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economia

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Hoje a alquimia   é rejeitada como superstição. A ciência moderna mostrou finalmente, segundo nos dizem, que a fabricação do ouro é uma ilusão, motivo pelo qual ninguém mais deseja perder tempo com projetos tão abstrusos. Mas proponho um argumento diferente: as tentativas de produzir ouro artificial não foram abandonadas por serem inúteis, mas porque a alquimia, sob outra forma, mostrou-se tão bem-sucedida que a árdua produção de ouro no laboratório deixou de ser necessária. Não é mais vital para o objetivo da alquimia, no sentido de aumentar a riqueza, que o chumbo seja realmente transmutado em ouro. Será suficiente que uma substância sem valor algum se transforme em outra dotada de valor: papel, por exemplo, em dinheiro.

Podemos interpretar o processo econômico como alquimia se for possível chegar ao dinheiro sem o haver ganho com o esforço correspondente, se a economia for uma cartola, por assim dizer, que produz um coelho antes inexistente: em outras palavras, se for possível uma genuína criação que não esteja coibida por limite algum e seja, portanto, nesse sentido, bruxaria ou magia.

Uma leitura minuciosa de Fausto não nos deixa dúvida alguma de que Goethe   diagnostica precisamente esse núcleo alquímico na economia moderna. É isso que confere à economia de hoje uma força de atração tão imensa que pouco a pouco suga todas as áreas da vida para seu vórtice. Ela envolve a possibilidade de um crescimento contínuo na produção sem aumento correspondente do esforço despendido.

Com essa visão do núcleo alquímico da economia, Goethe adota uma posição diametralmente oposta àquela da economia política clássica. A riqueza, afirma esta última, é obtida tão somente por meio do trabalho, seja ele trabalho direto, seja trabalho previamente realizado que (por meio de poupança) se transforma em capital. Adam Smith, o fundador da economia política clássica, escreve em seu famoso livro A riqueza das nações (1776):

O preço real de todas as coisas, o que cada coisa realmente custa ao homem que quer adquiri-lo, é a labuta e a dificuldade para adquiri-lo. … O que é comprado com dinheiro ou com bens é comprado com trabalho, assim como o que adquirimos com a labuta de nosso próprio corpo. … O trabalho foi o primeiro preço, o dinheiro original pago por todas as coisas. Não foi com ouro nem com prata, mas com trabalho, que se comprou originalmente toda a riqueza do mundo. [1]

Essa concepção foi tão modificada na economia política de nossos dias que, ao lado do trabalho, também encaramos o capital e o progresso tecnológico como entidades independentes. Mas os três fatores da produção são vistos como resultados do esforço humano: o trabalho, como fruto de esforço árduo; o capital, como consequência de abstenção do consumo (poupança); e o progresso tecnológico, como consequência de estudo e pesquisa. Basicamente, portanto, a economia política permaneceu fiel à visão clássica da criação do valor por intermédio do trabalho, e unicamente dele.

A segunda parte de Fausto, em contraposição, traz a afirmação explícita de que a riqueza tem sua fonte não apenas no trabalho, cuja importância não pode, claro, ser negada, mas também na magia — uma magia que cria valores excedentes, inexplicáveis pelo esforço humano. [BINSWANGER  , Hans Christoph. Dinheiro e magia. Uma crítica da economia moderna à luz do Fausto de Goethe. Prefácio e pósfacio Gustavo Franco. Tr. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2011 (epub)]

LÉXICO: economia

Observações

[1SMITH, Adam. An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. Chicago, The University of Chicago Press, 1976, p. 47-48 [trad. bras., A riqueza das nações, São Paulo, Martins Fontes, 2010].