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TRADIÇÕES - TEOLOGIA - ESCATOLOGIA - SOTERIOLOGIA

  

Ferreira da Silva

Devemos reconhecer, entretanto, que na tradição religiosa de onde proveio a nossa cultura, a componente culminante ou transcendente de Deus suplantou e ocultou totalmente o processo propriamente des-velante da religião. Esse aspecto entretanto foi também altamente ressaltado por Schelling   ao aludir ao caráter poético absoluto do sagrado, isto é, à sua natureza de poesia em si. No fenômeno do culto e da cena devocional, que costumamos designar pelo termo de rito, transparece claramente essa função inaugural da presença divina, na medida em que a festa ritual constitui uma re-instalação na história e no tempo plasmador absoluto. De qualquer maneira, o traço marcante da filosofia religiosa que estamos apresentando, procura surpreender o divino na experiência de um Poder Fascinante-Transcendental que abre e inaugura poeticamente um mundo. Essa função superior da mitologia compreendida como “a abertura de um regime de Fascinação” traduz a capacidade genético-transcendental da incidência histórico-cultural do divino. Eis por que Kerényi   com razão afirma que os deuses são Origens-Absolutas. Cada manifestação divina constitui uma Seins Offenbarung [revelação do ser; um aspecto do mundo], um Weltaspekt, um universo inteiro de ações, formas e desempenhos possíveis. Nesse sentido pelo menos é que o grande helenista e filósofo da religião, Walter Otto, interpreta o fenômeno religioso: “Em todo mito original revela-se um Deus com seu mundo vivo. Pois Deus, como quer que se distinga de seus pares ou seja denominado, nunca é uma potência singular, mas sempre O inteiro ser do mundo numa revelação que lhe é própria”. [W. F. Otto, Theophanie: Der Geist der Alte Griechische Religion. Coleção Rowolts Deutsche Enzyklopädie, 15- Hamburgo, 1956, p. 21-22] O pensamento religioso de Walter Otto é da mais alta significação para a elaboração de perspectivas filosóficas como [170] as que estamos analisando, podendo mesmo se afirmar que foi ele quem mais contribuiu para a eclosão de novas ideias. [VFSTM  :170]

Coomaraswamy

As religiões podem e devem ser muitas; todas são individualmente uma disposição ou arranjo de Deus e podem e devem ser estilisticamente diferenciadas, visto que a coisa conhecida só pode estar em quem a conhece segundo o modo de quem a conhece; por isso, como dizemos na Índia, "Ele assume as formas que são imaginadas pelos que O veneram". Ou, como diz Eckhart  , "eu sou a causa de Deus ser Deus". Por esse motivo as crenças religiosas, na mesma medida em que uniram os homens, também dividiram os homens uns contra os outros, como cristãos ou pagãos, ortodoxos ou hereges, de modo que se quisermos saber qual pode ser o problema prático mais urgente a ser resolvido pelos filósofos, só podemos responder: é ser reconhecido num controle e numa revisão dos princípios de religião comparativa, cujo objetivo verdadeiro da ciência, julgada pela melhor sabedoria (e julgar é função própria da sabedoria aplicada), deveria ser demonstrar a base metafísica comum a todas as religiões e mostrar que as diversas sociedades estão basicamente relacionadas entre si como se fossem dialetos de um idioma espiritual e intelectual comum; pois quem reconhecer isso não terá mais vontade de afirmar: "A minha religião é a melhor", e em vez disso dirá: "A minha religião é a melhor para mim". [AKCcivi  ]


Consideradas como meios ou práxis [religião e metafísica], ambas são meios de conseguir a retificação, regeneração e reintegração da consciência do indivíduo, que é aberrante e fragmentada; também são meios de conceber a finalidade suprema do homem (purushartha) como se consistisse no fato de o indivíduo perceber todas as possibilidades que estão inerentes em seu próprio ser; ou podem ir mais adiante e ver uma meta final na percepção de todas as possibilidades de ser em qualquer modo e também das possibilidades de não ser. Para os neoplatônicos e para Santo Agostinho  , assim como para Erigena, Eckhart e Dante   e para Rumi  , Ibn Arabi  , Sankaracarya e muitos outros asiáticos, as sensações religiosas e intelectuais estão entrelaçadas de forma muito íntima para que possam ser separadas completamente; por exemplo, quem suspeitaria que as palavras "como pode Aquele que os Que Compreendem denominam Olho de todas as coisas, Intelecto dos intelectos, Luz das luzes e Onipresença numinosa, como pode Ele ser outra coisa senão a finalidade última do homem" e "Fostes tocado e possuído! há muito tempo estais separado de mim, mas agora Vos encontrei e jamais Vos deixarei ir!" não fossem tomadas de uma fonte deística, e sim de hinos puramente vedânticos dirigidos à Essência (atman) e ao Brahman "impessoal"! [AKCcivi]