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Schelling: organismo e mecanismo

domingo 8 de setembro de 2024, por Cardoso de Castro

  

Qual o propósito deste tratado e por que traz em seu pórtico esse título, [1] o leitor ficará sabendo se tiver disposição ou curiosidade para ler o todo.

Somente sobre dois pontos o autor julga necessário explicar-se antecipadamente, para que este ensaio não venha, eventualmente, a ser acolhido com preconceito.

O primeiro é que nenhuma unidade artificial de princípios foi procurada ou visada neste escrito. Tanto a observação das alterações naturais em sua universalidade quanto a do progresso e da estabilidade do mundo orgânico conduzem, por certo, o pesquisador da natureza a um princípio comum, que, flutuando entre a natureza inorgânica e orgânica, contém a causa primeira de todas as alterações naquela e o fundamento último de toda atividade nesta, que, porque está presente por toda parte, não está em parte nenhuma, e, porque é tudo, não pode ser nada determinado e particular, para o qual a linguagem, justamente por isso, não tem nenhuma designação própria, e cuja Ideia a filosofia mais antiga (à qual, depois de ter completado seu circuito, a nossa retorna pouco a pouco) só nos legou em representações poéticas.

Mas a unidade dos princípios não satisfaz, enquanto não retorna a si mesma através de uma diversidade infinita de efeitos singulares. — Nada odeio mais do que aquele afã sem espírito de exterminar a diversidade das causas naturais através de identidades fictícias. Vejo que a natureza só se compraz na máxima riqueza das formas e que (no dizer de um grande poeta) mesmo nos espaços vazios da decomposição o arbítrio se deleita. — A lei una da gravidade, à qual foram finalmente reconduzidos mesmo os fenômenos mais enigmáticos do céu, não somente permite, mas chega a provocar que os corpos do universo se obstruam em seu curso e que, desse modo, na mais completa ordem do céu, reine aparentemente a maior desordem. — Assim a natureza descreveu com suficiente vastidão o amplo espaço que encerra com leis eternas e imutáveis, para, no interior dele, encantar o espírito humano com a aparência da ausência de lei.

Basta que nossa observação se tenha elevado até a Ideia da natureza como um todo, para que desapareça a oposição entre mecanismo e organismo, que já há bastante tempo deteve os progressos da ciência natural e que mesmo, para muitos, poderia ser contrária a nosso empreendimento.

É uma antiga ilusão que organização e vida não são explicáveis a partir de princípios naturais. — Se, com isso, se quiser dizer: a origem primeira da natureza orgânica é fisicamente inescrutável, essa proposição indemonstrada não leva a nada mais do que a abater o ânimo do pesquisador. É pelo menos permitido opor a uma afirmação temerária uma outra afirmação igualmente temerária, e, desse modo, a ciência não sai do lugar. Seria dado pelo menos um passo para aquela explicação se se pudesse mostrar que a série de todos os seres orgânicos se formou por desenvolvimento gradual de uma e a [228] mesma organização. — Se nossa experiência não ensinou nenhuma transformação da natureza, nenhuma passagem de uma forma ou espécie à outra (embora as metamorfoses de muitos insetos e mesmo, se cada broto é um novo indivíduo, as metamorfoses das plantas possam pelo menos ser alegadas como fenômenos análogos), isso não é uma prova contra aquela possibilidade, pois — poderia responder um defensor dela — as 3« alterações a que a natureza orgânica, assim como a inorgânica, está submetida podem ocorrer (até que se institua um estado de estabilidade universal do mundo orgânico) em períodos cada vez mais longos, para os quais nossos pequenos períodos (que são determinados pela translação da Terra em torno do Sol) não fornecem nenhuma medida e que são tão grandes que nenhuma experiência até agora viveu o decurso de um deles. Contudo, deixemos essas possibilidades e vejamos o que há, em geral, de verdadeiro ou falso naquela oposição entre mecanismo e organismo, para assim determinar com a máxima segurança o limite no interior do qual tem de manter-se nossa explicação da natureza.

