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utopia

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

A sociedade humana apresentou-se muitas vezes ao pensamento como uma ordem de fatos iníqua, desajustada e contrária ao homem, como algo governado por um princípio de desatino e aniquilamento. O que deveria favorecer e potenciar as faculdades humanas, o que deveria dar ao homem a plenitude de sua felicidade sobre a terra, era de fato a origem das mutilações e frustrações de sua existência. O quadro da corrupção das formas de vida no que diz respeito à responsabilidade do estatuto social ainda se prolongava no espetáculo das guerras e das destruições que por vezes assolavam as comunidades nacionais. O pensamento, diante desse panorama de irracionalidade, de aflições e ruína, elevava-se em demanda de um mundo modelar e arquetípico, onde todos esses males se anulassem e onde se cumprissem as condições de uma sociedade perfeita. A utopia é a anteposição do perfeito ao imperfeito, sem que se leve em consideração o trânsito histórico de um momento para outro e a concatenação necessária dos vários estágios da evolução social. A maior parte das utopias, desde a República   platônica, propendeu para a instauração de um sistema socialista, onde as limitações da propriedade particular e do arbítrio do poder econômico não estivessem em condições de destruir o desenvolvimento sinérgico da vida comum. Ora, o socialismo dos utopistas foi criticado em nossos dias pelos socialistas denominados científicos, por essa anteposição brusca do branco no negro, do perfeito sobre o imperfeito, sem nenhuma compreensão dos motores históricos da fenomenologia social e de sua atuação para o bem ou para o mal dos homens. Essa crítica do socialismo científico aos sonhos dos pensadores da Cidade perfeita torna-se em nossos dias cada vez menos convincente. O desenvolvimento das técnicas e dos métodos científicos, a ampliação fantástica do campo de possibilidades operatorias do homem, nos oferecem, a nós, homens da segunda metade do século XX, o sentimento de que todas as formulações quiméricas e utópicas poderíam se cumprir. O que nos assombra presentemente é justamente a viabilidade das utopias, do “admirável mundo novo” ironizado por Aldous Huxley  , onde todo o comportamento humano já é uma decorrência da eficiência tecnocientífica. A nossa atitude diante da utopia é totalmente diversa daquela que assumiam os homens de outros tempos, que não possuíam ainda as técnicas do condicionamento social e da construção psicológica do homem. Por meio da ciência, qualquer desenho ou projeto de convivência inter-humana parece-nos plausível e realizável na ordem dos fatos. A construção de cidades não é mais uma tarefa do filósofo ou do teólogo irritado com o curso das coisas, mas sim a missão do engenheiro social, em seu construtivismo científico. O pensamento utópico, seja em Platão, seja em seus continuadores renascentistas e pós-renascentistas, foi sempre o fruto de uma concepção racionalista diante dos fatos sociais e antropológicos. [VFSTM  :197-198]


LÉXICO: utopia