Cavell (1979) – tirania interna da convenção

(Cavell1979)

Pensar em uma atividade humana como governada inteiramente por meras convenções, ou como tendo convenções que podem ser mudadas ou não, dependendo do gosto ou decisão de um indivíduo ou outro, é pensar em um conjunto de convenções como tirânico. Vale a pena dizer que as convenções podem ser mudadas porque é essencial para uma convenção que ela esteja a serviço de algum projeto, e você não sabe a priori qual conjunto de procedimentos é melhor do que outros para esse projeto. Ou seja, é intrínseco a uma convenção que ela esteja aberta à mudança, na convocação daqueles que estão sujeitos a ela, em cujo comportamento ela vive. Portanto, é uma primeira ordem de negócios da tirania política negar a liberdade de se convocar. O que isso impede não é meramente, como (digamos) Mill defende, a livre troca de verdades com verdades parciais e falsidades, do fogo das quais a verdade emerge. Isso pode acontecer em um estudo isolado. Isso impede o surgimento da questão para a qual o convencionar é necessário, ou seja, para ver o que fazemos, para aprender nossa posição naquilo que consideramos necessário, para ver em que serviço são necessários.

A tirania interna da convenção é que apenas um escravo dela pode saber como ela pode ser mudada para melhor, ou saber por que deveria ser erradicada. Apenas mestres de um jogo, escravos perfeitos desse projeto, estão em posição de estabelecer convenções que melhor sirvam à sua essência. É por isso que mudanças revolucionárias profundas podem resultar de tentativas de conservar um projeto, de levá-lo de volta à sua ideia, mantê-lo em contato com sua história. Exigir que a lei seja cumprida, cada mínimo detalhe, destruirá a lei como ela está, se ela se afastou demais de suas origens. Apenas um sacerdote poderia ter confrontado seu conjunto de práticas com suas origens de forma tão profunda a ponto de estabelecer os termos da Reforma. É em nome da ideia de filosofia, e contra uma visão de que ela se tornou falsa para si mesma, ou que parou de pensar, que figuras como Descartes, Kant, Marx, Nietzsche, Heidegger e Wittgenstein buscam revolucionar a filosofia.