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Evangelho de João / EsJo / Iohanân / Yohanan / Jn

  

Chouraqui

A identificação do autor do quarto Evangelho é problemática: a mais antiga tradição cristã o atribuía a Iohanân bèn Zabdi, conhecido em nossas línguas como João, filho de Zebedeu, irmão de Ia‘acob (Tiago), que o teria escrito em sua velhice em Efeso.

Entretanto, nos séculos XIX e XX, mesmo dentro da Igreja, exegetas levantam dúvidas: o verdadeiro autor do quarto evangelho seria um certo João, o Presbítero, ou, para outros, simplesmente um desconhecido. Mas as teses dos críticos são, elas próprias, suscetíveis de graves   objeções. Eminentes críticos afirmam a existência de uma “escola joanina” que teria compilado as tradições de Iohanân e lhe teria dado a forma que conhecemos hoje. Esta opinião leva em conta métodos de transmissão de textos correntes na época: ela tem a vantagem de resguardar, no essencial, a origem joanina do texto ao mesmo tempo em que explica algumas das dificuldades que a crítica bíblica encontra nele. O que se sabe de Iohanân, irmão de Ia‘acob, filho de Zabdi e de Shelomit, encontra-se em diferentes passagens do Novo Testamento   (ver especialmente Mc   9,38; Lc   9,49; Ga 2,9; At 3,1-11; 4,14-25; Jo 13,23; 19,26; 21,7-20). Uma tradição atribui a paternidade do Apocalipse ao autor do quarto evangelho, mas também neste caso não existe unanimidade.

Data e Local de Redação

O local onde João redigiu sua obra, segundo antigas tradições transmitidas pelo Prólogo antimarcionita, teria sido a Ásia Menor, e, segundo uma precisão de Irineu, a cidade de Efeso. Efrem   já opta por Antioquia. Exegetas conciliam estas duas opiniões afirmando que o autor teria escrito sua obra durante um longo período que teria passado nessas duas cidades. Este Evangelho é citado a partir da primeira metade do [40] segundo século: os autores, de acordo com suas tendências, situam a sua redação entre os anos 60 e 100.

Estrutura Literária e Língua em João

O autor segue em linhas gerais o plano dos sinóticos: vocação de Iéshoua, imersão solene após seu encontro com Iohanân; anúncio da mensagem na Galileia e em Jerusalém; paixão, crucificação e ressurreição. Neste quadro geral, os exegetas esforçam-se para encontrar a chave segundo a qual João organiza sua documentação: alguns descobrem nos doze primeiros capítulos de João sete seções de sete perícopes divididas por sua vez em sete ou quatorze partes; outros dividem o texto em função das seis festas litúrgicas citadas ao longo do relato.

Alguns temas fundamentais caracterizam o Evangelho de João e encontram-se ao longo de toda a sua obra:

— Ieshoua, o messias, é o logos, vocábulo grego que traduz o hebraico dabar ou “palavra” de Adonai IHVH;

— Ieshoua é fonte de luz. João retoma o tema inicial das primeiras linhas do Gênesis onde a luz, primeira criatura de Elohims, é citada cinco vezes. Fonte de luz, Ieshoua devolve a luz a um cego.

— Ieshoua é a testemunha e o caminho que conduzem à perfeita adesão a Adonai IHVH e a sua Torá. Este tema é um dos mais constantes do anúncio.

— Ieshoua é a fonte da verdade.

Em vez de uma composição em partes claramente distintas, João parece ter adotado uma composição sinfônica do tipo que já encontramos no Cântico dos Cânticos.

Desconcertados com este tipo de composição — que é, entretanto, tão característica do gênio oriental —, exegetas esforçam-se em recompor o evangelho de João submetendo-o às exigências de uma lógica ocidental e moderna. Onde os exegetas veem uma “deslocação” do texto, devida à intervenção de diferentes fontes, não seria melhor descobrir o talento de um autor cuja composição permanece hoje tão nova quanto era há vinte séculos?

Robert Miller

Segundo Robert J. Miller, THE COMPLETE GOSPELS, desde os primórdios do cristianismo ficou claro que este evangelho se distinguia dramaticamente dos demais, os sinóticos. Em João quase nada encontramos do ensino de Jesus em parábolas ou de sua atenção aos pobres e alienados. Jesus não realiza exorcismos e raramente dá um ensinamento moral. Ele fala do Reino de Deus em somente uma ocasião, mas clama um reino dele mesmo. Virtualmente nada é aqui encontrado das escatologia encontrada nos sinóticos.

São os discursos de Jesus, seus longos monólogos sobre a verdade, a vida, a luz, que distinguem o retrato de Jesus deste evangelho. Disto quase nada se encontra nos sinóticos, e parece ser expressão: em parte de uma tradição única de Jesus, e em parte a interpretação dada por essa tradição dentro do evangelho da comunidade cristã judaica, à luz do que esta comunidade experimentava.

Frequentemente Jesus diz «Eu sou», que se refere ao divino EU SOU das escrituras hebraicas.

Enigmaticamente se refere a seu «tempo», acusa quão frequentemente seus ouvintes não compreendem o que ele diz, a anuncia declarações solenes com a fórmula «Deixe-me dizer-te isto» e com seu duplo prefácio «Amém, Amém», a fórmula ainda é mais misteriosa que nos sinóticos.

O meio ideológico deste evangelho é inteiramente judeu; mesmo o simbolismo abstrato e dualístico (luz-escuridão) vem de um mundo que pouco tem que ver com a cultura dos gentios. No entanto, este documento é ferozmente antijudeu, se entendido literalmente. Os escolásticos consideram que seus autores são cristãos judeus recém expulsos da Sinagoga. Naquele tempo, «judeus» (Ioudaioi) era um termo que se referia àqueles que sobreviveram a queda do Reino de Judá e tinhas sua base espiritual, e em muitos casos sua residência, no que Roma denominava Judeia. Este evangelho, no seu entendimento literal, dada a própria dificuldade de compreendê-lo em sua riqueza simbólica, mais do que o Evangelho de Mateus  , alimentou um antissemitismo cristão desde sua disseminação.

A origem mais provável deste evangelho é uma pequena cidade da antiga Síria. A data até então mais acatada seria os últimos quinze anos do século I. O autor é anônimo, só sendo associado a João Evangelista um século mais tarde. O evangelho divide-se ao meio no capítulo 13: 1) relato da carreira pública de Jesus, com seus discursos, e 2) a Última Ceia com suas instruções de despedida, seguida de sua Paixão. Acredita-se que o capítulo 21 seja uma apêndice posterior.

VIDE: LENDO O EVANGELHO DE JOÃO DESDE O CENTRO