Dizer que esse conjunto de manifestações culturais e religiosas é o resultado de um comportamento individual ou social, com base na criatividade psíquica e mental do agente humano, é uma interpretação nossa e uma captação dos fenômenos de fora. As coisas que aparecem no mundo desses [aborígnes] australianos como resultado de um projeto de vida ou de uma mitologia totalmente diversa da nossa nada têm a ver com o nosso universo conhecido. O significado das ideias de vida, de terra, de sociedade, de homem e de divindade, se é que eles as possuem, são totalmente antagônicas e diversas das nossas. Mas o mais importante é o que se relaciona com a própria determinação do conceito de consciência humana. Nesse universo governado pelo totemismo existe uma ideia fluida e cambiante das formas vitais, o homem não se destaca e opõe como uma substância fixa ao drama cósmico envolvente. O aborígene, na sua gnosia pessoal, não se capta exatamente como homem determinado, mas sim como personagem determinável a partir das histórias tradicionais. O protagonista hominídeo convive num cenário onde não tem a primazia, onde está exposto com todas as demais coisas à fatalidade de um drama unitário. Nesse contexto interno da vida religiosa do passado, recortar ou selecionar o homem, ou o que se manifesta a nós como homem, atribuindo a ele uma causalidade social preponderante, é um ato arbitrário de nosso conhecimento histórico. [VFSTM  :127-128]