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O GOLEM

Meyrink: Alma

Trad. de Agatha M. Auersperg

terça-feira 29 de julho de 2014, por Cardoso de Castro

      

Excertos da tradução em português de Agatha M. Auersperg do livro O GOLEM.

      

— O que é que eu posso dizer? Seria melhor se falássemos no senhor e. . .

— Agora sei que o senhor passou por algumas estranhas experiências que me atingem diretamente, muito mais diretamente do que o senhor poderia imaginar. Por favor, diga-me tudo! — implorou ele.

Não conseguia entender como era possível que minha vida o interessasse mais do que a sua própria, que estava numa situação tão precária, mas para acalmá-lo contei tudo o que tinha acontecido comigo e que me parecia inexplicável.

Toda vez que acabava de relatar um episódio importante ele assentia com a cabeça, com expressão satisfeita, como uma pessoa   que encontra a explicação de muitas coisas.

Quando cheguei ao ponto em que a aparição sem cabeça tinha se apresentado a mim trazendo os grãos vermelhos, sua impaciência de saber a conclusão da história ficou evidente  .

— Assim, você os fez cair das mãos dele — murmurou pensativo. — Nunca pensei que existisse uma terceira solução.

— Mas não era uma terceira solução — protestei. — Era a mesma coisa que recusar os grãos.

Sorriu para mim.

— O senhor não concorda comigo, senhor Laponder?

— Se o senhor os tivesse recusado, teria seguido o "caminho   da Vida", mas os grãos, que representam as forças mágicas, não teriam ficado onde estavam. O senhor disse que os grãos foram rolando pelo chão. Isso significa que ficaram onde estavam, e ficaram guardados por seus antepassados até chegar o tempo da germinação. Então as forças que por enquanto estão latentes no senhor, florescerão.

Não estava entendendo nada: — O senhor diz que meus antepassados ficarão guardando os grãos?

— A experiência do senhor deve ser interpretada, pelo menos em parte, de uma forma simbólica — explicou Laponder. O círculo das figuras roxas que estavam em volta do senhor era a sequência dos "Eu" herdados, apanágio de todo homem   nascido de mulher. A alma   não é uma entidade isolada — mas precisa que ela se torne tal, e isso então se chama de "imortalidade  ". A alma do senhor é composta de muitos "Eu" da mesma forma que num formigueiro existem muitas formigas. A alma é marcada pelos rastos espirituais de milhares de ancestrais — os fundadores de sua estirpe. Isso acontece com todas as criaturas. Como poderia um pintinho chocado artificialmente saber como procurar o alimento   de que necessita, se nele não existisse uma experiência de milhões de anos? A existência do instinto   indica, em nós, a presença dos ancestrais em nosso corpo e em nossa alma. Desculpe, por favor, não tive a intenção de interromper.

Terminei meu relato, e não esqueci de acrescentar o que Mirjam tinha dito a respeito do "hermafrodita".