17. Poder-se-ia tomar a mais completa disponibilidade por um absoluto vazio. Mas não é assim. Essa, que contraria as mais severas exigências do Diabo, assinala-se simplesmente, como a sentida ausência de todas as presenças possíveis, e a indisponibilidade que O satisfaz, como se lhe fora dado gratuitamente o que Ele estava pronto a pagar por qualquer preço, é uma presença feita só da negação de que algo esteja ausente da personalidade-sujeito que nós somos. Assim, a indisponibilidade se mostra como a predisposição para nos sentir e vangloriar de ser «senhores de nós», quando, afinal, cada um dos Homens indisponíveis é só o escravo de «si mesmo» e como «cheio de si» não se apercebendo de nenhuma ausência, que mais poderia desejar o «homem-humano»? Claro que ele supõe que esse «si», de que está cheio, plenamente lhe basta. Como um balão vazio, um forte sopro o dilatará até os limites que o encerram, sem que importe se o ar traz consigo a fragrância de algum jardim de roseiras ou a fétida exalação de cadáveres expostos num campo de batalha. A indisponibilidade fixa-nos na crença de que somos alguém, ou antes, alguma «coisa» e, por conseguinte, daí por diante virá a recusa de receber em [104] nós o que quer que seja; julgamos que mais nada cabe, onde só coube... o vazio. Evidentemente, deste vazio o indisponível nada sabe; se algo soubesse dele, se reconhecesse no «cheio de si» o «vazio de tudo», a rebelde indisponibilidade converter-se-ia em «abertura». Com efeito, a disponibilidade não está do lado do insaciável cobiçoso de «coisas», mas do lado do aberto à possessão pelos deuses. Está bem de ver que o Diabo não permite que propendamos no sentido da segunda dessas inclinações.

18. A disponibilidade humana, o não-diabólico no homem, que se traduz em infinita abertura para o que ele tende a ser, mas talvez nunca o venha a ser (porque se viesse a ser algo, infinita não seria a abertura ou a disponibilidade), é o traço que mais caracterizadamente o põe como imagem do Caótico Incontido. [EudoroMito:104-105]