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medida

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

gr. μέτρον, metron = medida. "O homem se faz em função dele mesmo, o critério dos seres (homem-medida)" [Sextus Empiricus  ]



Platão

ESTRANGEIRO — Dividamos, pois, essa arte em duas partes: tal divisão é necessária ao propósito que nos domina.

SÓCRATES, O JOVEM — Explica-me em que ela se fundamentará.

ESTRANGEIRO — No seguinte: de um lado, na relação que possuem entre si a grandeza e a pequenez; de outro, nas necessidades essenciais do devir.

SÓCRATES, O JOVEM — Que queres dizer?

ESTRANGEIRO — Não és da opinião de que o maior só é maior com relação ao menor, e o menor com relação ao maior, exclusivamente?

SÓCRATES, O JOVEM — Sim, certamente.

ESTRANGEIRO — Mas, então, aquilo que ultrapassa o nível da medida, ou permanece inferior a ele, seja em nossa conversa, seja na realidade, não é exatamente, a nosso ver, o que melhor denuncia a diferença entre os bons e os maus?

SÓCRATES, O JOVEM — Aparentemente.

ESTRANGEIRO — Eis-nos, pois, forçados a admitir, para o grande e para o pequeno, dois modos de existência e dois padrões: não nos podemos ater, como fazíamos há pouco, à sua relação recíproca, mas sim distinguir, como o fazemos agora, de um lado, sua relação recíproca e, de outro, a relação de ambos com a justa medida. Não nos seria interessante saber a razão disso?

SÓCRATES, O JOVEM — Certamente.

ESTRANGEIRO — Negar à natureza do maior qualquer relação que não seja com a natureza do menor, não será excluí-lo de toda relação com ajusta medida?

SÓCRATES, O JOVEM — Sim.

ESTRANGEIRO — Não iríamos destruir, com tal pretensão, as artes e tudo o que elas produzem, e abolir, por outro lado, a própria política que procuramos definir e essa. arte da tecedura que acabamos de estudar? Pois podemos afirmar que, para todas essas artes, aquilo que se situa aquém ou além da justa medida não é uma coisa irreal; é, ao contrário, uma realidade desagradável que elas procuram afastar de suas produções, e é preservando a medida que elas asseguram a bondade e a beleza de suas obras.

SÓCRATES, O JOVEM — E evidente.

ESTRANGEIRO — Abolir a política não será impedir-nos de continuar nossa análise sobre a ciência real?

SÓCRATES, O JOVEM — Certamente.

ESTRANGEIRO — Façamos, pois, como na questão do sofista  , em que fomos obrigados a afirmar a existência do não-ser. Essa existência constituía o único recurso de nosso raciocínio. Admitamos assim a comensurabilidade do mais e do menos; não apenas relacionados entre si, mas também com a justa medida que é necessário estabelecer. Pois é impossível colocar fora de toda dúvida a existência do político ou de qualquer outra competência em matéria de ação se não chegarmos a um acordo sobre esse ponto.

SÓCRATES, O JOVEM — Neste caso, na medida do possível façamos o mesmo com relação à questão presente.

ESTRANGEIRO — Esta tarefa, caro Sócrates  , será maior do que a primeira, e lembremo-nos quão grande foi então. Mas eis, a esse respeito, uma previsão que podemos fazer com segurança.

SÓCRATES, O JOVEM — Qual? [O Político  , 283d-284c: A medida comparativa e a "justa medida"]


Arendt  

Parece-nos óbvio que os gregos temiam esta desvalorização do mundo e seu inseparável antropocentrismo — a opinião «absurda» de que o homem é o mais alto de todos os seres vivos e de que tudo o mais está sujeito às exigências da vida humana (Aristóteles) — da mesma forma como viam com desprezo a pura vulgaridade de todo utilitarismo sistemático. O famoso argumento de Platão contra o dito de Protágoras  , aparentemente axiomático, de que «o homem é a medida de todas as coisas de uso (chremata), da existência das que existem e da inexistência das que não existem», [1] talvez seja o melhor exemplo de que já se anteviam as consequências de considerar-se o homo faber como a mais alta possibilidade humana. (Evidentemente, Protágoras não disse que «o homem é a medida de todas as coisas», como nos fazem crer a tradição e as traduções consagradas.) O que importa é que Platão percebeu desde logo que, quando se faz do homem a medida de todas as coisas de uso, está-se correlacionando o mundo com o homem-usuário e fazedor de instrumentos, e não com o homem-orador, pensador ou o homem de ação. E como é da natureza do homem-usuário e fabricante de instrumentos ver em tudo um meio para um fim — ver em cada árvore determinado potencial de madeira —, isto fatalmente significaria fazer do homem não só a medida de todas as coisas cuja existência dele depende, mas de literalmente tudo o que existe.

