos nomes de duas outras faculdades — imaginação e **senso comum**. ArendtVE Apêndice O Julgar E 2) **senso comum**: Kant muito cedo se deu conta de que havia algo de não-subjetivo no que parecia ser o sentido mais privado e subjetivo; essa consciência é expressa da seguinte forma: há o fato de que as questões de gosto, “o belo, interessam somente em sociedade… Um homem que se deixe abandonar numa ilha deserta não enfeitaria sua casa ou a si mesmo… não se contenta com um objeto se não pode satisfazer-se com ele, em comum com os outros”, ao passo que nos desprezamos quando trapaceamos em um jogo, mas nos envergonhamos somente quando somos pegos. ArendtVE Apêndice O Julgar O critério é comunicabilidade, e o padrão para decidir sobre ele é o **Senso Comum**. ArendtVE Apêndice O Julgar Como é que esse “**senso comum**” se distingue de outros sentidos que também temos em comum e que, no entanto, não garantem o acordo das sensações? O gosto como uma espécie de Sensus Communis. ArendtVE Apêndice O Julgar O primeiro, **senso comum**, significava um sentido semelhante a nossos outros sentidos — o mesmo para todos em sua própria privacidade. ArendtVE Apêndice O Julgar