Antonio Machado, Machado2002
Segundo Demócrito, filósofo grego da Antiguidade, “o doce e o amargo, o quente e o frio, o amarelo e o verde, etc., não passam de opiniões — só os átomos e o vazio são reais”. Para Demócrito, a opinião pertencia a um conhecimento obscuro, sem a menor garantia de realidade. É claro, senhores, que se trata de uma opinião de Demócrito, que ninguém nos obriga a aceitar. No entanto, ao longo dos séculos, a ciência elaborou uma concepção do Universo puramente mecânica, implicitamente contida na opinião de Demócrito, concepção que, mutatis mutandis, chegou até nós, pobres diabos que estudamos física, com algumas décadas de atraso, neste final do século XIX. Portanto, não nos é fácil rir de Demócrito sem manifestar com presunção nossa enorme ignorância, que já é, de fato, bastante considerável. E eu lhes pergunto: se aceitarmos a opinião de Demócrito em todas as suas consequências, o que somos nós, meros aprendizes de poetas, amantes do doce e do amargo, do quente e do frio, do verde e do azul, e de tudo o mais — sem excluir o bem e o mal —, que em nada se assemelham aos átomos, nem ao vazio onde eles se movem? Seríamos o vazio do próprio vazio, um vazio no qual nem mesmo os átomos se movem. Meditem sobre o trágico de nossa situação. Pois mesmo que conseguíssemos reservar para nós uma sombra de ser, uma realidade mais ou menos suscetível de opinião, sempre resultaria que os átomos podem existir sem nós, e que nós não podemos existir sem os átomos. E isso me parece uma desventura mais trágica do que ser pura e simplesmente engolido pelo nada.
É necessário tomar uma posição, como dizem os filósofos: posição defensiva, acrescento eu, de gato que afia as garras, diante dessa antiga concepção do grande filósofo da Trácia. O ceticismo, que longe de ser, como se acredita, uma obstinação em negar tudo, é, ao contrário, o único meio de defender um pequeno número de coisas, virá em nosso auxílio. Começaremos por duvidar da existência dos átomos. Depois, a aceitaremos — mas com restrições. Se é verdade que sem os átomos não podemos existir, já que, ao que parece, somos feitos deles, não é menos certo que eles também não podem existir sem nós, pois, no fim das contas, eles aparecem em nossa consciência; nossa consciência os engloba, juntamente com as cores do arco-íris e as penas coloridas dos pavões. Em termos metafísicos — dizia meu mestre —, o que significa decretar a maior ou menor realidade daquilo que, mais ou menos diáfano, aparece em nossa consciência, se, fora dela, realidade e irrealidade são igualmente indemonstráveis? Quando os filósofos se derem conta do problema e nos explicarem claramente, teremos essa metafísica para poetas com que meu mestre sonhava e de que tanto precisamos.
E agora, vamos às nossas tarefas, senhores. Cantemos o grande Demócrito de Abdera, não apenas pela agradável sonoridade de seu nome, mas também, e sobretudo, porque além de vinte e quatro séculos, aproximadamente… (Mairena nunca tinha certeza de seus números), vemos, ou imaginamos, sua sombria sobrancelha franzida de pensador no ato de desimaginar o ovo universal, absorvendo-lhe a clara e a gema, até esvaziá-lo, para depois preenchê-lo com partículas imperceptíveis mais ou menos agitadas, e entregá-lo assim à ciência matemática do amanhã. O ato poético negador do célebre Demócrito foi grandioso, desrealizador, criador — no sentido que meu mestre dava a essa palavra. Devemos cantá-lo, sem esquecer em nosso poema o humor jovial — quem diria! — que a lenda lhe atribui, e a nobreza de sua vida e a doce serenidade de sua morte.