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Gefühl

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Gefühl, Gefühle

[I 61] Nesse sentido, o oposto propriamente dito do SABER é o SENTIMENTO [Gefühl], oposição que merece aqui a sua explanação. O conceito que designa a palavra SENTIMENTO possui em realidade um conteúdo meramente NEGATIVO, noutros termos, designa algo presente na consciência que NÃO É CONCEITO, NÃO É CONHECIMENTO ABSTRATO DA RAZÃO. Não importa o que isto seja, sempre cai sob a rubrica do conceito de SENTIMENTO, cuja esfera é extraordinariamente grande e, por conseguinte, abrange as coisas mais heterogêneas que só entendemos como se agrupam quando reconhecemos que coincidem unicamente neste aspecto negativo: NÃO SEREM CONCEITOS ABSTRATOS. Pois os elementos mais diversos, sim, mais hostis, residem placidamente um ao lado do outro naquele conceito, como, por exemplo, o sentimento religioso, o sentimento de volúpia, o sentimento moral, o sentimento corporal enquanto tato e dor, o sentimento das cores, dos tons e sua harmonia e desarmonia, o sentimento de ódio, repugnância, auto-satisfação, honra, vergonha, justo e injusto, o sentimento da verdade, estético, de força e fraqueza, saúde, amizade, amor etc. etc. Entre eles não se encontra nenhum traço comum a não ser a qualidade negativa de não serem conhecimento abstrato da razão. Porém, isso salta da maneira mais explícita aos olhos quando até mesmo o conhecimento abstrato, a priori, das relações espaciais — conhecimento totalmente puro do entendimento — é subsumido naquele conceito, ou em geral quando se diz de qualquer conhecimento, de qualquer verdade, da qual se está consciente apenas intuitivamente, porém ainda não se a formulou em conceitos abstratos, que se a SENTE. Para explicitar isso quero mencionar alguns exemplos extraídos de livros publicados recentemente, visto que são provas cabais de minha explanação. Lembro-me de ter lido no intróito de uma tradução de Euclides   que se deve permitir aos que se iniciam na [100] geometria fazer primeiro o desenho das figuras, antes de as demonstrar, pois assim SENTEM a verdade geométrica antes de a demonstração lhes evidenciar o conhecimento completo. — Do mesmo modo, na Kritik der Sittenlebre de F. Schleiermacher  , fala-se de sentimento lógico [I 62] e matemático (p. 339), também do sentimento da igualdade ou diferença entre duas fórmulas (p. 342); ainda, na Geschichte der Philosophie de Tennemanns, tomo I, p. 361, lê-se: “SENTIMOS que os sofismas não eram raciocínios corretos, todavia não pudemos descobrir o erro”. — Enquanto o conceito de SENTIMENTO não for considerado do seu correto ponto de vista e não se reconhecer a sua característica negativa como essencial, ele tem de dar azo a contínuas confusões e disputas, devido à extraordinária extensão de sua esfera, bem como do seu conteúdo meramente negativo e limitado e determinado de maneira parcial. Como a língua alemã ainda possui a palavra sinônima EMPFINDUNG, “sensação”, seria útil reservá-la, como subes-pécie, para os sentimentos corporeos. A origem do conceito de sentimento (conceito este desproporcional em comparação a qualquer outro) sem dúvida alguma é a seguinte. Todos os conceitos, e apenas conceitos, são denotados por palavras. Eles existem exclusivamente para a razão e dela procedem. Com eles, portanto, já se está num ponto de vista parcial. Deste, porém, o que é próximo aparece de maneira distinta e é tomado positi-, vamente; já o distante conflui e em breve é levado em conta só negativamente. Nesse sentido, cada nação denomina todas as outras estrangeiras. Os gregos denominavam os outros povos bárbaros. Os ingleses denominam tudo o que não é da Inglaterra ou inglês continente ou continental. Os fiéis vêem todos os demais como heréticos ou pagãos. O nobre considera os que não o são roturiers. [1] Para o estudante todos os outros são filisteus. E coisas semelhantes. À mesma parcialidade, até se pode dizer ignorância por orgulho, deve ser imputada, por mais estranho que soe, à razão mesma, na medida em que esta engloba sob o ÚNICO conceito de SENTIMENTO qualquer modificação da consciência que não pertence imediatamente ao SEU modo de representação, isto é, que NÃO É CONCEITO [101] ABSTRATO. Ora, como até agora o seu próprio procedimento não lhe veio a ser claro mediante o profundo exame de si, ela teve de expiar a culpa mediante confusões e erros cometidos em seu próprio domínio. Até mesmo uma faculdade especial para o sentimento foi forjada e teorias acerca dele foram construídas. [SCHOPENHAUER  , Arthur. O mundo como vontade e como representação. Primeiro Tomo. Tr. Jair Barboza. São Paulo: Editora UNESP, 2005, p. 100-102]

Observações

[1“Plebeus.” (N. T.)