Página inicial > Realismo Especulativo > Maurizio Ferraris (MNR:4-5) – o ironizar pós-moderno

Maurizio Ferraris (MNR:4-5) – o ironizar pós-moderno

sexta-feira 15 de outubro de 2021, por Cardoso de Castro

  

português

Pós-modernismo marca a entrada de aspas em filosofia: a realidade se torna "realidade", verdade "verdade", objetividade "objetividade", justiça "justiça", gênero "gênero" e assim por diante. Na base dessa nova citação do mundo, estava a tese segundo a qual as “grandes narrativas” (rigorosamente entre aspas) da modernidade ou, pior ainda, o objetivismo antigo foram a causa do pior tipo de dogmatismoThese are the two common assumptions of the two founding texts of philosophical postmodernism, namely, the already mentioned Postmodern Condition by Lyotard   and Richard Rorty  , Philosophy and the Mirror of Nature (Princeton: Princeton University Press, 1979).. Ao invés de ser fanático, é melhor se transformar em "teóricos irônicos" que suspendem a peremptoriedade de qualquer afirmação que fazem, vendo em fatos, normas e regras um mal em si. (Roland Barthes   representou bem o Zeitgeist quando – apenas de brincadeira – disse que a linguagem é "simplesmente fascista"Roland Barthes, Leçon (Paris: Éditions du Seuil, 1978). porque possui semântica, sintaxe e gramática.) A citação, em suas variações tipográficas, significa um distanciamento que também pode manifestar aproximação lexical, isto é, falta de atenção ou uma citação real, isto é, parasitismoRichard Rorty, “Philosophy as a Kind of Writing” (1978), in Richard Rorty, The Consequences of Pragmatism (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1982), 90–109.: existe uma realidade construída por outros e nós, como desconstrutores, a ironizamos, pensando que fizemos nosso trabalho.

A citação entre aspas é, de fato, um gesto semelhante à epoche de Husserl  , à suspensão do julgamento, de pôr de lado a existência dos objetos sob exame para compreendê-los em sua dimensão fenomenal. Porém, comparado a colocar colchetes, colocar entre aspas é uma estratégia muito diferente. Algo que em Husserl era um exercício filosófico se transforma em um protocolo de correção política pelo qual se proclama que quem ousasse remover as aspas estaria realizando um ato de violência inaceitável ou ingenuidade infantil, alegando estar tratando como real algo que, na melhor das hipóteses, é apenas ’real’ ou "real"After all, irony, in rhetoric, is an allusive proceeding for reducing to mockery real data, by mystifying them: in fact, both in ancient Greek (eironéia) and in Latin (simulatio), the terms designating the trope mean “fiction,” “deceit.”. Esta tese, que implicitamente se transformou em um quem quer fanático – embora com plena legitimidade – acreditava possuir algum tipo de verdade, impedia (pelo menos nas intenções) o progresso da filosofia, transformando em uma doutrina programaticamente parasitária que se refere à ciência para qualquer reivindicação de verdade e realidade e se limita à marcação de citações entre aspas. Se, então, dos céus da teoria, descemos à realização concreta de uma "teoria irônica" como a eterna adesão parcial a nossas afirmações e crenças, as consequências do ironizar podem ser intuídas perguntando-nos, por exemplo, o que "uma testemunha irônica pós-moderna" poderia ser em um tribunal onde, ao invés de "igual justiça perante a lei", estivesse escrito "não há fatos, apenas interpretações". Deixando de lado experiências de pensamento e indo aos eventos reais, como pouco ironizar implica emancipação é amplamente demonstrado pelo abuso de riso, galhofa e farsa no populismo da mídia, que em vez disso forneceu uma confirmação adicional da hipótese etológica de que a expressão facial do riso é uma legado do ato de mostrar os dentes – que, em animais, precede a agressão.

inglês

Postmodernism marks the entry of inverted commas in philosophy: reality becomes “reality,” truth “truth,” objectivity “objectivity,” justice “justice,” gender “gender,” and so forth. At the base of this new quotation-marking of the world lay the thesis according to which the “grand narratives” (rigorously between quotation marks) of modernity or, even worse, ancient objectivism were the cause of the worst kind of dogmatism.7 Rather than being fanatics, it is better to turn into “ironic theoreticians” who suspend the peremptoriness of any statement they make, seeing in facts, norms, and rules an evil per se. (Roland Barthes well represented the Zeitgeist when—only half-jokingly—he said that language is “quite simply fascist”8 because it has semantics, syntax, and grammar.) The quotation [5] mark, in its typographical variations, signifies a distancing that can also manifest lexical approximation, that is, inattentiveness, or an actual citation, that is, parasitism:9 there is a reality built by others and we, as deconstructors, ironize on it, thinking we have thus done our job.

Quotation-marking is, in fact, a gesture similar to Husserl’s epochs, to the suspension of judgment, to putting aside the existence of the objects under examination so as to grasp them in their phenomenic dimension. But compared to putting in brackets, putting between inverted commas is a very different strategy. Something that in Husserl was a philosophical exercise turns into a protocol of political correctness by which one proclaims that whoever dared remove the inverted commas would be performing an act of inacceptable violence or childish naivete, claiming to be treating as real something that, in the best hypothesis, is only ‘real’ or “real.”10 This thesis, which implicitly turned into a fanatic whoever—although with full legitimacy—believed to possess some kind of truth, impeded (at least in the intentions) progress in philosophy, transforming it into a programmatically parasitic doctrine referring to science for any claim of truth and reality and limiting itself to quotation-marking. If then from the skies of theory we descend to the concrete realization of an “ironic theory” as the forever partial adhesion to our statements and beliefs, the consequences of ironization can be intuited by asking ourselves, for instance, what “an ironic postmodern witness” could be in a court where, instead of “equal justice under law,” there was written “there are no facts, only interpretations.” Leaving thought experiments aside and getting to real events, how little ironization entails emancipation is vastly demonstrated by the abuse of laughter, facetiousness, and farce in media populism, which instead provided a further confirmation of the ethological hypothesis that the facial expression of laughter is a legacy of the act of showing teeth—that, in animals, precedes aggression.