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coerência

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

A teoria da coerência, ao que ele Bertrand Russell   nos afirma, esbarra em duas grandes dificuldades. A primeira delas, é que não há razão para que nós admitamos que só é possível um corpo de crenças coerentemente organizado; frequentes vezes, apresentam-se duas ou mais hipóteses que explicam os fatos por nós conhecidos e que têm relação com um dado assunto. Sim, que têm relação com um dado assunto. Quer dizer: trata-se aí de uma visão parcial, a de um assunto dado. Ora, o ocorrer o caso numa visão parcial poderá realmente servir de argumento contra a doutrina sustentada pelo «idealista» em questão, que define a verdade pela coerência total, e para o qual é real unicamente o Todo? Aliás, a busca de teorias unificantes — totalizantes — tem sido um postulado do pensar científico, e a ciência é a busca da coordenação de tudo em um sistema único inteligível (graças a transformações matemáticas apropriadas), sendo exemplo relevante dessa mesma unidade o «intervalo relativista» da relatividade. O absoluto é a Forma da correlação dos sistemas. O Universo é um constructo formal do intelecto, que a experiência confirma. Quanto ao outro estorvo (na opinião do Russell) que a teoria da coerência não poderá vencer, é o de que supõe conhecida a definição de coerência, quando a coerência, afinal de contas, pressupõe a verdade das leis da Lógica; sem embargo, pergunte a si mesmo o aprendiz de filósofo se não se dará aí precisamente o oposto, isto é: se não serão afinal as leis da Lógica que supõem a verdade da afirmação da coerência, ou se as leis da Lógica, em última análise, não serão um derivado da lei da coerência. Suponhamos o princípio com que ele abre o assunto, a saber: «o que é implicado por uma proposição verdadeira é também verdadeiro», ou: «o que se segue de uma proposição verdadeira é também verdadeiro.» Neste princípio, como interpretar as essenciais expressões — a expressão «implicado» e a expressão «se segue» — sem cair na ideia da coerência lógica? Que significa o princípio, senão o seguinte: «o que é coerente com o que é verdadeiro — é também verdadeiro»? E que é o princípio de contradição, senão o princípio da coerência das coisas? «Coisa alguma pode ser e não ser ao mesmo tempo», eis o que nos afirma esse princípio básico; no entanto, não será isso outra forma de dizer o seguinte: «tudo é coerente consigo próprio»? O que está no âmago dos princípios lógicos, não será o postulado da universal coerência, da unidade inteligível, da universal inteligibilidade? E, por outra banda, pressupor que a natureza é inteligível, que obedece ao princípio de contradição, não será considerá-la como um uno inteligível e negar o pluralismo absoluto do Russell? [António Sérgio, «Prefácio do tradutor» a Bertrand Russell, Os Problemas da Filosofia, 2.a ed., pp. 21-23]

LÉXICO: coerência