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Hilário de Poitiers / Hilarius / Hilary of Poitiers / Hilaire de Poitiers / Hilario de Poitiers

  

Santo Hilário de Poitiers (falecido em 368) oferece um excelente exemplo disso. Esse gaulês bem-nascido e de educação pagã só se converteu bem tarde ao cristianismo, após longas reflexões, sobre as quais ele mesmo nos instrui no início de seu De Trinitate (I, 1-10). Impressiona-nos ver o quanto, nesses homens de cultura latina, as preocupações morais sobrepujam as curiosidades puramente metafísicas. Hilário aspirava à felicidade e buscava-a na virtude, mas não podia crer que um Deus bom nos tivesse dado a vida e a felicidade para em seguida delas nos privar; essa observação levou-o a concluir que Deus devia ser bem diferente das divindades pagãs, isto é, "único, eterno, onipotente e imutável". Se seu relato respeita aqui a cronologia dos acontecimentos, Hilário teria chegado ao monoteísmo procurando resolver o problema da felicidade, antes de ter entrado em contato com as Escrituras. De fato, já é com esses pensamentos que ele leu com surpresa nos livros de Moisés estas palavras do próprio Deus: Ego sum qui sum (Êxodo, III, 14). Essa descoberta foi o começo de sua conversão. A leitura do início do evangelho de São João devia acabar de decidi-lo. Uma doutrina em que Deus se encarnou para que o homem pudesse se tornar filho de Deus e desfrutar da vida eterna era exatamente o que Hilário buscava; ele abraçou, pois, a fé cristã.

Composto durante seu exílio na Frigia (365-359), De Trinitate de santo Hilário é uma obra capital na história da teologia latina, mas nela buscaríamos em vão as curiosidades metafísicas de um Orígenes, de um Gregório de Nissa ou mesmo de um Agostinho. Como todos os apologistas latinos, Hilário nota o contraste das opiniões múltiplas e contraditórias dos autores pagãos com a clareza e a unidade da doutrina cristã. O texto do Êxodo que o impressionara tão vivamente não deveria ser esquecido por ele em seus escritos. Ele o entende no sentido de que "nada é mais próprio a Deus do que o ser", que é o exato oposto do nada. Preludiando certas teses fundamentais do agostinismo, Hilário liga estreitamente essa noção de Deus à de imutabilidade, pois "aquilo que é" não poderia ter começado nem poderia acabar. O esse puro é, pois, imutável, eterno, de uma suficiência ontológica absoluta e de uma perfeita simplicidade. Santo Tomás de Aquino, a quem a obra de Hilário era familiar, valeu-se dessa espécie de dedução dos atributos de Deus a partir da noção de esse. Certamente, seria possível recolher em suas obras outras noções de alcance filosófico, mas elas não se encontram aí por si mesmas, e sua expressão é tão fragmentária que por vezes nos perguntamos como defini-las. No que concerne à espiritualidade da alma, por exemplo, ainda não há acordo sobre o que Hilário pensava. São problemas que ele encontra, mas nos quais não se detém. [Etienne Gilson, FILOSOFIA DA IDADE MÉDIA]

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