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redenção

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Vimos que o animal laborans pôde ser redimido do constrangimento [predicament/Verlegenheit] do aprisionamento no ciclo sempre-recorrente do processo vital, da eterna sujeição à necessidade do trabalho e do consumo, unicamente mediante a mobilização de outra capacidade humana: a capacidade do homo faber de fazer, fabricar e produzir [making, fabricating, and producing/herzustellen, zu fabrizieren und zu produzieren], o qual, como fazedor de instrumentos, não só atenua as labutas e penas do trabalho como também erige um mundo de durabilidade. A redenção da vida, sustentada pelo trabalho, é a mundanidade, sustentada pela fabricação. Vimos também que o homo faber pôde ser redimido do constrangimento da ausência do significado, a “desvalorização de todos os valores” e da impossibilidade de encontrar critérios válidos em um mundo determinado pela categoria de meios e fins unicamente por meio das faculdades inter-relacionadas da ação e do discurso, que produzem estórias significativas com a mesma naturalidade com que a fabricação produz objetos de uso. E, se isso não estivesse fora do escopo destas considerações, poderíamos acrescentar a esses exemplos os constrangimentos do pensamento; pois o pensamento também é incapaz de “se pensar” fora dos constrangimentos engendrados pela própria atividade de pensar. Em cada um desses casos, o que salva o homem – qua animal laborans, homo faber ou pensador – é algo inteiramente diferente, algo que vem de fora, não do homem, por certo, mas de cada uma das respectivas atividades. Do ponto de vista do animal laborans, parece um milagre o fato de que ele seja também um ser que conhece um mundo e nele habita; do ponto de vista do homo faber, parece milagre, uma espécie de revelação divina, o fato de o significado ter um lugar neste mundo.

O caso da ação e de seus constrangimentos é bem diferente. O remédio contra a irreversibilidade e a imprevisibilidade do processo que ela desencadeia não provém de outra faculdade possivelmente superior, mas é uma das potencialidades da própria ação. A redenção possível para o constrangimento da irreversibilidade – da incapacidade de se desfazer o que se fez, embora não se soubesse nem se pudesse saber o que se fazia – é a faculdade de perdoar. O remédio para a imprevisibilidade, para a caótica incerteza do futuro, está contido na faculdade de prometer e cumprir promessas. As duas faculdades formam um par, pois a primeira delas, a de perdoar, serve para desfazer os atos do passado, cujos “pecados” pendem como espada de Dâmocles sobre cada nova geração; e a segunda, o obrigar-se através de promessas, serve para instaurar no futuro, que é por definição um oceano de incertezas, ilhas de segurança sem as quais nem mesmo a continuidade seria possível nas relações entre os homens – para não mencionar todo tipo de durabilidade. [ArendtCH:C33]


LÉXICO: redenção