O que é, portanto, aquele mecanismo, com o qual, como com um fantasma, vós assustais a vós mesmos? — É o mecanismo algo subsistente por si, e não é ele mesmo, pelo contrário, apenas o negativo do organismo? — Não teria o organismo de ser anterior ao mecanismo, o positivo anterior ao negativo? E se, em geral, o negativo pressupõe o positivo e não, inversamente, este pressupõe aquele: então nossa filosofia não pode partir do mecanismo (como sendo o negativo), mas tem de partir do organismo (como sendo o positivo) e, assim, este não pode ser explicado a partir daquele, a tal ponto que, pelo contrário, somente a partir deste aquele se torna explicável. — Não: onde não há mecanismo, há organismo — mas, inversamente: onde não há organismo, há mecanismo.

Organização, para mim, não é em geral nada outro que o fluxo retido das causas e efeitos. Somente onde a natureza não obstruiu esse fluxo ele continua a fluir (em linha reta). Onde ela o obstrui, ele retorna (em uma curva) para si mesmo. Portanto, nem toda sucessão de causa e efeito é excluída pelo conceito do organismo; esse conceito designa apenas uma sucessão que, encerrada no interior de certos limites, retorna para si mesma.

Agora, que o limite originário do mecanismo não é explicável empiricamente, mas deve ser apenas postulado, eu o mostrarei na própria continuação, por indução; mas 350 pode ser filosoficamente demonstrado; pois, como o mundo só é ínfinito em sua finitude, e um mecanismo ilimitado destruiria a si mesmo, também o mecanismo universal tem de ser obstruído ao infinito, e, assim, haverá tantos mundos singulares, particulares, quantas esferas há, no interior das quais o mecanismo universal retorna para si mesmo, e assim, no fim, o mundo é uma organização, e um organismo universal é a própria condição (e nessa medida o positivo) do mecanismo.

Consideradas desta altura, desaparecem as sucessões singulares de causas e efeitos (que nos iludiam com a aparência do mecanismo), como linhas retas infinitamente pequenas na linha curva universal do organismo em que o próprio mundo tem seu curso.

Ora, aquilo que essa filosofia me havia ensinado — que os princípios positivos do organismo e do mecanismo são o mesmo — eu procurei provar, no escrito seguinte, por experiência — com isso tentei provar que as alterações universais da natureza (de que depende a própria estabilidade do mundo orgânico) nos levam, afinal, à mesma primeira hipótese, da qual, já há muito, a pressuposição do pesquisador da natureza havia feito depender a explicação da natureza orgânica. O tratado seguinte divide-se, portanto, em dois capítulos, dos quais o primeiro se propõe a procurar a força da natureza que se manifesta nas alterações universais, o outro o princípio positivo da organização e da vida, e cujo resultado comum é este: que um e o mesmo princípio vincula a natureza inorgânica e a orgânica.

[229] A incompletude de nosso conhecimento das primeiras causas (como a eletricidade), os conceitos atomísticos que, aqui e ali, se interpuseram em meu caminho (por exemplo, na teoria do calor), enfim, a pobreza das representações dominantes sobre tantos objetos da física (por exemplo, os fenômenos meteorológicos), logo me obrigaram, no primeiro capítulo, a muitas colocações especiais, logo me induziram a colocações que dispersaram por demais a luz que eu queria difundir sobre o todo em objetos singulares, mas de tal modo que podia, no fim, reunir-se outra vez em um foco comum.

Quanto mais amplamente é descrita a esfera da investigação, tanto mais precisamente se vê o que há de lacunar e pobre nas experiências feitas até agora em seu âmbito, e assim poucos sentirão a incompletude deste ensaio mais profunda ou mais vivamente do que aquele que o empreendeu.


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[1O Título: "Da Alma do Mundo". (N. do T.)