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Fernandes (SH:13-14) – Filosofia do século XX
domingo 8 de setembro de 2024, por
No século XX, aquilo que se costuma chamar de “morte” foi tomado como a solução, não só filosófica, para tudo que pareceu atrapalhar o “bom andamento” do que quer que fosse. Eliminou-se a Ontologia — exagero?! —, então eliminou-se da Ontologia não só o que parecia incompreensível (por carecer, por exemplo, de critério de identidade), mas também o que levava a impasses. Naturalizou-se quase toda a Epistemologia, como se ela fosse uma cobra a devorar-se pela própria cauda (mas como poderia comer a própria boca?!). Reduziu-se a Estética às perplexidades sem guia dos pós-modernos. Reduziu-se a Ética a uma “semântica de terceira classe”, ou segunda categoria, que se passou a chamar de “metaética”, neste caso, a “desconstrução” dessa tradicional disciplina filosófica deveria ter sido muito mais drástica — mais ainda que a de Nietzsche ! O que as tradições chamam de karuna, agape, charitas, etc. não tem nada a ver com o que as éticas “filosóficas” (e também as profissionais!) chamam de “bem”. E este, por sua vez, pace Platão, nada tem a ver com o Ser, ou com o Ser do Humano. Ainda que o “bem” da Ética tivesse algo a ver com compaixão, quem fosse “bom” jamais precisaria de “ética”, e quem precisasse de “ética”, por sua vez, jamais seria “bom”. Mas como se pensa que o ser humano, mal entendido, talvez como “animal racional”, é o lobo do ser humano, o jardim zoológico (e a propriedade, etc.) precisa de jaulas, como “éticas”, sistemas jurídicos, superegos, etc. Mas proclamou-se ainda a “morte de Deus” e, em seguida, também a “morte do homem” (dois “personagens conceptuais”, diria Deleuze ...), o fim disso e o fim daquilo. Esvaziou-se de quase todo sentido a ideia de “verdade”. Este último processo, que, dizem, teria culminado em Nietzsche, sem dúvida começou com os antigos gregos, que cortaram o fio de prata que ligava a noção de “Verdade” à de aletheia e amarraram-na com arames à noção de episteme. (Esta última, e a noção de “Ética” ou racionalização do ethos, nasceram da falta, da necessidade de “justificativas”, ou seja, nasceram dentre aqueles que teriam sido expulsos do Paraíso.) Finalmente, fez-se da linguagem um fetiche. (Mas, se o dedo aponta para a Lua, que tolice ficar olhando para o dedo!) O cinismo e seu primo irmão, o ceticismo, as notícias fúnebres, enterros, necrológios, estufaram o peito ou puseram um sorrisinho sarcástico na boca de “heróis filosóficos”, de expressão insana, ora a celebrar, ora a negar urna suposta “vida”, ora a idolatrar o “desejo” como máquina da morte, ora a desinflar supostos balões metafísicos com alfinetadas analíticas. Sendo a vitória de todos esses heróis infalivelmente pirrônica, estivemos, no século XX, diante, não de “efervescêcias” ou de “criatividade”, mas de formações militantes de vários exércitos de desesperados. Da Arte à Lógica, tudo como que se desdobrou e refletiu sobre “si mesmo” : baile de máscaras em salão de espelhos. Que lástima a Filosofia no século XX!
Ver online : Sergio L. C. Fernandes
FERNANDES, Sérgio L. de C.. Ser Humano. Um ensaio em antropologia filosófica. Rio de Janeiro: Editora Mukharajj, 2005