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herói

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Aien aristeuein kai hypeirochon emmenai allon (“ser sempre o melhor e sobressair aos outros”) é a principal preocupação dos heróis de Homero   (Ilíada, vi, 208), e Homero foi “o educador da Hélade”. [ArendtCH, 6, Nota]


Na Poética de Aristóteles  , quando este estuda a estrutura interna da tragédia, encontramos também uma referência aos sinais e notas que anunciam a queda do herói e o desenlace final. O reconhecimento dessa mudança de sinal do destino, a consciência daquilo que Aristóteles denomina a metábase, isto é, da passagem da felicidade para a infelicidade, da plenitude para a carência, é assinalada pela notificação de que as forças propícias e acolhedoras se transformam em potências adversas e destruidoras. Os amigos são de fato inimigos, os laços mais caros contêm em si as mais atrozes culpas, o mundo assume um aspecto desolado e espectral. Aristóteles afirma que essa tomada de consciência pode-se dar de uma forma direta ou indireta, por intermédio de coisas ou de personagens. No primeiro caso, as coisas remetem entretanto a uma mudança no ânimo dos personagens, isto é, um sinal objetivo faz o herói descobrir o que se trama no ânimo de seus adversários. [VFSTM  :227]
Também a figura patológica do amor hereos guarda em si uma idêntica tensão potencial. Neste caso, aliás, a tensão reflete uma origem estranha ao âmbito médico em sentido restrito, e que, através das classificações demonológicas da cosmologia teúrgica, remonta ao pensamento neoplatônico. Por conseguinte, apesar de tudo, a figura sombria do amor-enfermidade (e, através dela, a teoria poética do amor) se vincula, embora por vias oblíquas e mediatizadas, à herança do filósofo que havia transformado o amor na mais elevada experiência iniciática [194] da alma; mas tal conexão relaciona-se curiosamente não ao amor celeste, mas ao seu homônimo do lado esquerdo, ao “amor na parte doentia”, de que, no Banquete  , fala o médico Erixímaco [Banquete, 186b].

A prova dessa origem é dada pelo próprio nome amor hereos. Lowes deriva o termo hereos de uma errônea transcrição latina do grego ἔρως, do que ele acredita vislumbrar um indício em manuscrito latino do século VI, que contém uma tradução muito incorreta da Συνόψις do médico grego Oribásio. A parte o fato de que tal hipótese de modo algum explica o típico bilinguismo amor hereos, ela se choca com a explícita afirmação das fontes médicas que concordam em entender o termo hereos, religando-o a herus (erus) ou a heros, o único a partir do qual se pode fazer derivar o adjetivo heroycus, o que se constata, aliás, em Arnaldo de Villanova. A convergência semântica entre amor e herói, que já está presente em uma etimologia imaginária do Crátilo   platônico, no qual Sócrates  , de maneira jocosa, deriva a palavra herói (ἥρως) de amor (ἔρως), “porque os heróis são gerados por Eros” [Crátilo, 398c-e], realizou-se verossimilmente no âmbito da ressurreição neoplatônica do culto popular dos heróis e da demonologia teúrgica. Os “espíritos dos defuntos”, ligados a antigos cultos locais [1], e que o tratado hipocrático sobre o morbo sagrado já citava como causa de doença mental, são aqui inseridos na hierarquia das criaturas sobre-humanas que procedem do Um e que se revelam nas práticas teúrgicas. De mysteriis, de Jâmblico  , descreve minuciosamente o que distingue a epifania e a influência dos heróis em relação aos demônios e aos arcontes, e Proclo  , referindo-se às hierarquias demoníacas estaticamente voltadas para o divino, declara que “o exército dos heróis se move ébrio [195] junto com os anjos e os demônios em torno da beleza” [2]. No seu comentário sobre o Carme aureo de Pitágoras  , Hiérocles define os heróis como “um gênero intermediário de naturezas racionais que ocupam o espaço depois dos deuses imortais, precedem a natureza humana e unem as coisas últimas com as primeiras”. Seguindo as pegadas da fantástica etimologia do Crátilo (mas com um aprofundamento semântico que testemunha o novo papel que os heróis desempenham no revivalneoplatônico), ele explica da seguinte forma o termo “heróis ilustres” (ἀγαθοί ἥρωες) da poesia pitagórica: “Com razão, eles são denominados heróis ilustres, por serem bons (ἀγαθοί) e luminosos (φωτεινοί) e nunca tocados por vício ou por esquecimento; heróis (ἥρωες) enquanto são amores (ἔρωες) e eróticos (ἔρωτες), quase enamorados e amantes dialéticos do deus, que nos tiram desta morada terrestre e nos elevam até à cidade divina.” [3] Nesta perspectiva, os heróis acabam sendo identificados por Hiérocles com os anjos da teologia hebraica e cristã: “As vezes, eles são chamados também anjos, enquanto nos manifestam e anunciam os cânones da vida bem-aventurada.” Esta passagem mostra que a aproximação entre herói e amor se realiza originalmente em uma constelação positiva, e que só através de um lento processo histórico, no encontro com a teurgia mágica e no choque com o cristianismo, o herói eros conquista a polaridade negativa que sobrevive como componente único na doutrina médica do amor hereos. [AgambenE:194-196]


LÉXICO: herói

Observações

[1Sobre o culto dos heróis, sempre são úteis as informações de E. ROHDE. Psyche. Freiburg im Breisgau, 1890-1894. Trad. it. Bari, 1970, p. 150-203. Sobre os heróis como causa de doenças mentais, cf. HIPPOCRATIS. De morbo sacro, I, VI, 360, e as observações de E. R. DODDS. The Greeks and the Irrational, Berkeley/Los Angeles, 1951, p. 77.

[2JAMBLIQUE. Les mystères, op. cit, II, 6 e passim; PROCLO. In Platonicum Alcibiadem de anima atque daemone, in aedibus Aldi. Venetiis, 1516 (trad. it. de Marsílio Ficino).

[3HIEROCLIS. Commentarium in Aureum carmen, III, 2.