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COSMOLOGIA - COSMOGONIA - NATUREZA

  

Pierre Gordon

Contrariamente ao universo do Espaço-Tempo, que é aquele das contradições, do Devir, e da Dialética, o universo do ser e do Real é aquele da unidade, da identidade, e da Lógica. Não existe, entre os dois, continuidade. Um hiato os separa. Passar de um ao outro, é dar um salto. Tomamos emprestado a Schelling  , para designar este salto, a expressão salto dialético; e o problema crucial é indicar porque um abismo separa assim o universo humano do universo do ser. Não há, no entanto, dois universos distintos, mas um só e único cosmo, onde um é a desfiguração momentânea do outro, desfiguração realizada, veremos por qual razão, pelo pensamento do homem. É nossa mente que constitui a ligação entre os dois cosmos. O cosmo humano, enquanto não se identifica com aquele do ser, é inteiramente nossa obra.

Decorre ainda mais que o cosmo do ser é um cosmo transcendente, posto que o cosmo humano, em dele procedendo, e não possuindo outra realidade que sua fonte, não permite nem conhecê-lo em sua essência própria, nem, menos ainda, alcançá-lo. De resto, não menos é, simultaneamente, um cosmo imanente ao universo fenomenal, posto que, totalmente inacessível que é, dele forma o substrato, e dele é o coração mesmo. [A REVELAÇÃO PRIMITIVA]

Eudoro de Sousa

O Mundo é, ainda que na objetividade não possamos predicá-lo. Os mitos cosmogônicos dizem-nos que ele veio a ser o que é, falam-nos do vir a ser mundo. Falta grave contra o saber [67] precavido, pois cosmogonias falam, não só do mundo, mas do antes que o mundo fosse. Enormidade do mítico, que ousa recuar ainda para além do que a ciência nem pretende alcançar, porque bem sabe que não alcança, porque não é de sua natureza alcançá-lo. Ciência fala-nos do que está no mundo, pensa e experimenta o que pode fechar no interior do mundo que recusa a fechar-se. O mítico é que fechou o mundo, no momento em que se perguntou pelo que era antes de o mundo chegar a ser mundo. Não se afirme assim com tanta segurança e certeza, com tanto orgulho vaidoso, que a pergunta provém do que em nós é desatino de imaturidade. A pergunta pelas origens é origem de todo o perguntar. Perguntamo-la na indecisão de cada passo da nossa vida. É pergunta que sobe dos abismos da nossa existência, é pergunta que nos mantém existindo quando a existência se vê ameaçada, é modo de perguntar por que existe ser em vez de nada. A ameaça do Nada é que nos leva a perguntar de onde e do que vem o Tudo. Outro modo de dizer o que já ficou dito é o dar-se conta de que, se a nossa experiência é de pluralidade, nosso anseio é de unidade; se a nossa experiência é a do «outro», nosso anseio é pelo «mesmo». Perguntando pelo mundo e, sobretudo, pelo antes que mundo fosse, na mesma pergunta me pergunto pelo «eu» que sou e, sobretudo, pelo antes que viesse a ser o que sou. Perguntar pela origem do mundo é perguntar pela origem do homem; perguntar pelo que faz que «eu» exista. Aqui não há do que alguém se possa estranhar: homem e mundo são, de cada vez que sejam o que são, duas faces do mesmo Projeto [v. projeto]. Mito relatado é subproduto do grande impulso mítico. Naquele, a uma cosmogonia ou teocosmogonia segue-se uma antropogonia; neste, não há sucessão: cosmogonia, teogonia   e antropogonia situam-se como os três vértices de um triângulo. Mas não nos apressemos; por pouco não resvalava de «um triângulo» para o «triângulo da complementaridade». [EudoroMito:67-68]