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não-lugar / não-onde / Na-koja / utopia / cidades de esmeralda / Hurkalya

  

Corbin

No relato intitulado «O MURMÚRIO DAS ASAS DE GABRIEL» de Sohrawardi   aparece uma figura que, em Avicena  , se denominava Hayy ibn Yaqzan (Vivente, filho do Vigilante) mas que em Sohrawardi se chama o Arcanjo Empurpurado  . À questão do peregrino que já se encontra em um outro nível do ser, a resposta do Arcanjo é esta: «venho de Na-koja-abad».

Este termo não figura no dicionário persa e foi forjado por Sohrawardi ele mesmo. Literalmente, significa o país (abad) do Não-onde (Na-koja), quer dizer uma localidade misteriosa se encontrando de algum modo «além» da montanha psico-cósmica Qaf. Além de Qaf não há referência em nossos mapas assim como as cidades míticas de Jabalqa, Jabarsa e Hurqalya. Topograficamente, esta região começa «na superfície convexa» da IX Esfera, a Esfera das Esferas, aquela que engloba o conjunto do cosmos. Um lugar fora do lugar, um «lugar» que não é contido em um lugar, em um topos.

Mas atravessado este portal se dá uma espécie de inversão de tempo e de espaço: o que estava oculto sob as aparências, se revela subitamente, se abre e envelopa o que era até então exterior. O invisível se faz visível. Doravante é o espírito que envelopa e contém a matéria. A realidade espiritual não está mais no onde. É em revanche o «onde» que está nela. Ela é ela mesma o «onde» de todas as coisas. «Seu lugar (seu abad) em relação a este, é Na-koja (não-onde), porque seu ubi em relação ao que está no espaço sensível é um ubíquo (por toda parte).

Este lugar não é «situado mas situativo». Em outros termos é o espaço privilegiado da alma que se revela a ela mesma, que mostra sua própria paisagem (a Xvarnah) transfigurando em dados simbólicos as Figuras consideradas reproduzir as realidades espirituais. Não se ascende aí senão por uma ruptura súbita com as coordenadas geográficas. De fato inverte-se seu olhar: vê-se aí agora todas as coisas com os olhos da alma. Aí penetrar é portanto um extasis, um deslocamento furtivo frequentemente inconsciente e uma modificação de Estado. Frequentemente o peregrino disto não se apercebe senão com maravilhamento ou uma inquietude que lhe comunica um gosto estranho de desconforto. «Põe-se a caminho; a um momento dado se produz a ruptura com as coordenadas geográficas referenciadas sobre nossos mapas. Somente, disto o viajante não tem consciência no momento preciso; disto não se apercebe, com inquietude e com maravilhamento, senão logo em seguida [...]. Ora ele só pode descrever aí onde foi; não pode mostrar a rota a ninguém». [CorbinFHFD]

Christian Jambet

Sobre as Cidades místicas, Henry Corbin  , em Islam Iranien II e IV. A tradição xiita as identifica aos doze Imames. Em uma página de O HOMEM DE LUZ NO SUFISMO IRANIANO   Corbin mostra como a Cidade se tornou uma realidade interior, seguindo o Relato do Exílio (Sohravardi) e o Relato de Hayy ibn Yaqzan (Avicena): a Cidade é o Si verdadeiro do gnóstico, é portanto o homólogo de seu corpo sutil, e seus órgãos são, em verdade, os órgãos do corpo sutil: ela pode então se homologar igualmente aos “profetas” interiores, a Adão, ou a Abraão da alma (do corpo sutil). Estas homologações têm lugar no «mundus imaginalis». Deveria se comparar este destino da Cidade perfeita, nos Orientais, e aquele da Cidade platônica, em sua retomada por al-Farabi, sob o chefe da Cidade virtuosa (al-madinat al-fadilat). Certamente, al-Farabi nos expõe os traços de um Cidade que não apresenta nos mundos político e sensível da história trivial. Mas, como uma das duas vias abertas pela “República  ”, mantém o caráter sociopolítico possível, a exterioridade, do modelo ideal. Certamente, esta política ideal é aquela que guia o Intelecto Agente. E não serviria para nada ler al-Farabi como um teórico político, muito menos Platão. Isto posto, os Orientais interiorizam radicalmente a temática da Cidade, e isto graças ao «mundus imaginalis».