Na interpretação platônica, Protágoras se afigura, realmente, como o primeiro precursor de Kant  ; pois, se o homem é a medida de todas as coisas, então só o homem escapa à relação de meios e fins; só ele é um fim em si mesmo, capaz de usar tudo o mais como meios. Platão sabia perfeitamente que as possibilidades de produzir objetos de uso e de tratar todas as coisas da natureza como objetos de uso são tão ilimitadas quanto as necessidades e os talentos do ser humano. Se os critérios do homo faber passarem a governar o mundo depois de construído, como devem necessariamente presidir o nascimento desse mundo, então o homo faber, mais cedo ou mais tarde, servir-se-á de tudo e considerará tudo o que existe como simples meios à sua disposição. Julgará tudo como se todas as coisas pertencessem à categoria de chremata ou objetos de uso, de sorte que, para adotar o exemplo de Platão, o vento deixará de ser concebido como força natural, existente por si mesmo, para ser considerado exclusivamente do ponto de vista das necessidades humanas de calor e refrigério — e isto, naturalmente, significaria que o vento, como algo objetivamente dado, seria eliminado da experiência humana. Prevendo tais consequências, Platão — que no fim da vida lembra mais uma vez nas Leis o dito de Protágoras — responde com uma fórmula quase paradoxal: não o homem — que, em virtude de suas necessidades e astúcia quer usar tudo, e portanto termina por despojar todas as coisas de sua valia intrínseca — mas «o deus é a medida (até mesmo) dos simples objetos de uso». [2] [Excertos de Hannah Arendt, "A Condição Humana"]


Mattéi
Helios não ultrapassará as medidas (metra). Ou então as Eríneas, ajudantes de Justiça (Dike), certamente o encontrarão.

Heráclito   se inspira neste fragmento 94 de um velho adágio pitagórico: « Quando estais no estrangeiro, não saias de teu caminho para ti, senão as Eríneas, ajudantes da Justiça, correrão ao seu encalço». Como as "medidas" (metra) do Sol estão fixadas pelo equilíbrio das fases contrárias (freg. 30: o fogo eterno se abrasa "em medida" e se apaga "em medida"), o astro deve permanecer em seus limites e não andar em outras vias, sob pena de ser caçado, e em seguida julgado, pelas Eríneas, estas filhas da Noite (Ésquilo, Eumenides, v.321), auxiliares da filha de Têmis, Dike; Aratos, em seus "Fenômenos", identificará esta última à constelação de Virgem Astreia. O termo metron é aparentado a metis (lat. metior), a "prudência" ou a "sabedoria prática", senão a "rusa". Segundo Hesíodo  , Metis, filha de Têmis e de Oceano, primeira esposa de Zeus, conhecia "mais coisas que todo deus ou homem mortal". Segundo os conselhos de Urano e de Gaia, Zeus a engolirá desde que ela será grávida de Atenas a fim de permanecer o mais sábio dos deuses; a deusa de olhos azuis nascerá em seguida toda armada da cabeça de seu pai. Vê-se aqui que o limite estabelecido aos homens e aos deuses dá, de maneira indissociável, a medida da ordem cósmica e da ordem ética, mas também da ordem lógica, aquele da razão universal, posto que, segundo o fragmento 1 de Heráclito citado por Sextus Exmpírico, "todas as coisas nascem e morrem segundo este logos aqui". [Jean-François Mattéi]



LÉXICO: medida

Observações

[1Theaetetus 152 e Cratylus 385E. Nestes casos, como em outras citações antigas do dito famoso, Protágoras é sempre citado nos seguintes termos: panton chrematon nietron estin anthropos (veja-se Diels, Fragmente der Vorsokratiker (4a. ed.; 1922), frag.B1). A palavra chremata não significa, de forma alguma, «todas as coisas», mas somente aquelas coisas que os homens usam, necessitam ou possuem. O suposto dito de Protágoras — «o homem é a medida de todas as coisas» — seria, em grego, anthropos metron panton, parafraseando, por exemplo, a frase de Heráclito: polentos pater panton («o conflito é o pai de todas as coisas»).

[2Leis 716D cita textualmente o dito pitagórico, exceto que a palavra «homem» (anthropos) é substituída por «o deus» (ho theos).