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purgatório

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

52. Não por estulto artifício retórico chamamos de «Purgatório» ao trans-objetivo: um e outro estão entre, um e outro é patamar entre dois liminares. O trans-objetivo aponta para baixo e [139] para cima. Os micro-símbolos (cf. infra) são bem maiores do que a maior das «coisas» que existem aquém-horizonte do «objetivo-coisístico», pois, por maior que seja, sempre tem a mais o que nunca se encontrará entre as coisas: «ser-origem» delas, o deus que de duas «coisas» faz mundo e homem, que não são «coisas». Mas enquanto se achem incluídos em qualquer mundo dos deuses, os micro-símbolos serão bem menores do que o Grande Símbolo, o co-jogado pelo único arremesso de duas partes, das quais, uma é este «homem e mundo», e a terceira, o deus em que reside a própria originalidade deles, isto é, de homem e mundo. Esse é o Macro-Símbolo, pelo qual se acede ao Além-Horizonte Extremo. Porque duas de suas partes são tudo o que existe aquém, visto como uma coisa só, e a outra é a origem delas, a que reside além, vista ou entrevista como Ser-Um. «Purgatório» é lugar (sem lugar) de purificação, de catarse; o trans-objetivo é-o também, enquanto nos permite ver tudo, de cima para baixo e de baixo para cima, com olhos limpos das escamas que nos impediam de mantê-los abertos. As escamas eram as coisas só «coisas», por nós fabricadas por encomenda diabólica que diabolicamente consentimos em executar. Mas que esforço, verdadeiramente, propriamente «sobre-humano» não é o de deixar, ainda que por breves instantes, atrás de mim, a humanidade, essa Humanitas a que a Cultura me obrigou a olhar com reverência sincera que imita a hipócrita reverência que os homens-só-humanos prestam aos deuses ou a Deus, que conhecem, se conhecem, só por d’Eles ter ouvido falar? Desencaminho-me, falando de força ou de esforço, porque esta só a concentração a exige. A «Humanitas», eu a deixo para trás quando transponho o liminar do trans-objetivo, com a mesma naturalidade distraída com que um batráquio ou um inseto, em sua metamorfose, deixa para trás a forma que já tinha, para assumir a que ainda não tem. Na verdade, a trans-objetividade é mundo ou mundos de distraídos e de excêntricos. Enquanto desumano ou transumam, nenhum personagem de drama ritual tem querer suficiente para fincar os pés no centro do palco-mundo que não é exclusivamente o seu. Tudo é representativo como representação de tudo. Nada é representativo como representação das «coisas» que reimergiram no nada. O homem da trans-objetividade tem de ser excêntrico, é naturalmente excêntrico. Concêntrico só o será algum que o venha a ser no momento em que dele se aposse a divindade quando tenha de representá-la, como nas tragédias gregas, um ator que recitava o prólogo, vestido das roupagens de um deus. Concêntrico, nos dramas rituais, só é o Sacrificante que [140] assume o papel do Sacrificado; e como a vítima do sacrifício é uma divindade, mais uma vez se verifica que ela e só ela está no centro. E nem podia não estar no centro, quando no único Sacrifício, digno desse nome, pela morte, pelo assassínio de um deus, a vida se transfere de seu corpo exânime para a vida do mundo inteiro, seja ela a vida natural ou a vida sobrenatural. [EudoroMito:139-141]


LÉXICO: Purgatório