Como, a partir desta interiorização radical, certas correntes do xiismo, notadamente do Ismaelismo, procederam a uma exteriorização não menos radical da Cidade mística, sob o chefe o Imamato, é o que contamos estudar em uma próxima obra. Propomos somente esta tipologia comparada:

Platão: Cidade ideal como política justa / Cidade ideal como política impossível = como destino interior da alma.

Sohravardi / Avicena: Cidade Imaginal como Si mesmo interior (batini), esotérico da Alma: seu grau de ser no Malakut.

Xiismo duodécimo espiritual: Cidade Ideal = Imam oculto = Imam interior, chave do Pleroma dos Doze.

Xiismo Ismaeliano de Alamut: Imam = Haqiqat = Batin. A Cidade é portanto abolição da Shariah, do Zahir, da Lei aparente, exotérica. Reviravolta do Esotérico em Exotérico: o Imam interior se torna por sua vez “exterior”.

Al-Farabi: A Cidade Virtuosa, guiada pelo Intelecto, equilíbrio entre a Lei exterior e a verdade interior, a meio caminho da história e da meta-história: Ideal Intelectivo do Político. [JambetLO  ]


O historiador Tabari, em sua Crônica, delas dá uma descrição precisa, como se nos falasse de Bagdá ou de Kufa. No entanto esta terra não é referível em nenhuma carta de geografia, ela não pertence a nenhum dos Sete Climas que partilham o mundo. Submissão, trabalho, infortúnios aí são desconhecidos. As dimensões das Cidades são símbolos de perfeição, seus habitantes não sabem nem o drama de Adão nem a rebelião de Iblis. Eles se nutrem de vegetais e ignoram a diferença sexual. Terra angélica, e no entanto terra ativa, colorida, animada, carregada de árvores sob um céu evidente, terra e cidades visíveis, quando a vista se levantou até elas, tão bem apresentadas quanto o sol ao qual não sonhamos mais, o encontrando sem falta sob nossos passos. “Um mundo que secreta sua própria luz, porque os cubos de vidro são armados de uma folha de ouro, um país sem sombra”. O viajante acede às Cidades que ele chegou à montanha de Qaf, que os geógrafos árabes situam nos limites do mundo conhecido, por vezes na circunferência, por vezes no centro: na fronteira do país sita, na região de Turan; acontece que eles identificam à Alborz, coroado pelo Demavend. Seria porque este monte, quando o sol se pôs, imita por suas neves, uma terra de luz entre duas noites? Ele designa para a consciência iraniana o lugar da montanha de Qaf. Mas esta transmutação de um lugar cósmico em lugar místico é a consequência de uma percepção visionária que o antecipa. A Esmeralda das Cidades as situa fora do espaço geográfico ordinário, em uma simbólica rigorosa das cores que a alquimia   oriental, pode só elucidar. “A cor verde, escreverá Najm Kobra  , é a última cor que persiste. Desta cor emanam raios, fulgurando em relâmpagos cintilantes. Esta cor verde pode ser absolutamente pura... sua pureza anuncia a dominante da luz divina”. A Esmeralda equivale aqui ao azur dos contemplativos do Ocidente, é o símbolo de uma alteridade radical, como se o desejo de um mundo feliz reencontrava enfim seu objeto.

O mundo de Hurqalya, em particular, é um universo teofânico. Ele pertence a uma visão onde o Intelecto medita a hierarquia dos graus do ser, após o Uno, absolutamente desconhecível, até o mundo sensível, passando por todos os momentos de uma emanação. Por conseguinte, na continuidade do ser, ele introduz uma dissidência, el dá a ver o Outro no movimento onde se engendra o Mesmo, ele quebra toda dialética. A experiência metafísica se apresenta então como uma gnose, quer dizer um conhecimento salvífico.

As Cidades de Esmeralda são o “país metafísico” onde a imaginação criadora desdobra seus símbolos, enquanto Figuras reais; é o mundo imaginal. [JambetLO]