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Kether / Keter

      

Jean-Cyrille Godefroy.

A primeira Sephira, Kether (a Coroa) representa por assim dizer o ponto luminoso primordial do Tzimtzum (Zimzum, a retração). Aqui aparece pela primeira vez a noção de infinito   oposta à experiência do finito  . Sem ser no entanto uma "personalização", Kether é aproximadamente o que se poderia definir   como uma "conceitualização" de Deus  . A este título a primeira sephira será uma "face  ", aquela que, reunindo as duas sephirot seguintes (Hochma — Sabedoria   e Binah   — Inteligência, pai   e mãe) formará a "Grande Face  " (Arich Anpin) ou "Longânimo".

Dois   princípios complementares derivam de Kether: Hochma (a Sabedoria) e Binah (a Inteligência), a mãe; o primeiro é ativo, masculino  , o outro, passivo e feminino. Dictionnaire Initiatique de Jean-Cyrille Godefroy. Hervé Masson, 1982.

Mario Satz

A Coroa se assemelha assim à cabeleira nazarena, à ramagem aberta da palmeira iniciática. A palavra hebraica "coroa", kether, figura no Salmo   91,13, em que lemos: "Como a palmeira, florescerá o justo" (Katamar). Esta primeira Sephira é, na verdade, a responsável por recolher a força proveniente da Luz-Sem-Fim, quer dizer, do Ain Sof. Trata-se da elipse ou o anel   dos céus que com suas joias luminosas circunda e determina o pensamento   humano. Porém essa Coroa, que a Cabala   às vezes denomina Atara — donde, imaginamos, procede tiara — alude também ao crânio como recipiente ou suporte do cérebro com seus hemisférios rugosos e labirínticos. Em Jesus, segundo narra Marcos 15,17, colocam como escárnio uma coroa (kether) tecida de espinhos   (kotzim) com o propósito de ofender nele as esperanças no rei messiânico que os judeus   aguardavam. Porém colocam-lhe também a púrpura (argamán) real. Ou seja, configuram-no — sempre num sentido paradoxal para os romanos — como o Adam   Kadmon, o Vermelho Adão que sendo Filho do Homem   é também Filho de Deus  . O fato de que, em seguida, vá ser crucificado no Gólgota (a golgoleth hebraica significa "caveira"), e de que na iconografia cristã tradicional ao pé da cruz se veja, quase sempre, um crânio atribuído ao primeiro Adão, nos revela que os romanos atacavam e humilhavam em Jesus um "princípio" contido em sua "cabeça".

Com efeito, a palavra reshit, que indica "princípio", "começo", contém a rosch, "cabeça". O segundo Adão, superior aos avatares históricos, acima do conflito judeu-romano e sob a mesma teologia, tem de atravessar a mesma parte que o primeiro para poder superá-lo. Assim, a cruz acima do crânio alude à ressurreição acima do fim. Não é em absoluto casual que a palavra "fim", ketz, provenha da mesma raiz de hotz, "espinho". O vermelho, a rosa   do sangue   deve florescer entre os espinhos para que se cumpram as Escrituras  , porém não no sentido de um que sofre por todos, de um que chegou antes de todos — ideia tão limitada quanto perigosa — senão no mais amplo e revelador sentido que faz do sacrificado pela ignorância um paradigma   de sabedoria; do erro   dos homens a verdade do homem, da torpe comédia coletiva a nobre tragédia individual.

Harold Bloom

Kether ou Keter, a "coroa", é a Vontade original do Criador, e quase não se distingue do Ein Sof, exceto por ser o primeiro efeito de Sua primeira causa  . Mesmo sendo um efeito, a Keter, contudo, não faz parte da Criação, que a reflete mas não pode absorvê-la. Como ela não pode ser comparada a nenhuma outra imagem, deve ser chamada de ayin, um "nada", um objeto de busca que é também o sujeito de toda procura. Como Nome de Deus, Keter é o Ehyeh da grande declaração de Deus a Moisés no Êxodo (3, 14). Deus diz Ehyeh asher Ehyeh, "Sou O Que Sou", mas os cabalistas se recusaram a interpretar esta afirmação como um mero "ser". Para eles, Keter era, a um só tempo, Ehyeh e ayin, ser e nada, causa de todas as causas e absolutamente nenhuma causa, além da ação. Se a Cabala pode ser interpretada — como eu penso que pode — como uma teoria   da influência, então Keter seria a própria ideia paradoxal de influência. Inicialmente, a ironia   de toda influência está no fato de que a fonte   é esvaziada até um estado   de ausência, de forma que o receptor possa acomodar o influxo do ser manifesto  . Esta pode ser a razão por que usamos a palavra "influência", originalmente um termo astrológico referente ao efeito oculto que os astros exercem sobre os homens. (Harold Bloom, Cabala e Crítica)