Bruno Latour, Latour2020
A própria expressão “relação com o mundo” demonstra até que ponto estamos, por assim dizer, alienados. A crise ecológica é com frequência apresentada como a descoberta eternamente retomada de que “o homem pertence à natureza”. Uma expressão que parece simples, mas que, de fato, é muito obscura (e não apenas porque “o homem” é obviamente também “a mulher”). A ideia é que os humanos enfim compreenderam que fazem parte de um “mundo natural” ao qual devem aprender a se conformar? Com efeito, na tradição ocidental, a maior parte das definições do humano enfatiza até que ponto ele se distingue da natureza. Isso é o que se quer exprimir, mais frequentemente, com as noções de “cultura”, de “sociedade” ou de “civilização”. Por conseguinte, toda vez que se quer “aproximar os seres humanos da natureza”, somos impedidos de fazê-lo por meio da objeção de que o humano é, acima de tudo, ou que ele é também, um ser cultural que deve escapar ou, de qualquer modo, se distinguir da natureza. E, portanto, jamais se poderá dizer, de forma demasiado grosseira, que “ele pertence a ela”. Aliás, se o humano fosse verdadeiramente “natural”, e apenas natural, ele seria julgado não como humano, mas sim como um “objeto material” ou um “puro animal” (para usar expressões ainda mais imprecisas).
Compreende-se, portanto, por que toda definição da crise ecológica como um “retorno do humano à natureza” desencadeia de imediato uma espécie de pânico, uma vez que nunca sabemos se nos pedem para retornar à animalidade pura ou para retomar o movimento profundo da existência humana. “Mas eu não sou um ser natural! Sou, antes de tudo, um ser cultural.” “Só que, é claro, você é, antes de tudo, um ser natural, como pode se esquecer disso?” É de enlouquecer, de verdade. Sem mencionar o “retorno à natureza” compreendido como um “retorno à era do homem das cavernas”, com seu patético sistema de iluminação que serve como argumento para todo modernista mal-humorado que se encontra com um ecologista de certa reputação: “Se ouvíssemos vocês, a iluminação ainda seria à luz de velas!”.
A dificuldade reside na própria expressão “relação com o mundo”, que supõe dois tipos de domínio, o da natureza e o da cultura, que são ao mesmo tempo distintos e impossíveis de separar por completo. Não tente definir apenas a natureza, porque você terá que definir também o termo “cultura” (o humano é o que escapa à natureza: um pouco, muito, apaixonadamente); não tente definir apenas “cultura”, porque de imediato terá que definir também “natureza” (o humano é o que não pode “escapar totalmente” das restrições da natureza). O que significa que não estamos lidando com domínios, mas com um e o mesmo conceito separado em duas partes que se encontram ligadas, por assim dizer, por um forte elástico. Na tradição ocidental, jamais se fala de um sem falar do outro: não há outra natureza senão esta definição da cultura, e não há outra cultura senão esta definição da natureza. Elas nasceram juntas, tão inseparáveis quanto irmãos siameses que se abraçariam ou se golpeariam até sangrar sem deixar de pertencer ao mesmo tronco.